sábado, 25 de março de 2006

Protese de fé?

Eu não sei qual foi a primeira prótese inventada. Suponho que tenha sido uma perna: provavelmente uma muleta muito rudimentar.

Já nos tempos de Davi se usava muleta (que, pela palavra, transmite a impressão de uma simples vara).

Hoje vivemos em um mundo de próteses. Algumas são tão óbvias que “saltam aos olhos”: os óculos, que a rigor não substituem os olhos, mas não deixam de ajudar a visão. Outras mais discretas, muitas vezes ignoradas, como uma peruca ou uma dentadura. Outras invisíveis como um implante interno ou uma parte do corpo usualmente vestido.

Se flexibilizarmos um pouco mais a definição de prótese (como já fizemos para os óculos) começamos a pensar se podemos viver sem elas em nossos tempos modernos. Um automóvel não seria uma prótese que nos faz ir mais longe? Uma televisão não seria outra que nos faz ver longe (como seu próprio nome já diz)? Vivemos sem geladeiras? Limitamos nossa atuação à luz do dia ou já o encompridamos também por conta de outra prótese?

Órgãos transplantados não seriam espécies de próteses? Para mim um marca-passo cardíaco, uma máquina de diálise, e outros semelhantes são próteses.

Ainda não temos uma prótese do corpo humano completo, mas tudo caminha para essa direção. Já há mãos robóticas fortes e sensíveis ao mesmo tempo, tais como as nossas. Entretanto se, algum dia, chegarmos à condição de comprar braços, pernas, olhos, ou qualquer outra coisa, em lojas especializadas, certamente não poderemos comprar próteses de fé, caráter, ou de vida.

Já se procura artificialmente criar “fé sintética”, ou, se continuarmos tomando a palavra em seu sentido mais amplo, poderíamos até dizer “próteses de fé”.

Por ter grande semelhança com os sentimentos, que são facilmente manipuláveis, via de regra, algum “obreiro da iniqüidade”, tenta iludir os mais simples com esse tipo de engodo:

1. Provoca-se primeiro uma sensação de mal estar listando diversos problemas: familiares, conjugais, trabalhistas, de saúde e principalmente financeiros. Algo com que os incautos se identifiquem.

2. Depois, evocando-se algo ou alguém, que não seja muito específico, mas esteja na idéia de todos, e reforçando as sensações com muitos decibéis e com movimentos repetitivos, que provoquem hiperventilação, leva-se todos a uma euforia tal, que descrevem-na como experiência espiritual.

Por ela se leva multidões ao delírio ou à catarse. Por ela se fabrica fanáticos suicidas, ou convictos vitoriosos. E quando ela passa, a sensação de relaxamento é tão profunda que geralmente se diz ter visto ou sentido Deus.

Entretanto “a fé é a certeza de coisas que se aguardam, a convicção de fatos que ainda não podem ser vistos”

Mundo e tempo de próteses! Essa é sua fé? Se for não perca a oportunidade de pedir como o pai daquele menino que o Senhor curou: “ajuda-me na minha falta de fé”.

sábado, 18 de março de 2006

Os bebês e os Bebês da Igreja

Para o Apóstolo João a maior alegria que tinha era “ouvir que seus filhos andavam na verdade”. Será que o mesmo ocorre a qualquer pai?

Invertendo a situação, perguntaríamos a um pai, ou a uma mãe, qual foi a maior tristeza que o filho deu? Ou, qual foi a primeira vez que o filho os entristeceu? Provavelmente perguntas assim sejam as mais difíceis de responder.

Esperamos com ansiedade nosso filho. Nos privamos de muito em favor de sua saúde ainda no ventre da mãe. Procuramos o melhor modo de trazê-lo à luz e de recebê-lo em nossa casa, que, na verdade passa a ser regida pela conveniência dele. Como dizia a música: chegou “sua majestade o nenê”.

Há porventura algo que ele necessite em seus primeiros dias que não tentemos suprir? Ou algo em nossa rotina de vida que não seja modificada por sua simples presença?

Passam-se os dias e mesmo em meio a mordidas dolorosas a mãe não lhe nega o seio. Em meio ao sono entrecortado não lhe é negado o acompanhamento e o conforto de fraldas secas.

Não sei exatamente quando, mas ainda bebê, os pais mais atentos descobrem que ele já é capaz de pequenas malandragens: As manhas de exigir colo. O choro impositor de sua vontade. O egocentrismo com que demanda a exclusividade da mãe.

Agostinho viu um gêmeo empurrando seu irmão para fora do outro seio materno da mãe que igualmente alimentava os dois.

Talvez não tenhamos pensado nisso – afinal quem de nós não gosta de ver uma criança explorando e descobrindo o mundo ao seu redor – mas, não há época em que o pecado se mostre tão ligado à nossa natureza quanto em nossas infâncias.

Talvez nem saibamos, ou nem nos lembremos, qual foi a primeira vez que nosso filho nos entristeceu. Perdoamos automaticamente. Depois de certa idade, quando os imaginamos capazes de entender o que ensinamos de bom é que nos admiramos em vê-lo preferir o que é mal. Ao vermos alguma malfeitoria pensamos: Quem foi que ensinou isso a ele? Quem o ensinou a dissimular o erro? A mentir? A xingar? A odiar?

Parece que o pecado da ira é o primeiro. Ah, antes que eu esqueça: são pecadores sim. Lindos. Engraçadinhos. Fofinhos. Mas, tão pecadores quanto nós: seus pais. Tão pecadores quanto Adão. Nasceram pecadores. Nasceram carentes da misericórdia de Deus, da graça do Senhor Jesus, da bendita iluminação do Espírito Santo.

A falta com a verdade não demora a aparecer. Chegam a se assustar quando os flagramos fazendo algo errado. Daí para frente o pecado aparece tão claro quanto o é em nós. Aliás, já passamos por todas essas fases e nossos pais viram em nós o mesmo que vemos em nossos filhos.

Porém, o Apóstolo ao dizer de sua felicidade, não estava, necessariamente, falando de crianças. Falava da Igreja.

Sabem irmãos? Nós, pastores, temos sempre sob nossos cuidados, marmanjos e bebês na fé. Os pecados dos marmanjos são apenas mais grosseiros do que os dos recém-nascidos na fé. Porém há um agravante: Enquanto um bebê não tem escolha a não ser crescer – a menos que um problema de saúde o retenha – na Igreja, nós, pastores, lutamos para que muitos deixem de ser meninos.

O Senhor já sabia disso, “pois ele mesmo concedeu ... pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos ... para que não mais sejamos como meninos”.

sábado, 11 de março de 2006

"Nos dias de sua carne" 2

Nos dias de sua carne o Senhor teve berço debaixo das condições mais humildes que um israelita podia imaginar. Mas isso foi nada perto da morte ignóbil que homem algum podia inventar: a cruz! Desprezo dos homens e maldição de Deus.

Nos dia de sua carne conviveu com todos os tipos de pessoas. Ainda menino viu o pouco que os mestres de Israel sabiam da Lei de seu Pai e mais tarde admirou-se que um deles não soubesse sequer o que era nascer de novo.

Nos dias de sua carne sentou-se à mesa com publicanos – aqueles que cobravam impostos de seus patrícios em favor dos romanos invasores do país - pecadores e pecadoras. Quando questionado respondeu com simplicidade que tinha vindo para doentes e não para os sadios.

Nos dias de sua carne teve poucos contatos com poderosos e ricos. Ainda bebê, recebeu presentes de uns que vieram de longe, mas seus pais tiveram de buscar segurança no exílio devido a outro que estava por perto.

Uma vez um deles tentou desacreditá-lo: convidou-o para comer em sua casa, mas negou-lhe as mais corriqueiras normas de hospitalidade.

Outros são mencionados como seus juizes. Condenaram-no. Apenas um levantou-se a seu favor: deu-lhe sepultura.

Nos dias de sua carne encontrou ingratos, mentirosos, ladrões, falsos amigos, prostitutas e hipócritas. Enfim: todo o catálogo de praticantes do que Deus proíbe e de não praticantes do que ele manda.

Chamou a atenção dos ingratos. Repreendeu os mentirosos. Condenou os ladrões. Tratou bem os falsos amigos. Exortou as prostitutas e verberou com ira contra os hipócritas. Orou por todos e a todos perdoou.

Nos dias de sua carne sofreu com a incredulidade. Sofreu com a zombaria. Com a difamação: ressentiu-se de ser chamado glutão e bebedor de vinho.

Sofreu também com o pouco caso com que tratavam seu Pai Celeste. Sofreu com a falta fé de quem o rodeava. E aprendeu.

Aprendeu a sofrer. Aprendeu a obedecer. Aprendeu também, na prática, o que era a natureza humana decaída: pouco diferente da natureza do próprio diabo.

Mesmo sofrendo, quando encontrava outro sofredor, tomava sobre si os sofrimentos dele: compadecia-se. Quando encontrava um desesperado dava-lhe esperanças. Não a esperança desvanecente de quem deseja, mas a esperança firme e ancorada nas promessas de que apenas aguarda.

“Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna” (Hb 5.7-9).

Agora, nos dias de sua glória, reina e conduz sua Igreja pelo vale da sombra da morte. Exaltado com um nome que está acima de qualquer outro, que à simples pronuncia dele, todos os joelhos se dobrarão.

Agora, nos dias de sua glória, intercede. Não por todos, mas por aqueles por quem morreu.

Apresenta ao Pai o verdadeiro culto, que eles são incapazes de prestar, e, às vezes, nem se preocupam fazê-lo: o sacrifício vivo e santo, o Sacrifício de Louvor que é fruto de lábios que confessam o seu Nome: aquilo que lhe é agradável: com reverência e santo temor.

Foram-se os dias de sua carne. Hoje vivemos dias, que, ligados à eternidade, onde ele está, refletem os dias de sua glória.

Hoje vivemos dias provisórios. Dias em que o mundo acumula para si a ira de Deus. Dias em que “quem é sujo suja-se mais”. Dias de expectação. Porém, dias de esperança, dias de ânsia pela glória que há de ser revelada.

Maranatha! Vem Senhor Jesus.

sábado, 4 de março de 2006

Águas de fevereiro

Dizem que as águas de março fecham o verão. Pode até ser. Se for, começaram em fevereiro.

Águas e ventos castigaram nossa ilha e nossa cidade. Folhas, galhos e árvores arrancadas pela raiz ainda podem ser vistas em nossas ruas.

Águas e ventos castigaram nossos acampamentos. O dos adultos, menos dependente de eletricidade, teve de se despedir da comida guardada na geladeira e o dos jovens, além disso, despediu-se do uso dos instrumentos elétricos.

Águas e ventos já mostraram sua fúria nos dias de nosso Senhor e impeliram seus discípulos a acordá-lo pedindo socorro. Não seria diferente em nossos dias. Muitos oraram com fervor, depois de assustados com os trovões terem se jogado debaixo das mesas.

Acabada a tempestade, a bonança, trouxe o silêncio dos grilos e dos passarinhos e, também, o frescor das folhas, o aroma da terra e a espera. Espera por um bem que nós inventamos e sem o qual dificilmente sobreviveríamos: a eletricidade.

Se, por um lado, a falta de eletricidade estimulou a conversa - normalmente silenciada pelas novelas - e a observação de um céu negro profundo em que as estrelas pareciam mais brilhantes, por outro deixou sem água quem dependia de bomba.

Aqui, não achamos lampiões que iluminassem o templo no domingo. Conseguimos comprar algumas velas, e durante o culto foi possível ver que os bancos sem adoradores e velas, estavam escuros e cheios de ausências.

Cantamos, lemos, oramos e ouvimos a Palavra do Senhor à luz de velas, que, como nós só ilumina bem o que está próximo. Recordamos também, que a luz precisa estar desimpedida para alumiar o objeto e precisa estar no alto para ser vista.

Benditas águas de fevereiro. Muitos estragos, muitas lições.

Lições que vieram sobre bons e maus, sobre justos e injustos. Lições comuns a todos que deixando de lado a raiva por Deus ter suspendido seus planos e mostrado que um pouco de sua chuva acaba com a “torre” dos mortais, perceberam seu poder destilado gota a gota, sopro a sopro.