sábado, 24 de junho de 2006

O Pentecostes hoje (Parte 3)

No último Boletim mostrei uma das muitas maneiras pelas quais uma Igreja Presbiteriana se “pentecostaliza”. Prometi para o Boletim de hoje dizer se o pentecostalismo é bíblico ou não.

Pois bem: antes é necessário um pouco de perspectiva histórica.

A origem do movimento pentecostal, como conhecemos hoje, é incerta. Há quem o filie ao Rev. Edward Irving, pastor Presbiteriano Escocês, outros aos Shakers, cujo culto era caracterizado por cânticos, danças e tremores (shake em Inglês) e eram uma dissidência dos Quakers, que, ao contrário, tinham suas reuniões caracterizadas pela meditação e silêncio. Outros, sem qualquer respaldo histórico, confundem com as Assembléias de Deus.

Ou seja: Historicamente o movimento pentecostal de hoje nada tem a ver com o pentecostes bíblico (tanto é que sequer comemoram esse evento que tem dia e hora marcados na Bíblia).
O pentecostalismo de hoje dá tanta ênfase aos dons espirituais (especialmente aqueles que destacam quem os pratica), que assemelha-se à pratica que levou o Apóstolo Paulo a repreender severamente a Igreja de Corinto.

Enquanto os dons trazidos pelo Pentecostes bíblico visavam facilitar a propagação do Evangelho entre as nações, especialmente quebrando a barreira dos idiomas, os dons exercidos pelo pentecostalismo atual promovem a divisão.

Entretanto a pergunta que prometi responder é se “o pentecostalismo de hoje é bíblico ou não”.
Vamos a ela.

A reposta é mais complicada do que um “sim” ou um “não”, já que ele possui algumas características bíblicas, e, não é um sistema único, mas composto de várias correntes.

Uma das características bíblicas é o desejo sincero de uma vida pessoal mais santa e mais simples. Porém, há uma série de práticas claramente condenadas pelas Escrituras. Por exemplo:

1. Cl 2.18 “Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade ... baseando-se em visões ...”

2. 1Co 14.27e28 “No caso de alguém falar em outra língua, que não sejam mais do que dois ou quando muito três, e isto sucessivamente, e haja quem interprete. Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.”

E assim, a lista de práticas acintosamente contrárias a ensinamentos da Bíblia seria grande. Porém, talvez, os maiores problemas não estejam naquilo que pode ser facilmente diagnosticado e corrigido, mas na “cosmovisão” característica, que, por falta de espaço, mostrarei pouquíssimos pontos.

1. As revelações, visões e experiências pessoais são uma fonte de ensino e autoridade mais acatada do que a Bíblia. Veja: isso assemelha-se ao catolicismo romano para quem a Bíblia é uma das regras de Doutrina e Prática.

2. Tudo o que aconteceu na História da Redenção, pode e deve se repetir hoje. Veja: Deus não muda, mas nós mudamos. Quando não tínhamos a escrita e, portanto um registro confiável dos feitos e ordens divinas, ele permitiu que vivêssemos por muitos anos. Quando não éramos capazes de influenciar povos idólatras sem imitar-lhes, ele nos isolou do resto da humanidade.

Entretanto ao vir a plenitude dos tempos ele nos capacitou, especial e instantaneamente, a influenciar o mundo anunciando suas grandezas em idiomas que nunca havíamos ouvido. E, ao nos espalhar pelo mundo inteiro, assimilando os vários idiomas e culturas, protegidos contra a idolatria, tais capacidades deixaram de ser especiais e passaram a ser produzidas pela graça comum.

Essa progressão histórica do povo de Deus não faz parte das considerações do pentecostalismo atual.

3. Julgar-se o centro de tudo e de todos. Já ouvi uma senhora agradecer a Deus por tê-la preservado de cometer adultério com uma inundação. Uma das piores de São Paulo sofreu e que matou a muitos, mas para ela foi Deus quem mandou para evitar que ela se encontrasse com o amante.

4. Tornar Deus servo a quem tudo deve ser determinado, de quem tudo deve ser exigido e quem cede posse do que se deseja.

5. Passar a confiar em si próprio: na qualidade de sua própria oração, no poder de sua própria palavra, nos méritos de seu jejum, na sua fidelidade ao dízimo, na força de seu ajoelhar, rolar no chão, levantar as mãos, saltar, etc.

6. Desprezar o próprio Espírito Santo fez através do que os antigos disseram ou fizeram, em nome de uma ligação pessoal atual e “mágica” com Deus.

7. Trocar a racionalidade – característica que separa o homem do restante da criação – pela emotividade, ou sensorialidade.

A luz de tudo isso, que resposta eu poderia dar? Bíblico? Tão bíblico quanto a Igreja de Corinto, onde as mazelas eram toleradas e a Igreja dividia-se cada vez mais devido a um grupo que chamava-se “os espirituais”. O Apóstolo Paulo testifica que eram salvos, mas não poupa-lhes repreensões que são alertas para nós hoje. Bíblico apenas por está registrado na Bíblia.

Não os imitemos.

O Pentecostes hoje (Parte 2)

O evento que relembramos no primeiro domingo deste mês - verdadeiro marco histórico para a Igreja - tem sido pretexto para muitas agitações no meio do Povo de Deus.

Afinal, o que significou, para a Igreja, o dia de Pentecostes senão seu nascimento na forma em que a conhecemos hoje? Entretanto, o que significa, hoje, o movimento dos últimos séculos que se autodenominou “pentecostal”, senão uma fonte de divisões e brigas dentro da Igreja?

Você conhece alguma Igreja Presbiteriana que não tenha sofrido divisões devido a este movimento? Eu desconheço alguma que tenha passado incólume.

Aproveitarei estes próximos domingos para tentar analisar como ele se manifesta e influencia as Igrejas Presbiterianas.

Sem obedecer uma ordem de importância, cito, primeiro, uma má aplicação de nosso sistema de governo, como um dos meios que facilitam sua entrada em nossas Igrejas.

Nossos oficiais são eleitos por suas respectivas igrejas para apascentar o Rebanho de Deus em virtude de características muito bem definidas na Bíblia (hospitaleiro, cordato, apto para ensinar, etc.), para uma missão igualmente bem definida: "... com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina..." (Ef 4.11a14).

Ninguém deve ser eleito oficial de uma igreja, por quaisquer outras qualidades que não as que Deus mesmo determina em sua Palavra, e ninguém deve aceitar tal missão se não for para fazer o que igualmente ele determina.

Entretanto, por serem eleitos, muitos sentem-se "devedores" a seus eleitores; e, ao mesmo tempo, os eleitores sentem-se no direito de cobrar-lhes o que crêem ser o melhor para a Igreja.

Por vivermos em uma democracia, trazemos para a Igreja conceitos políticos do quotidiano. Exemplifico:

Há alguns anos atrás, em uma reunião do Conselho de uma Igreja em que fui pastor, boa parte dos membros tomaram partido de alguém que defendia práticas claramente condenada na Bíblia. Durante os debates na reunião um dos presbíteros argumentou que, se esse irmão tinha tantos adeptos na Igreja, ele tinha o direito de ter representação no Conselho.

Observe que este pensamento atribui ao Conselho um papel equivalente ao do Congresso Nacional, onde devem estar representadas todas as idéias, sem quaisquer distinção. Porém a Igreja não é assim: a Igreja é confessional.

Ela não representa a vontade de seus membros e sim a vontade de Deus como está registrada nas Escrituras Sagradas, conforme a interpretação dos Símbolos de Fé.

A Constituição de nosso País é explícita ao declarar que “todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos... (Art. 1º - § único)”. Na Igreja todo poder provêm de Deus e em Seu Nome é exercido, mediante obediência a sua vontade revelada na Bíblia.

Mesmo que 100% do rebanho venha a ter um determinado pensamento é dever do Conselho permanecer fiel à Palavra de Deus.

Mas, dirão alguns: o movimento pentecostal não é contrário à Palavra de Deus.

Este já é outro assunto. Se Deus permitir o analisarei na próxima semana.

segunda-feira, 5 de junho de 2006

O Pentecostes hoje (Parte 1)

Hoje, qüinquagésimo dia após a Páscoa, é dia de festa para os judeus. Chamam-na de Chag ha-Shavuót (Festa das Semanas) ou de Chag ha-Bicurim (Festa das primícias) ou ainda de Chag ha-Catsirim (Festa das colheitas). Porém, como essas palavras sempre foram muito complicadas para os gregos, o nome Pentecostes pegou desde antes do nascimento de Cristo.

Embora a Bíblia só fale dela como a festa que marca o fim da colheita do trigo, os judeus a comemoram também como o dia em que Moisés recebeu as tábuas da lei – pois vêem uma coincidência de datas desde a saída do Egito, que foi na Páscoa, até a chegada ao Monte Sinai – e lembram-se também de Rute, a moabita que afirmou sua fé no judaísmo diante de Noemi (teu povo é o meu povo, teu Deus é o meu Deus) e casou-se com Boaz nesta data, vindo a ser a avó de Davi.

Para eles é uma data propícia ao estudo da Torah (o nosso Pentatêuco) e passam a noite lendo-o. Lêem também o Livro de Rute e, lembrando seu gesto, consideram a melhor data do ano para que os adolescentes façam seu Bar-Mitzvah (o equivalente a nossa Profissão de Fé).

Há relatos de que o povo de Israel, nos dias do templo, costumava sair de suas aldeias levando os primeiros frutos de seus campos, encontravam-se na maior cidade da região, e subiam em direção à Jerusalém, onde eram recebidos com cânticos pelos Levitas.

A cerimônia da Festa, realizada nas dependências do Templo, incluía, na hora do sacrifício, o oferecimento a Deus de dois pães com a farinha do trigo da nova colheita, que, diferentemente dos demais, eram fermentados (Lv 23.15-17).

Jerusalém ficava cheia. Como era uma festa celebrada após a colheita, muitos a preferiam como uma das três festas a que eram obrigados celebrar em Jerusalém. Havia abundância trazida pelos Judeus de todas as partes do mundo por onde foram espalhados desde o cativeiro babilônico, pois vinham a Jerusalém com o ‘segundo dízimo’: onde devia ser gasto (Dt 14.22-29).

Na primeira celebração desta festa após a morte de Jesus o Espírito Santo foi derramado sobre a Igreja. Não podia haver melhor data: todos os que se interessavam, e conheciam a Torah, estavam lá, vindo das mais diversas partes do mundo, e testificaram ouvir as “grandezas de Deus” na língua da terra de onde vinham.

De repente a moabita Rute e os pães fermentados faziam sentido: era achegada dos gentios. Era o Povo de Deus, adquirindo nova face: transformando-se. Já não estavam limitados a uma nação. Das pedras Deus suscitara filhos a Abraão. Ainda eram judeus, entretanto agora o que caracterizava a todos era o “ouvir a Deus”, como Moisés quando estava no Sinai.

A esta primeira “audição” seguiu-se outra, em Samaria, onde os judeus misturados com gentios também ouviram falar as “grandezas de Deus”. Depois na casa de Cornélio, o centurião Romano, “temente a Deus” (que tinha tudo para ser judeu mas não podia), e, finalmente, os “pagãos” de fato, começando pelo Procônsul Sergio Paulo e os 16 de Éfeso.

Todos ouviram as grandezas de Deus. Todos ouvem hoje. Se Babel, por um tempo impediu, já não impede. O que começou de modo especial, hoje é mantido pela graça comum: através do trabalho de muitos tradutores as “grandezas de Deus” se tornam acessíveis a um número cada vez maior de falantes de outras línguas.

Essa é a natureza primária do Pentecostes: criar um povo apto a ouvir as grandezas de Deus.