sábado, 28 de julho de 2007

Atendendo ao tempo decorrido

De todas as coisas vivas se espera algum progresso com o passar do tempo. De uma planta se espera crescimento, folhagem e frutos. De um bebê se espera desenvolvimento físico e intelectual, crescimento, maturidade. Dos cristãos hebreus era esperado que, atendendo ao tempo decorrido, fossem mestres.

Curiosamente era esperado que fossem mestres nos assuntos concernentes ao sacerdócio de Jesus. Afinal tudo indica que eles tinham sido, no passado, sacerdotes no templo que tipificava o próprio Jesus. Mas eles ainda se ocupavam com princípios tão básicos que hoje se pareceriam com universitários que não sabem a tabuada.

O diagnóstico do escritor da Carta aos Hebreus era: tardios em ouvir. Mas afinal, o que é exatamente alguém tardio em ouvir?

Quando se traduz a Bíblia para qualquer idioma é necessário levar em conta que: 1) Uma só palavra pode ter muitos sentidos. 2) Muitas palavras podem ser nuances de um mesmo sentido.

1. A palavra grega “phroneō” pode ser traduzida por “pensar”, “julgar”, “prestar atenção a”, “fixar a mente em”, ou por “ter opinião”. O núcleo de significado é o mesmo, mas as nuances de significação podem nos levar longe.

2. As palavras gregas “dogma”, “entolē”, “parangelō”, possuem o significado básico de ordem. Porém a primeira significa “ordem escrita”, “decreto” ou “decisão que deve ser cumprida”. A segunda significa primariamente um “mandamento recebido” e a última o “ato de dar ordens”, “mandar”.

A palavra grega traduzida por tardios (disermeneutos) e só ocorre esta única vez em todo o Novo Testamento. Aliás, não só no Novo Testamento, como também na Septuaginta (o Velho testamento traduzido para o grego), nem nos escritos da época. É uma palavra solitária.

Entretanto, nós conhecemos suas partes: dis+hermenêutica. O prefixo “dis” fala de algo que “não acontece” e a palavra “hermenêutica” já é conhecida em nossa língua como a capacidade de entender e interpretar algo. Ou seja eles “desentendiam”.

Então, por conta de uma certa idéia de intensificação presente no texto, traduz-se por “lerdos”, “lentos”, “negligentes”, “difíceis”, “duros”, “tardios”, etc.

Não há paralelo com 2Tm 3.7 (...que aprendem sempre e jamais podem chegar ao conhecimento da verdade), pois os Hebreus já haviam entendido algo. Mas, desidiosos, estavam tão acomodados que, se tivessem aproveitado o tempo, já seriam mestres naquele assunto.

Duas coisas, entretanto, devem ser destacadas:

1) A dificuldade de expor o assunto perdido não estava no escritor, mas em seus leitores que não tinham capacidade de entendê-lo por terem se tornados “disermeneuticos”.

2) O mais triste é que, por essa irresponsabilidade, não apenas eles ficaram privados desse ensino, mas nós também.

Ora, qual não deve ser nossa responsabilidade hoje?

Se naqueles dias, em que o saber era mais estimado, aconteceu essa tragédia, o que está acontecendo hoje? O que será que nossos filhos receberão de nós?

Ávidos por diversão, entretenimento, passa-tempos, besteirol, “non sense”, o que teremos para legar a nossos filhos?

Desesperados atrás de tudo que se auto-proclama revelação divina, que tipo de “bíblia” passaremos a eles?

Voltemos ao bom senso: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes. Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa.” 1Co 15.33-34

domingo, 22 de julho de 2007

Chegou uma carta de Paulo! (Parte 2)

Ainda era cedo, mas a escola de Tirano já estava cheia. Era comum que no Dia do Senhor, o ambiente ficasse repleto, mas hoje estava mais cheio. A notícia da carta se espalhou e desde mais cedo havia um grupo esperando pela leitura dela.

Os presbíteros, juntamente com Tíquico, já a haviam lido durante a semana, e alguns assuntos já eram conhecidos. Dizia-se que ele falava bastante sobre família. A expectativa era grande.

Não me lembro de tudo, é claro, mas fiquei com algumas impressões muito fortes sobre o que ouvi.

A carta parecia mais uma oração.

Cada assunto que era abordado por ele, era concluído com uma oração. A própria carta já começava com uma oração em que ele agradecia por termos sido eleitos por Deus Pai, redimidos pelo Senhor Jesus e selados pelo Espírito Santo. Só então pede pela Igreja. Mas, ainda não entendi bem o que ele quis dizer com: “iluminados os olhos do coração”.

Seu primeiro assunto é garantir que fomos reconciliados com Deus e com o povo dele mediante a obra do Senhor Jesus e nos tornamos portadores dos mistérios de Deus – eu nunca havia pensado que a Igreja era tão importante assim – e em seguida faz outra oração.

Mas acho que o assunto que mais chamou a atenção de todos foi o que ele mesmo chamou de “andar de modo digno do chamado de Deus”.

Primeiro ele expôs a importância de nossos presbíteros: eles são obrigados por Deus a lutar para que deixemos de ser crianças levados de um lado para outro por todo vento de doutrina.

Depois ele disse que devemos lutar para evitar uma vida errada e para ao mesmo tempo nos enchermos do Espírito Santo.

Achei curioso ele ensinar que ficamos cheios do Espírito Santo à medida que nos lembramos sempre das Escrituras, (nem que para isso tenhamos de cantá-las de cor) e que aprendemos a nos submeter uns aos outros.

Achei que algumas coisas que ele exige de nós, só mesmo com ajuda divina, pois é muito difícil.
Por exemplo, uma série de proibições: não furte mais; não diga coisas torpes; não entristeça o Espírito de Deus; não se ache entre vocês nem cobiça, nem pornografia, nem histórias sujas; nem conversas indecentes, brincadeiras maliciosas, não desperdicem o tempo de Deus com futilidades.

Pra falar a verdade, acho que não é apenas aqui em Éfeso que isto é difícil de ser cumprido, mas em todos os lugares.

Mas ele termina de modo incentivador: diz que está a nossa disposição uma verdadeira armadura que podemos usar para fazer frente a esses desafios e outros mais.

Que Deus nos ajude a usá-la bem.

sábado, 14 de julho de 2007

Chegou uma carta de Paulo!

Essa deve ter sido a notícia mais repetida na Igreja de Éfeso naqueles dias.

O último contato que tiveram com Paulo foi quando, voltando para Jerusalém, chamou os presbíteros a se encontrarem na praia de Mileto.

Naquela ocasião ele se despedira certo de que não se encontrariam mais. Exortou a que zelassem pelo rebanho do Senhor que estava naquela cidade e apressado partiu para Jerusalém a fim de comemorar o Pentecostes lá.

Logo depois souberam que ele estava preso em Cesaréia onde aguardava julgamento e dois anos mais tarde que ele tinha sido levado Roma pois apelara para César.

Uma carta agora deveria trazer novidades interessantes.

Paulo era muito querido naquela Igreja. A primeira vez que o viram fora há mais de quinze anos, quando ele voltava apressado de uma viagem à distante Macedônia.

Cerca de três anos depois, voltando de Jerusalém, encontrou em Éfeso seus queridos Priscila e Áquila e um grupo de judeus que pouco sabiam do Evangelho além dos ensinos de João, por quem haviam sido batizados. Então deteve-se por uma estação freqüentando a sinagoga.

Procurando persuadi-los de que o Messias que esperavam já viera não chegaram a bom termo, e Paulo alugou uma escola onde a Igreja firmou-se.

Permaneceu ali por mais de dois anos, e o Evangelho chegou a diversas cidades vizinhas.

A Igreja de Éfeso se desenvolveu muito, chegando a influenciar os costumes da cidade. Os artesãos que viviam da fabricação de miniaturas do templo de Diana – a deusa da cidade – sentiram uma queda nas vendas e revoltaram-se. Houve protestos e gritaria.

Quando foram dispersos pelas autoridade Paulo achou melhor partir: diminuiria os atritos e aproveitaria para visitar as Igrejas que fundara na Macedônia.

Agora chegava uma carta dele trazida por um de seus amigos mais próximos: Tíquico. Que novidades ela traria?

Reunida a Igreja a carta foi lida. A leitura foi rápida, afinal parecia o próprio Paulo falando, mas, os ensinos, as recomendações e as ordens demandariam bastante tempo de reflexão.

Na carta notava-se a preocupação dele com os judeus que insistem em mostrar a Igreja como se fosse uma nova fase do que eles ensinam.

Pelo contrário, Paulo explica como Deus chama, por sua graça a cada um e constitui a Igreja que é o que ele chama de “Noiva de Cristo”.

Sendo a Noiva de Cristo, a família altamente valorizada por Paulo, é algo que deve ser objeto de consideração e estima.

Mas a ele não poderia esquecer de como isso acontece na prática. Então dá ordens aos esposos, aos filhos aos servos e até os líderes da Igreja recebem incumbências específicas de como devem se portar e do que devem fazer.

Termina a carta exortando todos a que levem uma vida mais conforme essa realidade tão impressionante, e que reflita de modo mais claro as implicações do chamado de Deus em Cristo.

Ainda bem que Tíquico ia ficar por uns tempos. Vamos ter muito o que conversar.

sábado, 7 de julho de 2007

Cartas

Você já observou que o Novo Testamento é composto de cartas?

Geralmente o dividimos em Evangelhos, Livro histórico (Atos), Cartas paulinas, Cartas gerais, e Livro profético (Apocalipse). Mas, se você reparar bem, verá que com exceção de Mateus e Marcos todos os demais livros são cartas.

O Evangelho de Lucas e o Livro dos Atos dos Apóstolos formam uma unidade e a introdução de ambos revela tratar-se de cartas de Lucas à Teófilo.

O Evangelho de João, em seu final, revela ter sido escrito, após seleção de sinais, com o propósito de que o leitor venha crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que crendo tenha vida em seu nome. Ou seja: no fundo é uma espécie de carta dirigida a quem a ler.

Quando ao Apocalipse basta se lembrar de que, de início, já é dirigido, como se fosse uma “carta circular”, às Sete Igrejas da então Ásia Menor que hoje é a Turquia.

Há cartas que tratam de um assunto só, e outras que tratam de diversos assuntos. Há cartas pessoais e outras tão gerais que sequer pressupõem um determinado tipo de leitor. Porém todas foram escritas com o propósito de resolver um ou mais problemas de alguém ou de uma Igreja.

Aliás, seria mais correto dizer que todas, sem exceção, objetivam a ensinar a Igreja e a seus membros, os desdobramentos e a aplicação da Lei na dispensação do Evangelho.

Mas me chama mais atenção é o fato de que são cartas. Foram escritas.

Explico melhor.

Quando João percebeu a ameaça do Gnosticismo sobre a Igreja escreveu seu Evangelho mostrando que Jesus era tanto homem quanto Deus.

Quando Judas pensava sobre nossa comum salvação percebeu que deveria escrever algo exortando os salvos a batalharem pela fé que, de uma vez por todas, lhes havia sido dada.

Quando o Concílio de Jerusalém chegou à solução do problema que lhe foi trazido escreveu uma carta que causou conforto e crescimento às Igrejas que a receberam.

Quando Paulo ficou inteirado do que estava acontecendo na Igreja de Corinto escreveu uma carta e ao saber das reações escreveu outra.

Podemos pensar que as distâncias de então é que exigiam essa prática. Concordo. Entretanto, chamo a sua atenção para o fato de que o Cristianismo pauta-se por atribuir o significado “sim” à palavra sim e “não” à palavra não. Ou seja: não há nada que o cristão fale ou a Igreja creia que não possa ser escrito.

Não somos um grupo secreto. Somos o que modernamente chama-se de “transparente”. Ou, pelo menos deveríamos ser. Afinal este é o exemplo (e a ordem) que temos da Palavra de Deus.

Valorizemos mais nossa herança de clareza e sinceridade e não abandonemos nossa riqueza cultural característica de quem escreve e conseqüentemente lê.