sábado, 26 de abril de 2014

Jesus ressurreto

Ressurreto, o Senhor Jesus apareceu vivo a essas pessoas, mais ou menos na seguinte ordem: Maria Madalena, outras mulheres, dois discípulos no caminho de Emaús, Pedro, dez apóstolos escondidos, dez e Tomé (no domingo seguinte), sete discípulos que estavam pescando, onze apóstolos e a mais de quinhentos discípulos. Apareceu também a Tiago (seu meio irmão), aos onze apóstolos (por ocasião da ascensão) e a Paulo (alguns anos depois).

O próprio Paulo resume assim: “... e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo” (1Co 15.4-8).

Tomé exigiu do Senhor provas de que “era ele mesmo”, mas não ficou sem uma repreensão. Diferentemente, Lucas, vários anos mais tarde, sem ver o Senhor, ficou tão impressionado com os relatos de sua ressurreição que escreveu: “... depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis” (At 1.3). Lembre-se: Lucas era médico.

Mas, por que o Senhor Jesus não apareceu a todos?

Quanto ouço que o cristianismo baseia-se em lendas, contos, ou relatos desvirtuados, ou que a existência de Jesus não passa de uma ficção, eu me lembro disso: ele apareceu apenas a alguns!

Explico: se tudo isso fosse uma história inventada, o final seria o esperado: Jesus aparecendo a todos e punindo aos que tinham obrigação de zelar por seus interesses, mas o condenaram à morte. Não é assim que terminam as histórias deste gênero literário, no qual querem classificar as Sagradas Escrituras?

Replicam, entretanto, que, como apenas alguns o viram depois da ressurreição, é de se suspeitar da narrativa. Mas, como suspeitar de homens que mantiveram tal testemunho “inacreditável” mesmo ameaçados de morte?

Voltemos à pergunta: Por que Jesus não apareceu a todos?

Lucas nos dá a melhor resposta: “A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas. Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.44-49).

Em síntese: Os novos filhos de Abraão não nascem “do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Nascem da fé.

Ora, que outro processo haveria de gerar estes novos descendentes senão “a loucura da pregação”? Crer, no que não se viu, disse Jesus a Tomé, é bem-aventurança. E, para garantir que apenas os que “creem em seu nome” respondam a uma mensagem tão inusitada, o Senhor Jesus houve por bem divulgar sua ressurreição - sua vitória sobre a morte e nossa paz com Deus - através das testemunhas que ele selecionou.

Assim o Evangelho é pregado conforme sua natureza: “Escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.23).

O anúncio do evangelho decorre desse fato: Jesus só apareceu àqueles a quem enviou! E, por consequência, essa é uma das marcas dos falsos apóstolos: anunciar a verdade calcados em mentiras dizendo terem visto o Senhor.

Daqueles a quem ele apareceu, chegou a nós o santo evangelho. A esses ouvimos. E, em nós, manifestou-se a verdadeira fé. Fé que não depende de nada além do poder de Deus. Fé que subsiste a despeito de tudo.

Bendito instrumento que gera os novos - os verdadeiros - filhos de Abraão.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O corpo da ressurreição


Instruindo a Igreja de Corinto sobre a ressurreição, o apóstolo Paulo usou uma pergunta hipotética: Mas alguém dirá: Como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm? (1Co 15.35). E passou a explicar essas dificuldades materiais.

Primeiro, comparou o corpo que morre a uma semente que se transforma em planta. Depois chamou a atenção para os diferentes tipos de carne (dos animais, das aves e dos peixes) e mostrou que há diferenças entre corpos celestiais e corpos terrestres e até mesmo entre os celestiais há diferenças de esplendor (sol, lua e estrelas). E concluiu: Pois assim também é na ressurreição dos mortos (1Co 15.42).

Essas comparações servem como introdução ao seu ensino que também é feito com diversas comparações: Semeia-se o corpo na corrupção, em desonra e em fraqueza; ressuscita-se na incorrupção, em glória e em poder. Usando seu fraseado: Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual. (1Co 15.44).

Estamos diante de um verdadeiro mistério.

Todos os que foram ressuscitados, voltaram a viver no mesmo corpo. Continuaram com o que herdaram de Adão. Jesus, no entanto, ressuscitou com o corpo a que se refere Paulo (não é sem razão que ele é chamado de as primícias dos que dormem (1Co 15.20), pois é o primeiro que ressuscitou com este corpo). Não se pode dizer que seja um corpo diferente, mas é um corpo que está para o primeiro como a planta está para a semente.

Observe que o corpo com que Jesus ressuscitou ainda não é o que foi descrito por João no primeiro capítulo do Apocalipse. Primeiro Jesus recebeu, ao ressuscitar, um corpo novo; e este foi glorificado, por ocasião de sua ascensão.

Por enquanto, voltemos ao corpo da ressurreição. Ele tinha pelo menos duas características diferentes:

1) Ele não era reconhecido facilmente (em alguns textos foi registrado que ele “deu-se a conhecer”). Lembre-se do que acontece com Maria (Jo 20.15), e do que aconteceu com os dois que iam para Emaús (Lc 24.13-31) e com os sete que passaram a noite pescando (Jo 21.1-7).

2) Ele desaparecia e reaparecia em outro lugar. Veja o que aconteceu com os dois que iam para Emaús (Lc 24.31) e dos outros quando apareceu diante dos 10 (Tomé não estava presente) que haviam se trancado em uma casa (Jo 20.19-23) e depois diante dos 11 (inclusive Tomé) novamente trancados (Jo 20.26-29). Esta segunda caraterística (desaparecer e aparecer)  implica em diferentes relações com o espaço (o que aconteceu também em sua ascensão).

Porém, Jesus se apressou em dizer que não era um fantasma. Lembre-se do caso de Tomé (Jo 20.19-29), quando para provar que tinha um corpo físico, deixou-se ser examinado e até comeu peixe com eles (Lc 24.41-43).

Percebeu? O corpo ressuscitado guarda semelhança com o anterior, mas parece transcender seus limites. Talvez o melhor modo de compreender seja percebendo que, ao pecar, o corpo de nossos primeiros pais sofreu algum tipo de degradação: Adão passou a suar para adquirir seu sustento (Gn 3.17) e Eva passou a sofrer dores de parto (Gn 3.16). Ora, se ao pecar receberam tal castigo, é de se esperar que se não pecassem receberiam algum tipo de recompensa. Ou seja: se não tivessem pecado desfrutariam do mesmo tipo de corpo de Jesus após a ressurreição.

Ora, a tônica do capítulo 15 da primeira carta à Igreja de Corinto é garantir que o que aconteceu a Jesus acontecerá a nós também. Sua conclusão é gloriosa: Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.

sábado, 12 de abril de 2014

Entradas em Jerusalém

Quase setecentos anos antes de Jesus entrar em Jerusalém, montado em um jumento, os príncipes de Nabucodonozor também entraram em montarias de guerra.

Por dois anos eles mantiveram Jerusalém sitiada, como registrou o cronista sagrado: levantaram tranqueiras ao seu redor. E durante esse tempo Jerusalém suportou a falta de alimentos. Felizmente havia água, pois, cem anos antes foram cavados túneis sob a cidade que iam até uma fonte.

Pacientes, os babilônios trabalharam até abrir uma brecha na muralha. Abriram e puseram em fuga todos os “homens de guerra”, que logo foram alcançados e desbaratados. O rei Zedequias foi preso com sua família e mataram sua família e depois furaram seus olhos (de modo que a última coisa que ele visse fosse a morte de seus queridos) e o levaram acorrentado para a Babilônia.

O profeta Jeremias estava lá. As ordens do rei invasor eram claras: ele deveria ser protegido. Ele sempre falava que a única esperança para Israel era sofrer o cativeiro. Isso da impressão de que ele era amigo dos Babilônios e, os judeus o tinham por traidor. Mas, o que era claro para Jeremias é que não se pode fugir do castigo de Deus. O melhor que se pode fazer é recebê-lo: “por a boca ao pó”!

Hoje nos lembramos do dia em que Jesus também entrou em Jerusalém. Ele não teve de cercá-la, nem de abrir uma brecha em seus muros – muito menos de cegar suas autoridades, pois elas estavam duplamente cegas –  pelo contrário: foi recebido com gritos de alegria, palmas, ramos e roupas forrando o chão em que sua humilde montaria passava.

Entretanto, ao ver a cidade de longe, diferentemente dos Babilônios, chorou de compaixão e lamentou: “Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação” (Lc 19.42-44).

A situação de Jerusalém então era pior. Por um capricho, deram a João Batista um fim pior do que o de Jeremias, e agora recebiam o Filho de Deus, sem reconhecê-lo como tal. O recebiam como se fosse alguém que os lideraria em uma luta contra os Romanos.

Há certa semelhança com o que está acontecendo em nossos dias. Hoje Jesus tem sido recebido até com aplausos e festas, porém nunca como deveria ser. Às vezes o honram com títulos tolos – o maior psicólogo, mestre, líder, etc. do mundo –  porém nunca como o verdadeiro Deus em quem habita corporalmente a plenitude da divindade. Hoje as palmas e as roupas que estendem por seu caminho são bajulações grosseiras e falta de respeito (para dizer pouco). Entretanto ele continua apresentando-se humilde como quem cavalga um animal de carga.

Ainda é tempo de reconciliação. O Senhor ainda pode ser achado. Ainda está perto.

Não perca a oportunidade de buscá-lo.

sábado, 5 de abril de 2014

Anchieta

Depois de um processo que durou 400 anos (o mais demorado da história) Anchieta foi canonizado na marra. Se o processo continuasse dificilmente Anchieta seria canonizado, pois além de não possuir um segundo milagre feito depois de ser declarado beato, o auxílio que ele prestou no enforcamento de um membro da Igreja de Calvino  depunha gravemente contra a pretensão de ser santo.

Desde meus tempos de seminário, meus professores me alertavam: não se preocupe com a canonização de fulano ou beltrano, mas mostre o quanto é ímpio o próprio ato de canonizar alguém. Entretanto, o caso de Anchieta é terrível, pois além do erro que existe em declarar que alguém deva ser adorado, o personagem em questão é mais do que um pecador comum. É um assassino. Um assassino de protestantes, pela única razão de serem protestantes.

Nascido em 1534, em Tenerife, uma das Ilhas Canárias, estudou filosofia em Portugal. Veio para o Brasil em 1553 e depois de muitos trabalhos, inclusive a edificação da casa ao redor da qual se formaria a Vila de São Paulo, induziu Mem de Sá, governador-geral, a condenar Jacques Le Balleur à morte, tendo ajudado em seu enforcamento.

Naqueles dias o rei da França, fiel súdito do Papa, estava inconformado com a divisão dos novos descobrimentos entre Espanha e Portugal (o Tratado de Tordesilhas), e recebeu com alegria a proposta de seu Almirante, Villegaignon, de fundar nessas novas terras, mediante a força: a “França Antártica”.

Como não tinha recursos autorizou outro almirante, Colligny, que tinha bom trânsito junto à Igreja de Genebra, a levantar os fundos necessários. A Igreja, refúgio de muitos franceses perseguidos, viu uma boa oportunidade para estabelecer alguns deles em um local livre de perseguições. Então, para a primeira viagem, o próprio Calvino selecionou diversos pastores e artesãos.

Ao chegarem aqui, Villegaignon mostrou sua verdadeira face: passou a persegui-los e matou alguns. Porém, outros escaparam. Le Balleur ficou entre os índios e anos mais tarde foi reconhecido e preso em São Vicente. Levado a Bahia, enfrentou o tribunal da inquisição e foi condenado a morte “no mesmo local em que começou a vomitar suas heresias”.

Não se sabe ao certo como Anchieta ajudou no enforcamento. Há quem diga que, diante a recusa do carrasco em prosseguir o enforcamento, ele tenha esganado Le Balleur com as próprias mãos. Outros dizem que ele recebeu a confissão de Le Balleur, abjurando o protestantismo e, preocupado com a demora de sua morte após dependurado pelo pescoço, o teria misericordiosamente puxado pelos ombros com o fim de abreviar seus sofrimentos. Se não há certeza de como, a demora em canoniza-lo e a forma como ele foi canonizado atestam sua participação.

A campanha para sua beatificação teve início no século 17 e só em 1980 o Papa João Paulo II o declarou beato e nesta quinta-feira passada (3 de abril de 2014) o Papa Francisco o decretou santo. Foi dispensada a comprovação de milagre, como exige a própria lei da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR).

Nós, protestantes vemos muitos problemas em declarar alguém santo:

1º - Acreditamos em milagres. Acreditamos que Deus pode fazê-los, e os faz, quando quer. Mas confessamos que a capacidade de fazê-los espontaneamente foi restrita a alguns profetas e aos apóstolos.

2º - Rejeitamos completamente a ideia de adorar alguém além de Deus. Aliás Deus proíbe isso terminantemente. Porém, a ICAR torna alguém beato ou santo exatamente com o objetivo de ser adorado. Veja o que diz seu direito canônico:

Cânone 1186 — Para fomentar a santificação do povo de Deus, a Igreja recomen­da à veneração peculiar e filial dos fiéis a Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe de Deus, que Jesus Cristo constituiu Mãe de todos os homens, e promove o verdadeiro e autêntico culto dos outros Santos, com cujo exemplo os fiéis se edifi­cam e de cuja intercessão se valem.

Cânone 1187 — Só é lícito venerar com culto público os servos de Deus, que foram incluídos pela autoridade da Igreja no álbum dos Santos ou Beatos.

Em última análise, ao canonizar Anchieta, o Papa está dizendo: Adorem o carrasco Anchieta.

Não deixe de ver: