domingo, 31 de agosto de 2014

As estações de Deus

O calor, aos poucos, vai dominando o dia e as madrugadas já não exigem cobertor. O ar insiste em permanecer seco, e, mesmo em uma ilha como a nossa, é possível sentir a umidade baixa. A falta de chuvas grossas nos afluentes deixa a água do Rio Doce esverdeada, e as chuvas esparsas, substituídas por chuviscos e pelo sereno da noite, provocam um mormaço que aumenta a sensação de calor.

O Criador e Mantenedor de todas as coisas está tornando o ambiente propício à germinação das sementes. Tanto das que caíram nas proximidades e adensarão o mato, quanto das que serão levadas pelos ventos, pelos pássaros ou animais, e nascerão distantes, provavelmente em lugares abertos, fechando as clareiras.

O mesmo ocorre com as que foram semeadas pelo agricultor e que, regadas na hora certa, nascerão nas plantações num verdadeiro milagre de multiplicação muito parecido com o da multiplicação dos pães em ritmo lento. É um milagre que ocorre todos os dias sem o qual pouco nos adiantaria adubar, plantar ou mesmo regar. Seja na solidão dos matos ou na roça bem cuidada é o Criador e Mantenedor de tudo que aquece a terra e a transforma em útero fecundo onde as sementes germinam.

Você já notou quantas vezes nosso Mestre comparou esse processo que chamamos de “natural” a verdades espirituais? A mais impressionante – para mim – é a Parábola do Semeador. Um dos evangelistas diz que o Mestre foi explícito: “a semente é a palavra de Deus” (Lc 8.11).

Quais semeadores cegos, que desconhecem o terreno em que estão jogando a semente, mas sabem que alguma cairá em boa terra, nós também semeamos. Umas cairão, nos caminhos, outras cairão nas pedras, outras nos espinheiros. Mas, haverá sempre aquelas que cairão na terra boa. Essas frutificarão abundantemente.

Às vezes esta virada de clima representa bem o que acontece na vida de algumas pessoas. Deus as faz experimentarem a sequidão, o abafamento e o calor das dificuldades para que as “sementes espirituais” germinem. São terra boa. Mas a semente precisa morrer antes de nascer, e morre exatamente nesse processo.

Sentimos o calor próprio da estação que chega, mas sentimos também o calor próprio das dificuldades da vida. Será que o Criador, Mantenedor e Salvador, à semelhança do que faz com as outras sementes, está tornando nossas vidas mais propícias a germinar a Palavra nelas semeada até que frutifique?

sábado, 23 de agosto de 2014

A propósito do Templo de Salomão

A primeira menção bíblica a um lugar de adoração está em Gênesis (8.20-21) e relata como Noé levantou um altar sobre o qual ofereceu holocausto. É certo que as ofertas de Caim e Abel já pressupõem um lugar determinado e esse lugar seria lato sensu um altar, mas a primeira menção formal a um altar é esta de Noé.

Na terra que lhe fora prometida, mesmo sem tomar posse dela, Abraão sempre levantava um altar no lugar em que Deus lhe aparecia, mas, o último foi levantado em lugar determinado por Deus, três dias de distância de onde morava: o Monte Moriá. Neste altar Isaque, seu filho, seria a vítima.

Os descendentes de Abraão também seguiram o costume e os altares levantados por eles eram verdadeiros marcos (com significado religioso).

Todos esses altares não passavam de montões de pedras, ajuntadas do próprio local, sobre as quais um animal (na maioria das vezes um cordeiro) era morto e queimado. Somente na época de Moisés, após instrução divina, o altar recebeu outros complementos e significados: era o Tabernáculo. Sua construção foi determinada por Deus que o detalhou e capacitou a seus construtores.

Os altares não desapareceram, nem ficaram restritos ao Tabernáculo. Josué e alguns Juízes levantaram altares também. Até mesmo Davi fez um no mesmo lugar em que, séculos antes, Abraão tinha oferecido seu filho. E, nesse mesmo lugar, anos mais tarde Salomão edificará o Templo.

As demais nações sempre tiveram altares. Na verdade, não se conhece um só povo, que não os tenha, pelo menos, uma vaga noção de um deus que recebe ofertas. Tais ofertas, sangrentos ou não, são oferecidas em lugares simples ou em complexos impressionantes, que podemos perfeitamente chamar de altares: zigurates, pirâmides egípcias, astecas, maias ou sudanesas, etc.

Mas, voltando ao Tabernáculo é necessário destacar que ele era um complexo cercado por uma estrutura de postes e panos esticados com cerca de 50m de comprimento e 25 de largura, a qual só era adentrada pelos sacerdotes e pelos respectivos ofertantes com suas vítimas.

Dentro dela ficava um braseiro de bronze (o altar propriamente dito, também chamado de altar de bronze) sobre o qual as vítimas, depois de carneadas, eram queimadas. Havia também uma bacia de bronze na qual os sacerdotes deveriam se purificar e uma tenda de peles com  quase 15m de comprimento por 5 de largura (a única parte coberta). Essa tenda era dividida em seu terço por uma cortina espessa. O terço maior era chamado de Lugar Santo e o menor de Santíssimo (ou Santo dos Santos).

No Lugar Santo ficava o candelabro de ouro (menorah), uma mesa folheada a ouro, sobre a qual se colocava pães, e um altar menor também folheado a ouro, onde se queimava incenso. Neste lugar os sacerdotes entravam, conforme a exigência da cerimônia, para apresentar a Deus o sangue de determinadas vítimas.

No Santo dos Santos, abrigo da Arca da Aliança, apenas o sumo sacerdote podia entrar. E apenas em um dia do ano!

Na verdade o Tabernáculo era uma estrutura portátil que deveria acompanhar o povo em sua peregrinação. Entretanto, depois de entrarem na Terra Prometida, permaneceu em Siló durante os quatro séculos dos Juízes e depois em Nobe e em Gibeom até sua substituição pelo Templo.

Davi, morando numa “casa de cedro” lembrou-se, com algum remorso, de que a Arca da Aliança ainda estava em uma tenda (o Tabernáculo), e decidiu preparar-lhe um lugar adequado. Deus o proibiu deixando claro que nenhuma casa seria adequada à sua presença, porém, permitiu que Salomão, seu filho, a edificasse.

E, apesar de Salomão ter dirigido a obra, lemos no Livro das Crônicas que até a planta das diversas construções que compunham o Templo foi dada por Davi. De fato, o lugar, os recursos, os materiais, os oficiantes, bem como as músicas e os instrumentos musicais foram todos preparados por Davi.

O Livro dos Reis registra: “Edificava-se a casa com pedras já preparadas nas pedreiras, de maneira que nem martelo, nem machado, nem instrumento algum de ferro se ouviu na casa quando a edificavam” (1Re 6.7).  

Salomão mandou aterrar a depressão entre os montes Moriá e Sião para criar uma grande esplanada no meio da qual edificou o Templo com dimensões iguais ao dobro das dimensões do Tabernáculo. A única parte coberta (onde ficavam o Santo e o Santo dos Santos) possuía 30m de comprimento por 10 de largura e era rodeado por depósitos para o que fosse necessário às cerimônias e ao cotidiano dos sacerdotes.

Durante quase 400 anos (de 973 a 586 a.C.) o Templo de Salomão centralizou a vida de Israel, especialmente a de Judá, até sua destruição pelos babilônios, quando levaram cativos grande parte dos judeus.

Os babilônios foram dominados pelos persas que autorizaram a volta dos judeus. E, nos dias de Neemias e Esdras, o Templo foi reedificado. Não era tão impressionante quanto o outro (Ag 2.1-4) e foi levantado com grandes dificuldades, mas era muito semelhante ao de Salomão. Em decreto, Ciro, rei dos persas, determinou as dimensões da obra (30 metros de largura e de altura), a devolução dos utensílios que Nabucodonozor havia tirado de lá, o pagamento dos construtores e dos oficiais do culto, bem como das vítimas e víveres necessários aos sacrifícios. Tudo isso com seu dinheiro. Ou seja: o culto estava sendo mantido por estrangeiros. 

Quando Salomão inaugurou o primeiro Templo, orou repetidamente: “se o teu povo, que se chama pelo teu nome...” Agora as orações do Templo deviam incluir Ciro e seus filhos!

Quando Salomão inaugurou o primeiro Templo, o equipou com utensílios maiores e mais caros do que os utensílios do Tabernáculo (mesas, candelabros, etc.), mas a Arca da Aliança era a mesma que Moisés fizera no deserto. Agora no segundo Templo, a maioria das peças foi devolvida, menos a Arca da Aliança. O Santo dos Santos ficou vazio.

Quando Salomão inaugurou o primeiro Templo, repetiu-se o que aconteceu nos dias do Tabernáculo: fogo dos céus consumiu tudo o que estava sobre o altar. Agora no segundo Templo não há registro algum dessa manifestação da aceitação divina.

No ano 168 a.C., 384 anos depois da consagração deste Templo, Antíoco, descendente de um dos generais com quem Alexandre estabeleceu seu império, o profanou: construiu um altar a Zeus em seu interior e sacrificou um porca sobre ele. Três anos depois o rededicaram e até hoje esta data é comemorada com o nome de Hanukah (a festa das luzes).

O Evangelho de João (2.20) registra os judeus afirmando a Jesus que foi gasto 46 anos para edificar o Templo. Os sinóticos são unânimes no registro de que, poucos dias antes da crucificação de Jesus, seus discípulos chamaram sua atenção para as pedras do Templo. Herodes resolvera embelezá-lo.

Aumentou o tamanho dos átrios, ampliou a esplanada (que chegou a ser 4 vezes maior do que a da Acrópolis de Atenas) e a circundou por alpendres. Elevou frontispício do lugar santo para 50 metros de altura e construiu a Torre Antônia no canto noroeste da esplanada com ótimas acomodações e com um quartel que possibilitava aos soldados saírem direto no átrio dos gentios. Era o que chamamos de Templo de Herodes.

Foi destruído pelo general romano Tito no ano 70 em uma luta tão angustiosa que a Igreja a comparou ao “fim dos tempos”.

Resumindo: Primeiro, o Tabernáculo (com 25m de largura por 50m de comprimento), feito de madeira e peles, que acompanhou Israel por cerca de 530 anos e foi montado em diversos lugares. Depois, o Templo de Salomão com o dobro das medidas (50 por 100m), feito dos melhores materiais da época, e edificado no lugar mais significativo para a história do Povo de Deus, ficou de pé cerca de 380 anos. Em terceiro lugar, após o exílio, o Templo de Zorobabel (com 30 por 60m), totalmente custeado pelo rei da Pérsia, e reformado 490 anos depois por Herodes. Finalmente o Templo de Herodes, que fez mais do que uma reforma (com cerca de 50 por 60m, mas com quase 300m por 600m de esplanada), que durou apenas 96 anos, grande parte deles em obras.

Observe que, com o passar do tempo, o tamanho aumenta, o significado para o povo também aumenta, mas o Santo dos Santos vazio aponta para o esvaziamento do significado real.

O Templo de Herodes ainda estava de pé e no dia de pentecostes e celebrava-se lá uma das mais elaboradas e caras cerimônias de então. Nesse mesmo instante, em um simples terraço, a “presença de Deus”, que havia se manifestado no Tabernáculo e no Templo de Salomão, se manifestou sobre cada um dos discípulos de Jesus. Um Templo novo estava sendo inaugurado pelo próprio Deus. Não de peles de animais, como o Tabernáculo, nem de pedras, como o Templo de Salomão, mas de pessoas consagradas pelo Senhor.

Desde então este é o verdadeiro Templo. Nele o Espírito do Senhor faz morada: “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16).

No mesmo texto em que os judeus falam do tempo da reforma Jesus deixa clara a identificação do templo com seu corpo. De fato, essa relação é a chave do significado do templo: ele era um tipo de Jesus. E, assim como no passado o tabernáculo, e seus sucessores, eram tipologicamente o corpo do Senhor, hoje, todos nós, somos membros desse corpo.

O Templo feito por Herodes já havia sido honrado por Jesus, que se referiu a ele como “a casa de meu Pai”, e o purificou. O Cordeiro de Deus não foi morto em seu altar, como as vítimas que o simbolizavam, mas, julgado e condenado em suas instalações, foi imolado no mais ignominioso altar que se possa conceber: a cruz.

Assim que Jesus expirou, o véu do santuário (a cortina que separava o Santo Lugar do Santíssimo) foi rasgado. O templo estava sendo definitivamente preterido e, para que a Igreja – acostumada a reunir-se no alpendre de Salomão – o esquecesse de vez, Deus o destruiu completamente a ponto de não ficar pedra sobre pedra.

Continuar sacrificando, mesmo que simbolicamente como faz a Igreja Católica é desprezar o sacrifício de Jesus. Levantar outro templo, seja em Jerusalém, seja em São Paulo é zombar daquilo que foi finalizado pelas benditas palavras “está consumado”.

sábado, 9 de agosto de 2014

Como Jesus nos via

Nos dois artigos passados, espero ter mostrado como os incrédulos inventaram todos os tipos de dúvidas sobre a pessoa de Jesus, a partir de seus próprios pressupostos, como ele foi descrito por João no Apocalipse e principalmente como ele falou de si mesmo nas parábolas que contou. Para completar o quadro mostrarei como, nas mesmas parábolas, ele fala de nós.

A figura que ele mais usou para nos descrever foi a de um servo. Desconsiderando aquelas é que isso é implícito, temos 7 parábolas nas quais somos textualmente chamados assim: Na parábola dos talentos (Mt 25.14-30), das minas (Lc 19.12-27), do senhor ausente (Mc 13.34-37 e Lc 12.35-48), das bodas (Mt 22.1-14), dos trabalhadores na lavoura (Lc 17.7-10) e do mordomo fiel (Lc 12.42). Apenas 2 parábolas nos mostram como assalariados (empregados): a dos trabalhadores na vinha (Mt 20.1-16), e a do administrador infiel (Lc 16.1-13).

É certo que ele nos apresenta também como filhos. Na parábola dos dois filhos (Mt 21.28-31) e na parábola do filho pródigo (Lc 15.11-32) somos convidados a nos identificar com o filho mais novo (que, em ambas, arrepende-se), ou com o filho mais velho (que, em ambas afronta o pai). Porém, a segunda figura mais usada é a da ovelha: veja a parábola do Bom Pastor (Jo 10.1-18), a da ovelha perdida (Lc 15.3-7 e Mt 18.12-13), a da ovelha que caiu em uma cova (Mt 12.10-12) e a parábola da separação das ovelhas dos bodes (Mt 25.31-46).

Outras parábolas também exigem que escolhamos qual dos personagens seremos: um rico ou um mendigo, na parábola do rico e Lázaro (Lc 16.19-31); um fariseu que se tem em alto conceito ou um cobrador de impostos que comparece diante de Deus com temor (Lc 18.9-14); um homem que edificou sua casa sobre a areia ou outro homem que edificou sua casa sobre a rocha (Mt 7.24-29 e Lc 6.46-49); um solo compactado pelos caminhantes, um solo pedregoso, um solo cheio de espinheiros ou ainda um solo bom e fértil na parábola do semeador (Mt 13.3-23, Mc 4.3-20 e Lc 8.5-15), e surpreendentemente a noivas prudentes ou néscias (Mt 25.1-13).

Ele nos compara também a um pai de família (Mt 13.52), a um construtor de uma torre (Lc 14.28-30), a um rei que vai à guerra (Lc 14.31-32) e a peixes selecionados pelos pescadores (Mt 13.47-50).

Somos mostrados pejorativamente também. Somos inadimplentes na parábola dos dois devedores (Lc 7.40-47) e devedores nas parábolas do credor incompassivo (Mt 18.23-35) e do adversário (Mt 5.25-26 e Lc 12.58-59). Somos cegos na parábola dos guias cegos (Mt 15.14) e aquele semeador (Mt 13.3-23) parece que é cego também. Somos como posseiros assassinos (Mt 21.33-46, Mc 12.1-12 e Lc 20.9-16), como um fazendeiro louco (Lc 12.16-21). Estamos perdidos como uma moeda cuja dona tem de varrer a casa para achá-la (Lc 15.8-10). E somos comparados a uma figueira que por seis anos permanece infrutífera (Lc 13.6-9).

Tanto na parábola das bodas (Mt 22.1-14) quanto na parábola da grande ceia (Lc 14.16-24) o sentido exige que nos vejamos como convidados, mas na parábola do bom samaritano (Lc 10.30-37) o sentido exige que nos vejamos como um viajante que, nem por isso, deixa de parar e fazer o bem.

Em outros lugares as comparações são tão fortes que possuem a forma de predicados: somos ramos de uma videira (Jo 15.1-8), o sal da terra (Mt 5.13) a luz do mundo (Mt 5.14), a cidade edificada sobre um monte (Mt 5.14) e a candeia que deve ser colocada no velador (Mt 5.15, Mc 4.21 e Lc 8.16).

Assim o Senhor Jesus nos vê. Não somos seus iguais: ele é Senhor, nós somos servos; ele é o credor, nós somos os devedores inadimplentes; ele é pai, nós somos filhos; ele é o médico, nós somos os doentes; ele é o pastor e nós somos as ovelhas. Seus apóstolos foram explícitos: João nos ensinou: ... todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (Jo 1.12). Anos depois, Paulo lhe fará coro: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo” (Rm 8.16-17).

Mas, foi na última noite, entre a ceia e o Getsêmani, que o Senhor resumiu este assunto: Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer” (Jo 15.13-15).

Somos criaturas. Ele é o Criador. Somos servos. Ele é o Senhor. Entretanto, por amor ele assumiu o que nós somos e nos transformou em filhos, em amigos.

A ele toda glória!
 
 
 

sábado, 2 de agosto de 2014

Descrições de Jesus

Quem era Jesus? Essa foi a pergunta que aqueles que estavam engajados na “busca pelo Jesus histórico” (sobre a qual escrevi na semana passada), tentavam responder. Porém, não se esqueça de que eles partiam da pressuposição de que um homem comum, desses que povoam a história, não poderia ser como os Evangelhos descrevem a Jesus.

Mas, o que é que eles escrevem de tão notável? Certamente, o ponto máximo é que ele ressuscitou. Mas, há uma série de outras afirmações que achavam difíceis de aceitar. Por exemplo: a de que ele tenha perdoado pecados ou a de que ele tenha dito ser o próprio Deus.

De fato, o Novo Testamento nos apresenta Jesus direta ou indiretamente através de figuras que falam de seu caráter ou de sua obra. Logo no princípio de seu ministério João Batista o apresentou como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” o que tinha um significado especial para sua audiência que era constituída de judeus.

Durante seu ministério, já apareceram opiniões diferentes: a Herodes opinaram que Jesus era João Batista ressuscitado. Seus discípulos informaram que também havia os que criam que ele era Elias ou algum dos profetas. E ele mesmo, correndo o risco de ser apedrejado, foi claro ao apresentar-se como EU SOU (Jo 8.58-59), nome que o Antigo Testamento reservava à Deus.

Porém, não deixa de ser notável as apresentação indiretas. Especialmente as que estão contidas nas parábolas.

Ele se apresentou como agricultor na parábola do Joio e na parábola dos trabalhadores na vinha. Na primeira ele proíbe que seus servos arranquem o joio para não correr o risco de arrancar o trigo junto e na segunda ele contrata diaristas para trabalhar em sua vinha. Apresentou-se também como criador de gado na parábola do servo que volta da lavoura (Lc 17.7-10) e, em um contexto em que seu povo é comparado à ovelhas, ele se apresentou como o Bom Pastor (Jo 1.1-18). Apresentou-se também como médico que veio apenas para os doentes (Mt 9.12-13).

Comparou-se a um noivo que chega tarde da noite para celebrar suas núpcias (Mt 25.1-13), como um nobre que viaja e confia a seus servos a administração de seu bens (Lc 19.12-27), como um rico fazendeiro que recebe acusações contra seu administrador (Lc 16.1-13), como um credor que perdoa seus devedores e exige que eles se perdoem também (Lc 7.40-50) e como um rei que chama seus servos a prestar-lhe contas (Mt 18.25-35).

Declarou ser a pedra que foi rejeitada pelos construtores (aludida pelos profetas). Declarou ser a porta e o caminho. E declarou-se também ser a verdade, a luz, a vida e o grão de trigo semeado que morto dá muito fruto. E nele os evangelistas reconheceram a comparação dos profetas: a ovelha muda.

Indo além podemos ver também o que seus apóstolos disseram. Paulo o apresentará como o novo Adão e João como advogado junto ao Pai (1Jo 2.1).

Os Evangelhos nunca o descrevem (o imaginamos moreno porque a grande maioria dos judeus de sua época era morena e deduzimos que ele gostava de frutas, peixes e vinho pela quantidade de vezes que elas aparecem no relato), mas o Apocalipse o descreve detalhadamente três vezes.

Nessas impressionantes visões de João, ele é introduzido a uma grande multidão como o Leão, mas apresenta-se como o Cordeiro (Ap 4).

Logo de início ele é descrito como um sacerdote. Está no meio das igrejas, usa vestes sacerdotais e possui cabelos brancos como se espera de um presbítero (ancião). Entretanto, a idade não o alquebra e sua firmeza aparece na postura (pisa como se tivesse pés de bronze), na voz (potente como o estrondo de muitas águas) e na sua aparência geral (como o sol na sua força). Seu olhar perscrutador é descrito como chama de fogo e ele identifica-se como “o alfa e o ômega” ou “o primeiro e o último”. E a intimidade que João tinha com ele no tempo dos Evangelhos é substituída pelo terror que prostra o apóstolo amado ao chão.

A seguir ele é fantasticamente descrito como um cordeiro com sete chifres e sete olhos, que acabara de ser morto.

Quase no fim do Apocalipse ele é mostrado como um guerreiro cavalgando um cavalo branco, vestindo um manto ensanguentado em que está escrito Rei dos reis e Senhor dos senhores. Ele é seguido pelos exércitos celestiais que também estão em cavalos brancos, mas vestindo mantos brancos e puros. Seu olhar ainda é descrito como chama de fogo, e em sua cabeça é adornada por diversas coroas. Sua palavra é poderosa como uma espada afiada e ele é identificado como o Verbo de Deus.

Todas as tentativas de descrevê-lo acabam misturando sua pessoa e seus ofícios. Mas, acima de tudo, as tentativas de descrevê-lo esbaram na impossibilidade de descrever o inefável: o Verbo de Deus.

O Verbo de Deus certamente não voltará para ele vazio, mas fará o que lhe apraz.