sábado, 29 de dezembro de 2012

O mundo não acabou. O ano sim.

Anos atrás alguns adolescentes me pediram para falar sobre Calendários (quem me conhece sabe que gosto desse assunto). Pedi um tempo e me preparei. Mostrei o desenvolvimento dos diversos calendários que precederam o nosso: O sumério, o judeu, o romano antigo e o juliano, o gregoriano antigo, o revolucionário francês, e o gregoriano atual.

Um que estava impaciente então me perguntou: “E o calendário maia, que diz que o mundo vai acabar em 21/12/12”? Entendi então o convite (só não fiquei bravo com eles, por ter aprendido tanto estudando todos esses calendários): “Tá na cara que isso é promoção de algum filme ou livro”. Respondi.

Não. Meu professor garantiu que os cientistas estão levando a sério. O mundo vai mesmo acabar, pois o calendário acaba nesse dia”. Retrucou.

Quantas profecias de fim do mundo não foram feitas, por quantos professores, cientistas, pastores, padres, “profetas”, doidos...

Quantos crédulos? Desde adolescentes a pais de família que as receberam como verdadeiras, largaram tudo, foram pros montes, e tiveram depois de pedir de volta o que deram?

Até hoje temos entre nós seitas que se vangloriam de uma reputação séria, mas que foram criadas sobre falsas promessas de fim de mundo.

Acaso nosso Senhor poderia ser mais claro? “...a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (Mt 24.36).

Um dia o mundo vai acabar, mas o dia nenhum de nós sabe. Por enquanto o que se acaba são os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos, os segundos... ou seja: aquelas porções de tempo que delimitamos para facilitar nossa contagem do mesmo.

Hoje, ao abrir os olhos, eu agradeci a Deus a noite de sono reparador e pedi que ele me ajudasse a administrar o tempo que se estendia na minha frente. Aparentemente o dia estava livre de compromissos e eu teria apenas que dar a forma final no texto que você está lendo agora, na exposição do Salmo 138 para o momento devocional da Reunião de Oração de quinta-feira à noite, no Estudo Bíblico da Escola Dominical, no sermão de Domingo à noite e no sermão do Culto de Vigília do dia 31 de Dezembro. Se ninguém me interromper talvez eu consiga fazer uma dessas coisas hoje ainda. Mas, se por alguma necessidade eu precisar aconselhar ou visitar alguém, provavelmente terei de acordar mais cedo amanhã.

Assim gerencio o tempo que Deus me dá. Assim creio que fazemos todos nós. Acomodamos nossas obrigações ao que dispomos, preparados para imprevistos.

Mas, e o planejamento de um tempo maior que um dia? Por exemplo, de um ano? Cada dia está mais difícil de fazer. Entretanto, não há desculpas para não tentar. Por exemplo: Em vez de fazer uma promessa de ano novo, que tal fazer um planejamento?

Vou acordar 15 minutos mais cedo e orar (se for o caso, debaixo do chuveiro pra não dormir) a fim de ter uma vida mais íntima com Deus. Ou, vou procurar emagrecer meio quilo a cada 2 meses de modo a perder seis quilos em 2013. Ou, vou colocar 100 reais na poupança todos os meses para ficar 15 dias de férias em janeiro de 2014.

Percebeu? Planejamento a longo prazo exige clareza de objetivo e de métodos. E cá entre nós: o primeiro passo é tão importante quanto os demais. Se o primeiro passo não for dado os outros também não o serão.

Temos duas vantagens:

1) Deus nos ajuda: A Bíblia repete isso desde seu começo, mas eu ainda prefiro ouvir as palavras de Moisés: Salmo 90.17: Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos.

2) Se em vez do ano, o mundo acabar, nossos planos serão ampliados e aquilo que estivermos fazendo serão recebidos pelo Senhor como prova de nossa fidelidade: Lucas 12.42-44: Quem é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos digo que lhe confiará todos os seus bens.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Um pouco mais sobre estrebarias

Se você leu com atenção o texto de domingo passado, percebeu que minha intenção foi leva-lo a refletir na razão pela qual o Senhor nasceu numa estrebaria. Alegorizei, garantindo que a lição mais básica que se pode tirar é que, mesmo que seu coração seja tão humilde - ou sujo - quanto uma estrebaria daqueles dias, o Redentor pode fazer nele morada.

Entretanto, não é prudente a um pastor reformado manter seu rebanho longe dos pastos verdes e das águas tranquilas que são o texto, em si mesmo. A alegoria é útil até certo ponto, mas deve ser usada com cuidado, pois o próximo passo seria: “Eles foram pra estrebaria por que ninguém deu lugar. E hoje? Você está negando lugar ao Senhor Jesus?” Ora, bem sabemos que ele nasce no coração que quer. Ninguém tem a capacidade de ordena-lo que nasça em seu coração. Portanto. Vamos parar com a alegoria por aqui enquanto é tempo.

Voltando ao texto de Lucas - o único a registrar esses acontecimentos - uma leitura cuidadosa nos mostra que ele fala de uma hospedaria: não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lc 2.7). Parece que Belém só dispunha de apenas uma hospedaria. Veja um pouco sobre Belém:

A história registra que Davi suspirou por um gole da água do poço que está em Belém (2Sm 23.15), como se todas as casas se abastecessem de um poço só. O próprio nome Belém deriva-se das palavras hebraicas beith lehem (forno, ou literalmente casa de pão), o que é uma alusão ao costume comum nas vilas pequenas de ter um só forno onde todos aproveitavam a lenha para assar, de uma vez, os pães que cada família preparava. E o profeta Miquéias fala explicitamente de seu tamanho pequeno: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5.2).

Mesmo nos tempos de Jesus, Belém era um povoado. Tanto é que se fosse recensear apenas seus moradores, a base tributária seria muito pequena (pois esse era o objetivo dos censos romanos: estabelecer em quanto se poderia tributar as colônias) então se determinou que todos os descendentes de Judá, que tinham Belém como sua cidade mãe, fossem lá se alistar perante as autoridades romanas.

Portanto, imaginar Belém, nos dias em que Jesus nasceu com apenas uma hospedaria é até admirável. Era de se esperar que não houvesse.

Quanto a hospedaria cheia, não pensemos que estivesse lotada de judeus da mesma tribo de José, mas de soldados romanos que tinham prioridade. Porém, o exército romano era, em quase sua totalidade, constituído de infantaria. Daí os estábulos vazios, ou pelo menos, desocupados o suficiente para que a família de José fosse abrigada neles.

Segundo estudiosos como Richard Lenski, as hospedarias de então, eram construções com apenas um portão e voltadas para um pátio interno. Feitas de madeiras com dois andares, sendo que no superior se alojava o hospede, e sob seus aposentos ficavam seus animais e os servos, naquilo que poderia ser chamado de estrebaria.

Se o andar superior estava ocupado por soldados romanos de infantaria os estábulos inferiores estavam vazios. Portanto, lá alojaram-se José e Maria. E ficaram lá por alguns dias. Talvez semanas, pois o texto diz: “Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.6-7).

A ideia de que a hospedaria ficava junto a uma encosta e seus estábulos em uma gruta, parece ter recebido apoio de Justino (114-165 d.C.) em seu Diálogo com Trifão o que levou Helena, Mãe do Imperador Constantino em 326, a se decidir pelo lugar em que edificou a atual igreja e incrustou no chão uma estrela de prata pretendendo marcar o lugar exato onde Jesus nasceu.

Há mais uma coisa que o texto nos leva a pensar: a ausência de apoio de algum parente. Afinal, eles estavam indo à cidade onde a tribo de Judá, família de José, tinha como sendo sua cidade de início. Pior, estavam indo em uma situação delicada: Maria estava grávida. Será que não encontraram nenhum parente que pudesse abriga-los? Essa questão só pode ser respondida com “não sei”. Porém é a questão que mais depõe contra a ideia de que José era um velho. Pois se fosse velho, as chances de ser conhecido seriam maiores. Mas, sendo jovem e casado com uma jovem - mesmo que de linhagem sacerdotal - mas vindo de uma cidade da Galileia, cheia de gentios, evitada por Judeus mais conservadores, certamente não o conheceriam.

Mas, o que há de importante nisso tudo? É possível destacar algumas coisas, porém vou me ater a uma: Aquele que habitava em luz inacessível, não hesitou em trocar seu trono celestial por um estábulo e finalmente por uma cruz por amor de nós. Nas palavras do apóstolo: “...pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).

Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra à quem ele quer bem!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Em uma estrebaria

Phillip Keller, em seu livro Cordeiro de Deus, conta que em uma viagem pelo Paquistão, foi surpreendido por uma tempestade fortíssima e convidado a abrigar-se em uma casa muito pobre, na qual teve de entrar agachado, tão diminuta era a porta.

Viu-se em um cômodo sem janelas, com uma trempe ao centro com a panela em que se cozinhava a refeição aquecida por um fogo fumacento em que a lenha era esterco de animais. Depois de alguns minutos, após se acostumar ao fedor acre e ao ardor da fumaça nos olhos, percebeu do outro lado do cômodo, uma jovem magra com um bebê no colo. Rapidamente percebeu: foi num ambiente como esse que o Senhor Jesus nasceu.

Quando eu li este relato gastei algum tempo para digerir as imagens. Porém logo tive de discordar. É um quadro chocante para nós ocidentais, que cozinhamos com muito asseio, mas eu me lembro de minha infância em que, por diversas vezes, em um campo missionário novo, para o qual meu pai fora designado, que minha mãe precisou armar uma trempe – fora da casa – e eu a ajudei a acender o fogo. Só não usamos esterco, pois era fácil achar gravetos. O esterco era queimado à noite, em pequenas quantidades, para espantar, muriçocas ou carapanãs.

Porém, meu maior ponto de discórdia não foi a descrição do ambiente miserável. Ele descreveu um ambiente de habitação humana. Ambiente miserável sim, mas uma casa. Ao passo que não houve casa para o Senhor nascer. O texto sagrado diz que ele nasceu, foi enfaixado e deitado em uma manjedoura. A rigor, manjedoura pode ser apenas um coxo ou uma gamela, porém a leitura do texto de Lucas, nos leva a entender que o parto se deu em um local onde estava essa gamela. Portanto é de se supor que tenha acontecido em uma estrebaria: um ambiente de habitação animal. Lá o esterco não era usado com fins “nobres”, era simplesmente o dejeto dos animais. Esse foi o lugar que sobrou para que o Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Deus todo-poderoso, nascesse.

Não podia ser diferente. Ao encarnar-se ele tomou a natureza da criatura pecadora e pecaminosa, revoltada e rebelde contra ele. Criatura, cujos melhores atos, diante dele, são equivalente a trapos sujos de menstruação. Criatura, cuja situação não podia ser resolvida apenas com a frase “Está perdoada. Vai em paz.” Para que essa frase pudesse ser dita, era necessário um sacrifício muito maior. Infinitamente maior. Tão assustadoramente maior, que, apenas aquele que conhecia a extensão da ofensa, poderia dimensionar sua cura e prescrever seu remédio. E seu remédio começou no ato de assumir a natureza do homem rebelde, não contaminado pela rebeldia, mas sujeito a todas as desgraças que a rebeldia lhe impôs: Nascer desprezado por aqueles que ia salvar: Nascer no meio dos dejetos não apenas dos homens, mas também dos animais: Nascer em imundícia tal que já prefigurava a morte que lhe estava reservada.

Além da ilusão boba que os presépios modernos nos trazem, como colocar os magos na primeira noite, costumam também se parecer celeiros americano, desses que se vê em filmes, do que uma estrebaria oriental, com sua imundície característica e nos distrai da tragédia que aconteceu a nosso Senhor.

Sempre perguntei por que razão a providência divina determinou que ele nascesse assim. Creio que uma boa resposta é essa: Deus o humilhou. Na teologia diz-se que este foi o primeiro estágio de sua humilhação: nascer como servo. Entretanto isso ainda não explica a estrebaria.

A melhor explicação que eu encontro ainda é alegórica. É como se o Senhor estivesse dizendo: Mesmo que seu coração seja imundo como uma estrebaria, cheio dos dejetos mais nojentos, eu farei dele a minha casa.

Imagine como era a estrebaria quando ele nasceu lá e compare com o que era seu coração quando você se tornou sua morada. Havia diferença? Aliás, há diferença? Você mantem seu coração livre dos dejetos do pecado, ou continua obrigando o Senhor a conviver com eles?

Aleluia! Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra à quem ele quer bem!

sábado, 1 de dezembro de 2012

Um cego que guia outro

bruegel_blinden

Quando os discípulos do Senhor Jesus vieram alertar-lhe de que os fariseus haviam se escandalizado com suas palavras, ele disse: “Deixai-os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15.14).

Pieter Bruegel, o velho, (1526 – 1569), nascido em Brogel, na Bélgica, pintou, em 1568 o quadro acima, a fim de tornar visível esta parábola. Uma versão pode ser vista com detalhes em www.artbible.info/art/large/556.html

Em 1568 os principais reformadores protestantes já estavam mortos e haviam deixado muita coisa escrita sobre esta parábola. Calvino já havia desenvolvido seus princípios éticos sobre o escândalo dado e o escândalo tomado. E embora Bruegel habitasse a parte católica dos Países Baixos, sua formação nos leva a crer que ele conhecia pelo menos um pouco do pensamento protestante.

Seu quadro é revelador e nos mostra um pouco do que falei na semana passada. Os estudiosos classificam Bruegel como um renascentista. Alguém que estava deixando a confusa Idade Média e aderindo a organização da Idade Moderna.

Confusões próprias da Idade Média: Jesus disse esta parábola mais de uma vez. Uma contra os fariseus: Mateus (15.14). Outra faz parte de uma coleção de diversas parábolas: Lucas (6.39). De qualquer forma, isso deveria ser entendido em um ambiente judaico. Entretanto, Bruegel o pinta em seu meio social: Observe as roupas dos cegos: são roupas de sua época. Repare nas casas ao fundo e especialmente na Igreja que se destaca, e observe que a fila se afasta dela. O quadro diz: Os cegos guiam outros cegos para longe da Igreja em direção ao barranco.

Poderia se argumentar que ele está aplicando a mensagem bíblica a seus dias. De fato, parece que esta é sua intenção. Porém, este tipo de interpretação do texto, é a alegoria tão prezada pela hermenêutica da Idade Média.

Traços do pensamento moderno: Há uma espécie de respeito exegético no quadro: Apesar de Jesus ter usado a palavra “ambos”, transmitindo a ideia de dois cegos, Bruegel pinta seis, mas mantém a organização deles em duplas. Exegeticamente também, ele pinta o barranco ameaçador próximo de todos.

O quadro foi extremamente organizado. Certamente foi esboçado previamente. Os cegos estão pintados na mesma ordem que se lê. E seus rostos apresentam uma feição mais carregada, à medida que se aproximam da direita do quadro onde está o primeiro que já caiu. Na realidade vai do cego aparvalhado ao aterrorizado pelo tombo. Das apalpadelas à queda. Do menor ao maior perigo.

O estilo das roupas, para mim, indica a posição social e provavelmente a riqueza de cada cego, sendo que eles estão misturados. O de maior posição social (melhores trajes), terceiro da esquerda para a direita, está sento conduzido por um mendigo (andrajoso e sujo), que por sua vez é levado por um com cara de esperto, que está tropeçando no que carregava um instrumento musical e que parecia ser o líder da trupe.

Olhando em detalhes, da esquerda para direita, parece que o grau de cegueira aumenta, pois o cego mais a esquerda tem apenas os olhos fechados, enquanto o cego que tropeça no que caiu (do qual sequer vemos os olhos) está com as órbitas vazias, desprovidas de olhos.

A ausência de adornos na Igreja, apesar de a parte sul dos Países Baixos, a Bélgica de hoje, ter permanecido católica, para mim indica que ele se referia a uma igreja protestante.

Eu desconheço algum quadro ou gravura da Idade Média que tente ilustrar esta parábola. Porém, não creio que pudesse ir além do óbvio: dois cegos um guiando o outro, sem qualquer outra preocupação.

Já uma simples pesquisa de imagens na internet sob o título “blind leads another blind” retorna uma quantidade enorme de tirinhas, charges, pastiches, grafites, fotos de peças de teatro, montagens cênicas e “performances”, desde engraçadas até grosseiras e chulas. E embora algumas pretendam ser originais, todas carregam o ônus de refletir as palavras do Senhor, que a grande maioria despreza.

Porém, todas estas que aparecem na pesquisa, refletem muito mais um pensamento ainda moderno, que critica, mesmo acintosamente, pois o homem pós-moderno não tem a menor intenção de perder tempo com isso. “Pensar? Gastar tempo com crítica? Cada um faz o que quer”. O homem pós-moderno quer sentir. Tanto faz se ele é guiado por um cego ou por uma máquina, desde que alguém assuma a tarefa de decidir por ele, e ele tenha em quem por a culpa se algo der errado.