Desde seminarista observo um fenômeno que, por falta de um nome melhor, chamo de “O cavalo de Saulo”.
Conhecemos o relato da conversão de Saulo. Como ele encontrou Jesus no caminho de Damasco. Apesar de ser uma narrativa simples a maioria vê nela um cavalo. Provavelmente Paulo estivesse montado, porém o texto não diz.
O mesmo ocorre com o beijo de Judas. Garanto que em todos os filme, peças, ou apresentações de classe de crianças que você já viu, Judas, ao trair Jesus, beija seu rosto. Entretanto é mais provável que, como discípulo, ele tenha beijado a mão. Veja os Evangelhos. Nenhum diz que ele beijou o rosto.
Esse fenômeno está presente também - com pequenas variações - em outros textos. Veja o caso da fé que move montanhas.
Marcos nos informa que Pedro admirou-se da figueira ter secado e Jesus disse: “Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele” (Mc 11.22-23).
Pois bem. O que é que faz alguém entender que esta promessa (de mover montanhas pela fé) foi dada a todas as pessoas de todas as épocas? Acaso o texto não é claro? Jesus está falando com quem? Não é com seus discípulos? Com que direito posso me apropriar hoje de uma promessa feita a outros, há dois mil anos, em uma circunstância completamente diferente?
E assim, muitos textos podem ser mal interpretados. Fui pastor de uma senhora que ficou zangada comigo ao ponto de sair da Igreja por eu ter dito que o Salmo 91.7 (Caiam mil ao teu lado, e dez mil, à tua direita; tu não serás atingido) era uma promessa feita a Jesus. Ela cria que o versículo lhe dava um “salvo conduto” contra balas perdidas.
Porém, o texto em que este fenômeno tem se mostrado mais danoso é o capítulo dezesseis do Evangelho de Marcos: a promessa de acompanhamento de sinais aos que cressem.
Uma leitura dos versículos 17 e 18 isoladamente, dá a impressão de que foi prometido a todos os crentes a capacidade de, em nome de Jesus, expelir demônios, falar novas línguas, pegar em serpentes, imunidade a venenos e poder para curar doentes com a imposição das mãos.
Os três primeiros versículos narram como Maria Madalena avisou aos discípulos da ressurreição de Jesus e como eles não creram. Os dois versículos seguintes contam como os que iam para Emaús avisaram também que Jesus lhes aparecera ressuscitado e novamente eles não creram.
Finalmente os versículos 14 a 18, narram como Jesus apareceu-lhes pessoalmente. Censurou-lhes por não terem acreditado em Madalena e nos outros, e mandou-lhes ir pelo mundo afora pregando o Evangelho a toda criatura. E garantiu que, aqueles que cressem, seriam credenciados pelos os sinais acima.
Minha pergunta: Como foi que uma promessa dada a um grupo de onze pessoas acabou sendo apropriada pela maioria dos cristãos de hoje? Não sei. Talvez do mesmo modo que a promessa de mover montanhas - dada ao mesmo grupo - tornou-se propriedade de quase todos os cristãos.
Realmente não sei. Mas desconfio que foi por um motivo semelhante ao que levou todos a verem Judas beijar o rosto de Jesus ou Saulo cair de um cavalo.
4 comentários:
Caríssimo Rev. Folton
Talvez o que faça os crentes reproduzirem esses e outros conceitos equivicados seja o hábito de interpretar as Escrituras pelo senso comum, e não pelas regras elementares da hermenêutica. Obrigado pelo texto.
Rev. Agnaldo Silva Mariano
Querido Pastor,
Sou grato por ser constantemente abençoado pelos seus excelentes posts.
Realmente achei muito pertinente a chamada à atenção para o problema em acrescentar detalhes inexistentes à narrativa bíblica.
Mas quanto a pontos deste post, gostaria que pudesse me ajudar em algumas dúvidas:
Quanto a mover montanhas pela fé. Penso que Jesus estava ensinando aos discípulos que a FÉ genuina em concordância com a vontade executiva de DEUS pode gerar sinais e milagres que desafiam todos os limites da possibilidade humana e até mesmo as leis estabelecidas da natureza.
Deste modo, esta era mesmo uma promessa aos discípulos ou um princípio geral da Fé e portanto aplicável a todos os crentes de todas as épocas? Pondero sobre a promessa, pois não vemos um discípulo posteriormente lançando montes ao mar, mas vemos homens de Deus de todas as épocas participando pela Fé de sinais naturalmente improváveis ou impossíveis operado s por Deus.
Quanto a Marcos 16, quando Jesus fala dos sinais que acompanham os que creram, Jesus também não ensinava aqui um princípio à Igreja? Ou seja, que este sinais estariam presentes no meio daqueles que creem. Não digo necessariamente presente, mas eventualmente a Igreja não expele demônios? De vez enquando missionários não são preservados mesmo em contato com perigos extremos? (Ronaldo Lidório envenenado no livro Konkombas), Não contemplamos curas operadas por Deus após a intercesssão daqueles que creem?
Acho que entendi claramente quando o sr. chama à atenção para o perigo de se enquadrar automaticamente em palavras ditas especificamente para certas pessoas em certas épocas. Mas nos exemplos citados o proncípio geral do ensinamento não nos alcança ainda hoje?
Desculpe o longo comentário.
Com todo respeito e admiração,
Seu Irmão Danyel.
Caro Agnaldo;
Obrigado pelas boas palavras. COntinue orando por mim.
ab
Fôlton
Caro Daniel;
Desculpe-me a demora em responder. Eu estava de viagem e cheguei apenas onte à noite.
Eu entendo teu argumento. Já pensei assim também e fui um pouco mais longe. Porém me rendi a outra abordagem. Explico.
Somente os apóstolos do Senhor tiveram "poderes delegados" pelo próprio Senhor. Lembra da resposta de Pedro e João ao mendigo da porta formosa (Não TENHO prata nem ouro, mas o que TENHO te dou...)? Some isso às "delegações de poderes" feitas pelo próprio Jesus.
Note: não duvido de milagres. Aliás já os vi acontecer em minha casa. Porém, não tenho autoridade para determinar sua ocorrência. Só posso bater os joelhos no chão e pedir a Deus que cure minha filha à morte e ele curou!
Percebeu? Os apóstolos detinham tal poder que um deles entregou alguém a Satanás. Como não há mais apóstolos hoje (no sentido estrito da palavra) o que nos ficou foi a poderosa arma chamada oração.
ab
Fôlton
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