sábado, 29 de setembro de 2012

Das mãos de Deus

Uma das missões mais difíceis – talvez a mais difícil – que faz parte do ofício de um pastor de almas é mostrar a seu rebanho que o mal que nos atinge sempre vem das mãos de Deus. Ficará mais difícil quando, o pastor estiver lidando com a ovelha, em vez de rebanho. E muito mais difícil ainda, quando a ovelha estiver sofrendo prolongadamente e for alguém de vida correta, que pode ser tida como exemplo.

O que se ensina hoje é que o Diabo é o culpado por tudo o que é ruim, e, no mínimo, tal pessoa está sendo tentada para desviar-se de bons caminhos. E se for alguém de má índole, deve ter feito algum pacto com ele.

É claro que se nossos primeiros pais houvessem obedecido a ordem de Deus, o mal não haveria atingido a humanidade, mas isso é outro assunto. O que quero dizer agora é que o mal que recebemos diariamente – nosso Mestre nos ensinou, que “basta ao dia o seu próprio mal” – tem outras fontes e todas elas, em última instância, nos vem das mãos de Deus.

Primeiro: Podemos estar colhendo o que semeamos. Se levamos uma vida de hábitos saudáveis, muito provavelmente nossa velhice também será saudável e o contrário será verdadeiro. Quem poderá reclamar de uma doença sexualmente transmissível se levou um vida promíscua? Agora, repare que nestes casos, e em outros similares, é possível que os descendentes também sofram sem terem a mínima culpa por pecados cometidos pelos pais. Já está provado que muitas doenças adquiridas pelos pais são transmitidas aos filhos.

Segundo: Podemos estar sendo provados por Deus. E aqui preciso parar um pouco e esclarecer que este é um exercício divino que 1) mostra o quanto, e como, Deus acompanha nossa vida, e, 2) acima de tudo atesta o quanto estamos debaixo das instruções de nosso Mestre, que, de tempos em tempos, testa o progresso de nossa fé como o treinador de um atleta o submete periodicamente a testes para verificar o progresso de seu desempenho.

Terceiro: Podemos, de fato, estar debaixo da ira de Deus, sendo “disciplinados por ele para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.32).

Nos três casos porém, o sofrimento com que eventualmente somos afligidos, em última análise vem das mãos de Deus. Mesmo no primeiro caso, em que podemos argumentar em termos de causa e efeito, nunca podemos esquecer que isto ocorre por ter sido estabelecido por Deus. Ele fez assim: o efeito depende daquilo que o causa e a manutenção dessa lei não é automática.

Alguns até admitem que Deus criou tudo, mas “deu corda”, como se dava nos relógios antigos, e deixou tudo funcionando por si só. Bem, não é isso que o Senhor Jesus ensina quando nos diz: “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais” (Mt 10.29-31).

Colhemos o que plantamos por que Deus quer que seja assim: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).

Mas, como pode vir, de um Deus de amor, sofrimento para seus filhos? Da mesma forma que nos vinha de nossos pais. Quando eles nos disciplinavam estavam mostrando o quando nos amavam e queriam o nosso bem: “Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.8-10).

Você pode argumentar: Mas, de nossos pais levávamos no máximo umas palmadas ou uma surra. Se a analogia for levada ao pé da letra Deus nos castiga excessivamente, pois alguns de nós passa a vida curtindo sofrimentos.

Veja: Nossos pais nos preparavam, no máximo, ser bons cidadãos, bons maridos, bons pais, ou bons crentes. Deus está nos preparando para sermos santos. Como está no texto: “participantes da sua santidade”. Entretanto, muitas vezes resistimos as lições que poderíamos tirar daquilo que ele quer nos ensinar com o sofrimento e aquela lição se torna demorada: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.5-6).

sábado, 22 de setembro de 2012

Um silêncio eloquente

Acho que foi em 1972 que assisti ao filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, eu era adolescente e não tinha 16 anos. Ainda me lembro da hora e dos sentimentos que literalmente me assaltaram. E durante muito tempo ruminei todas aquelas ideias tão maravilhosamente apresentadas, embora cada uma delas me comunicasse mais dúvidas do que respostas.

Meu pastor de então não sanou sequer a primeira dúvida – a mais simples – e ainda me deu uma bronca por perder tempo e dinheiro com essas coisas “imperialistas americanas”.

Hoje, com todas as dúvidas sanadas e com muitos reparos às bobagens que o diretor colocou lá, ainda gosto de vê-lo. Seu diretor, tirando a enormes bobagens, como macacos evoluindo e a ideia de deus-impessoal, conseguiu representar graficamente algumas coisas que as Sagradas Escrituras já haviam revelado há muito tempo. Nenhumas delas é essencial à salvação do homem, mas todas revelam a majestade da criação do verdadeiro Deus de forma grandiosa. Gostaria de falar de uma delas para que na próxima oportunidade que você verifique na próxima vez que o assistir: O silêncio eloquente.

A maior parte da história que o filme narra acontece em uma nave que está de viagem ao planeta Júpiter e na grande maioria das vezes em que a nave é filmada de um ponto externo, ou o espaço é mostrado a partir dela, o diretor faz questão de um silêncio total interrompido pela suave valsa Danúbio Azul, contrastando com as cenas que mostram as atividades dos astronautas dentro da nave nas quais se sente, mediante um efeito sonoro de notas graves, a vibração dos potentes motores.

Não deixa de ser impressionante essa comunicação não-verbal que o silêncio traz ao espectador. E ela me atingiu adolescente de uma forma que, até hoje, quando leio o Salmo 19, a associo imediatamente.

Davi declara neste Salmo que sem qualquer discurso, palavra, nem mesmo um simples som, dia após dia, noite após noite, os céus gritam, declaram, proclamam a glória de Deus e o firmamento enumera, lista, faz um inventário, daquilo que ele fez. Entretanto, se não há discurso, palavras ou um mísero som, por toda terra esse testemunho é tão evidente quanto a luz do sol que a todos atinge e da qual ninguém pode se esconder. Assim como ninguém pode dizer que não possui ideia do que seja o sol, nem mesmo um cego, pois “nada refoge ao seu calor”.

Esse bendito silêncio eloquente, que a todos proclama a existência de um Criador, das coisas que desafia os cérebros mais brilhantes a lhes dar uma explicação, faz verdadeiro inventário, de tudo o que este Criador fez e deixa os homens indesculpáveis diante dele.

Adolescente ainda, eu fiquei impressionado com os efeitos (ganhou Oscar apenas por efeitos especiais) usados pelo diretor para simular essa ideia de silêncio eloquente e solidão espacial, de que o salmista já falava a tanto tempo e que mostram a existência do Criador, mas que, segundo o filme, mostra apenas o vazio do espaço.

Olhando apenas o Salmo vemos com clareza algumas comparações: O silêncio do espaço grita tanto quanto o calor do sol que a todos atinge. O sol, percorre os céus de uma extremidade a outra da mesma forma que a “palavra silenciosa” de Deus percorre a terra de um lado a outro anunciando a todos a glória do Criador, listando a quantidade enorme das obras feitas por suas mãos.

Não é sem razão que o apóstolo Paulo ao analisar a situação dos seres humanos diante da negação do que é naturalmente óbvio escreve: “Pois o que se pode conhecer sobre Deus é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois os seus atributos invisíveis, seu eterno poder e divindade, são vistos claramente desde a criação do mundo e percebidos mediante as coisas criadas, de modo que esses homens são indesculpáveis” (Rm 1.19-20).

Ora, para se fazer um simples filme se recorreu a um artifício que imita o que naturalmente existe. Mas o que existe absolutamente não pode ter sido criado, pois isso pressupõe a existência de um criador. Percebeu? O filme, que imita o verdadeiro, pode ter sido criado. O que ele imita não.

“Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22).

sábado, 15 de setembro de 2012

Nossas roças modernas

Chegaram os dias compridos quando o sol, antes do despertador, nos lembra que as misericórdias do Senhor se renovaram mais uma vez e as noites curtas, quentes e mal dormidas competem com o calor do dia dando-nos a impressão de que eles são mais compridos ainda.

Época desconfortável para quem vive nas ilhas de calor também conhecidas como cidades, mesmo para os que se refugiam nos ambientes refrigerados, pois quando precisam sair deles o choque térmico é cruel. Mas para quem ainda trabalha o solo, como nossos antepassados é uma época de desafios e de exercício da fé: é época de plantar.

Ao longo de todo Antigo Testamento encontramos o povo de Deus pedindo-lhe fartas colheitas. Na dedicação do Templo, Salomão pediu a Deus que atendesse as orações ali feitas pelos campos de modo que sempre houvesse chuvas e os estivessem livres do crestamento, da ferrugem e das larvas.

O salmista canta a quem, com os braços cheios colhe aquilo que semeou com lágrimas e pede celeiros atulhados com toda sorte de provisões. Também canta os vales vestidos de grãos e exultantes de alegria.

No Novo Testamento o Senhor Jesus, falando de colheitas, falava de abundância: trinta, sessenta e cem por um!

Já em nossos dias é difícil encontrar alguém que se alimente apenas do que planta em suas terras. Mesmo o fazendeiro, ou o agricultor, não vive apenas do que maneja. Ele vende sua produção e compra os outros víveres de que precisa. E podemos dizer que a regra geral é trabalhar no comércio, na indústria, ou no setor de serviços, e adquirir os alimentos nos mercados, mercearias, padarias, etc.

Seria errado dizer que as plantações de nossos antepassados, equivalem aos nossos balcões, equipamentos, mesas, escritórios, consultórios, etc.? Eu acho que não. A roça de um comerciante é sua loja. O campo de um industriário é sua fábrica. A plantação de um prestador de serviços é seu balcão. Se patrão seu lucro é sua colheita. Se empregado a colheita é seu salário. Seria errado orar por estes, se o próprio Deus nos manda orar por aqueles? Certamente não!

No Diretório Litúrgico elaborado pelos Confessores de Westminster, que nossa Igreja resumiu em seus Princípios de Liturgia, havia uma só ordem determinada para celebrar o culto. Esta ordem previa que o pastor antes de pregar fizesse uma oração por diversos assuntos de interesse geral da Igreja. Tais assuntos são enumerados detalhadamente (cerca de 22), e um deles é: “Por clima próprio a cada estação, e colheitas de acordo com o seu devido tempo”.

Nos dias antigos nossos pais se alimentavam do que plantavam e vendiam o excedente, ou trocavam pelo que precisavam. Nos tempos bíblicos os que plantavam cevada ou trigo reservavam o necessário para a família e trocavam parte por vinho, azeite, ovelhas, ou pelo que precisassem.

Geralmente cada um plantava frutas em seu quintal: figos, romãs, damascos, etc. Ou as comiam in natura, ou as usavam em alguns pratos. Mas principalmente as desidratavam para comê-las até a próxima estação. As uvas e as azeitonas podiam também ser cultivadas em pequena escala no quintal. Mas, se a terra era propícia plantava-se mais para fazer bons vinhos, o que demandava um lagar, ou bons azeites, o que exigia uma prensa. E por isso também oravam.

Hoje passamos o dia em fábricas, balcões ou salas. Os calos das mãos migraram para o cérebro. Se antes nossos pais aliviavam o cansaço do corpo ao se deitarem após a lida, hoje nosso sono, dores de cabeça, e dificuldade de dormir, são os frutos da preocupação com algo que ficou pela metade, ou que ainda sequer aconteceu, mas imaginamos que pode acontecer.

Eles oravam por chuvas na lavoura. Por que não oramos também pelo equivalente nas nossas roças modernas? Eles pediam boas colheitas. Por que não pedimos que Deus nos conduza a bons resultados em nossos negócios? Por que não pedimos ao Senhor que promova o reconhecimento de nossos esforços dobrados através de salários melhores?

Não podemos esquecer de Deus em nosso dia a dia. Ele mesmo nos ensinou através de seu servo a pedir-lhe “confirma a obra de nossas mãos”.

sábado, 8 de setembro de 2012

A família de Zebedeu

Este nome de som curioso nos chegou através de sua forma grega Zebedaiou, mas era largamente usado na forma hebraica Zebadias, na qual há pelo menos nove personagens bíblicos. Significa “O SENHOR é minha porção”.

O Zebedeu, de quem o Novo Testamento destaca os filhos, deve ter sido um homem abastado, pois possuía empregados em sua empresa de pesca (Mc 1.20). Empresa familiar, algo parecido com o que hoje chamamos de cooperativa, pois além de incluir seus filhos incluía Simão Pedro (veja Lc 5.10).

Marcos (15.40) nos diz que Maria Madalena, Maria (mãe de Tiago) e Salomé acompanharam a crucificação do Senhor. Mateus (27.55-56) cita a mesma ocasião, mas fala de Maria Madalena, Maria (mãe de Tiago e José) e da mulher de Zebedeu. Seria Salomé, citada por Marcos, a mulher de Zebedeu, citada por Mateus? Tradicionalmente aceita-se que sim.

Relatando ainda a mesma ocasião, João escreve: “E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena (Jo 19.25). Desse texto tem-se inferido que Salomé era irmã de Maria, mãe de Jesus. Isso implica que os filhos de Zebedeu seriam primos de Jesus.

Tradicionalmente tem-se concluído que, Zebedeu era o dono de uma pequena empresa de pesca. Era pai de Tiago e João. Casado com Salomé (forma feminina do nome Salomão) e cunhado de Maria, a mãe de Jesus, e portanto tio materno dele.

Tiago e João foram apelidados por Jesus de Boanerges, filhos do trovão (Mc 3.17), pelo gênio esquentado que os caracterizava. Podemos ver um exemplo disso quando os dois pedem autorização a Jesus para mandarem descer fogo dos céus e consumir uma vila de samaritanos que lhe negaram hospedagem (Lc 9.54), ou quando submeteram a própria mãe ao vexame de pedir ao Senhor que seus filhos se assentassem ao seu lado (Mt 20.20-24), ou ainda quando João proibiu certo homem, que não seguia a Jesus, de expelir demônios em nome dele e foi repreendido pelo Senhor (Lc 9.49). Apesar disso foram enviados pelo Senhor para preparar a refeição pascal (Lc 22.8).

Tiago provavelmente era o irmão mais velho, pois os Evangelhos sinóticos consistentemente sempre falam “Tiago e João”, nesta ordem (veja: Mt 4.21, 10.2, 17.1, Mc 1.29, 9.2, 10.35e41, 13.3, 14.33, Lc 5.10, Lc 6.14 e 9.54). E quando João é mencionado sozinho, acrescenta-se “irmão de Tiago” ou “João, seu irmão” (Veja: Mt 4.21, 10.2, Mc 1.19, 3.17 e 5.37).

No ano 44 Herodes Agripa mandou matá-lo (At 12.2).

De João sabemos que foi chamado por Jesus junto com seu irmão, e pelas peculiaridades de seu Evangelho, podemos notar que ele presenciou privilegiadamente alguns fatos:

- Só ele cita o milagre acontecido no casamento em Caná, especialmente a conversa de Jesus com sua mãe.

- Por ser conhecido do sumo sacerdote foi admitido ao pátio de sua casa onde testemunhou o julgamento do Senhor e a negação de Pedro.

- Foi o único dos apóstolos a permanecer aos pés da cruz (Jo 19.26). E a seus cuidados Jesus deixou sua mãe, apesar de ela ter outros quatro filhos e pelo menos duas filhas (veja Mc 6.3).

- Quando Maria Madalena avisou a ele e a Pedro que o túmulo do Senhor estava vazio, eles correram para lá. Como era mais jovem do que Pedro chegou antes, mas só entrou depois de Pedro.

- A respeito dele divulgou-se um boato que não morreria até que Jesus voltasse, fruto de uma má interpretação das palavras do Senhor, que ele mesmo corrige em seu Evangelho.

- Trabalhou com Pedro no início da Igreja em Jerusalém e o vemos atuante na cura miraculosa de um paralítico que ficava à Porta Formosa do Templo, na prisão ordenada pelo Sinédrio, na verificação dos acontecimentos em Samaria. Depois disso as únicas informações que a Bíblia nos dá sobre ele são indiretas: Paulo o chama de uma das colunas da Igreja de Jerusalém (Gl 2.9), e ele chama a si mesmo de Presbítero em sua carta à Kíria (em português traduzida como senhora eleita) (2Jo 1.1) e a Gaio (3Jo 1.1).

- Seu nome aparece ligado a cinco livros do Novo Testamento: Três cartas, o Apocalipse e o quarto Evangelho.

Duas coisas chamam a atenção de quem estuda a vida deste filho de Zebedeu:

1ª – Suas mudanças:

- De Boanerges (segundo Jesus) para Discípulo do Amor conforme se depreende de suas cartas (as quais não deixam de repreender).

- Por ocasião da Ceia com Jesus sua intimidade com ele era tão grande que estava recostado em seu peito. Trinta anos depois, quando o vê na Ilha de Patmos, já glorificado, João cai aos pés do Senhor “como morto”!

2ª – A grande confusão estabelecida pela tradição: Modernamente há uma corrente afirmando que ambos os filhos de Zebedeu foram mortos por Herodes. Entretanto a tradição mais aceita é que João, tomando Maria, a mãe de Jesus mudou-se para Éfeso onde viveu até os dia de Trajano, que foi césar de 98-117.

O problema com as duas tradições é que a primeira desdiz claramente a Bíblia, que atesta apenas a morte de Tiago, e mostra João em atividade após ela. E o problema com a segunda é a autoria do Apocalipse. Ele mesmo diz que o escreveu (veja Ap 1.1, 4, 9 e 22.8). Se ele morava em Éfeso e escreveu o Apocalipse como é que ele poderia escrever uma carta repreendendo o pastor da Igreja de lá? Era natural que sendo apóstolo ele fosse o responsável pela igreja, porem ele diz que seu pastor esqueceu seu primeiro amor e o exorta, como ameaças, a voltar a prática das primeiras obras! (Veja Ap 2.4-5).

Cada um dos integrantes da família de Zebedeu pode dar lições preciosas sobre dificuldades enfrentadas e superadas. Cabe a nós meditar sobre eles.

sábado, 1 de setembro de 2012

Estêvão

A narrativa dos acontecimentos imediatos ao apedrejamento de Estêvão nos dão certeza de que jamais lhe passou pela mente rogar clemência. Sequer quando era arguido diante do Sinédrio nem quando executado fora da cidade. Diante da corte ele fez um discurso que mais se parecia com uma aula de história e fora da cidade rogou a Deus que perdoasse seus algozes.

Não há dúvidas de que os gestos de Estêvão nos impõem mais do que simples admiração e respeito. Ele cumpriu a ordem de nosso Mestre e Senhor e perdoou seus assassinos: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5.44).

Seu exemplo afetou tão profundamente a Igreja de Jerusalém que ecoa nas instruções que Pedro dá aos demais cristãos: “santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós...” (1Pe 3.15). E não tenho dúvida de que nele também se cumpriram: “Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (Mc 13.11).

O conteúdo do discurso de Estêvão, é até hoje fonte de grandes ensinamentos para nós. Sua estrutura é extremamente simples e lembra o que um pai de família judeu deveria fazer antes da celebração da páscoa: contar toda história de Israel sem esconder nenhum pecado.

Estêvão fala de muitos antepassados, mas destaca dois, Abraão e Moisés, e os compara a Jesus.

De Abraão destaca sua fé e de como as promessas a ele feitas só se cumpriram muito tempo depois, através de Moisés que foi rejeitado com rebeliões apesar de Deus o haver confirmado como o libertador. Portanto, o primeiro ponto de Estêvão em seu discurso é mostrar que a rebeldia dos pais ainda podia ser vista nos filhos: “...assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis. Qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos, vós que recebestes a lei por ministério de anjos e não a guardastes” (At 7.51-53).

Ou seja: Vocês estão completando o pecado que vossos pais iniciaram.

Mas, a razão dessa rebeldia, é que me parece ter sido a gota final: o Templo.

Pelo raciocínio de Estêvão o ideal de Deus era o Tabernáculo, que fora feito conforme Deus havia mostrado a Moisés: “O tabernáculo do Testemunho estava entre nossos pais no deserto, como determinara aquele que disse a Moisés que o fizesse segundo o modelo que tinha visto” (At 7.44). O Templo, erigido por Salomão, foi “tolerado” por Deus por amor a Davi (como tolerou que Israel fosse dirigido por uma monarquia): “...até aos dias de Davi. Este achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de prover morada para o Deus de Jacó. Mas foi Salomão quem lhe edificou a casa. Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso? Não foi, porventura, a minha mão que fez todas estas coisas?” (At 7.45-50).

(Esta tese de Deus tolerar certas atitudes com as quais não concorda é corroborada pelas palavras de Jesus a respeito do casamento: “Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8).)

Ao falar do Templo, Estêvão tocou em um assunto melindroso para judeus e cristãos. Vemos o quanto os judeus ficaram furiosos quando nosso Senhor foi acusado de dizer que destruiria o Templo e só não o condenaram por isso por falta de testemunhas unânimes. Não creio que fosse apenas uma questão de zelo religioso. Talvez o que pesasse mais fosse a importância política e econômica que ele tinha para Jerusalém, e para todo Israel. Temos um vislumbre quando o Senhor expulsou os comerciantes lá instalados com a participação societária das autoridades daquela casa.

No que concerne aos cristãos é ainda mais complicado, pois já se passara uns cinco anos e eles ainda obedeciam a agenda do Templo, mesmo sabendo que o Santo dos Santos fora exposto pelo véu rasgado (cortina tão espessa que demorava anos para ser tecida novamente) e, pior: viram o verdadeiro Cordeiro ser morto! Como é que eles ainda sequer iam lá?

Estêvão, se não foi o primeiro a perceber, foi o primeiro a expor publicamente a desgraça que o Templo judeu atraía sobre a Igreja. Deus ainda tolerou cerca de trinta anos e como a Igreja não se corrigiu destruiu totalmente aquele lugar para que entendessem que estavam livres da lei cerimonial. Mas, será que entenderam mesmo?

“E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito! Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu. E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria” (At 7.59 – 8.1).

Após a morte de Estêvão, no mesmo dia começou a primeira grande perseguição contra a Igreja. Felipe foi para Samaria e lá desenvolveu um ministério abençoado. Tiago, o meio irmão de Jesus, escreveu a carta que temos na Bíblia. A morte de Estêvão foi uma das sementes usadas por Deus que frutifica até hoje.