Em 1557 Jean de Léry, um sapateiro, membro da Igreja de Genebra, selecionado pelo próprio Calvino, vagando entre os tupinambás, no que hoje é o Estado do Rio de Janeiro, viu horrorizado a tribo que o hospedava devorar seus inimigos que tinham sido mortos em guerra recente. Ele achou melhor ficar dentro da oca e aguardar a manhã seguinte quando livres da ressaca do cauim pudessem ouvir e entender o evangelho.
Tempos atrás em situação semelhante, tentou interromper o festim e um índio lhe ofereceu o pé de um inimigo ainda fumegante. Com medo de que o seu pudesse ser o próximo ele se enrolou na rede e registrou que nunca orou tão fervorosamente, durante o restante daquela noite.
Pela manhã, quando os falou do verdadeiro Deus, ouviu o que segue (Copiado de seu livro: Viagem à Terra do Brasil, escrito poucos anos depois quando retornou à França): “... muitas vezes ouvimos de nossos avós que há muito tempo, já não sei mais quantas luas, um mair como vós, e como vós vestido e barbado, veio a este país e com as mesmas palavras procurou persuadir-nos a obedecer a vosso Deus, porém conforme ouvimos de nossos antepassados, nele não acreditaram. Depois desse veio outro e em sinal de maldição doou-nos o tacape com o qual nos matamos uns aos outros; e há tanto tempo já o usamos que se agora desistíssemos desse costume as outras nações vizinhas zombariam de nós”. [...] “Matutei mais tarde sobre o que me haviam dito acerca do francês que, centenas de anos antes, lhes anunciara o verdadeiro Deus, e imagino que se trate de algum dos apóstolos”.
Léry não estava pensando algo inusitado. Calvino, e a maioria dos Reformadores, ensinava que os Apóstolos foram pelo mundo inteiro. Baseavam seu ensino na Bíblia:
Marcos 16.20: “E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram”. E Colossenses 1.23: “... e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro”.
Ensinava-se então que aquilo que hoje chamamos de “A Grande Comissão” já havia sido cumprida, mas era obrigação de cada crente mantê-la assim.
Defender esse tipo de visão hoje é quase uma afronta. O argumento básico é que pensar assim enfraquece os esforços missionários. Entretanto, uma pesquisa mostrará facilmente que a Igreja em que isso era claramente ensinado - a Igreja de Genebra nos dias de Calvino - chegou a sustentar cento e quarenta e dois missionários, e mandou uma expedição ao recém-descoberto Brasil.
Fazer missões é primariamente uma questão de obediência. Não sei por que estou indo, mas vou, pois meu Senhor mandou.
Fazer missões é também uma questão de fé. Como não conhecemos a qualidade dos terrenos, semeamos em todos, até nas pedras, pois alguma semente cairá em terra boa. Ou, como aconteceu a Paulo em Corinto: “E disse o Senhor, em visão, a Paulo: Não temas, mas fala e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (At 18.9-10).
Entretanto, obediência a Deus e Fé, foram trocados por “paixão pelas almas”. Se houver algum tipo de paixão (paixão, significando amar) deve ser paixão pelo Senhor, que fez disso a base para Pedro apascentar seu rebanho: “Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21.17).
Os argumentos em prol de uma contextualização maior da palavra de Deus, ou mesmo de sua apresentação, no fundo acabam, no mínimo, duvidando da capacidade do Espírito Santo aplica-la ao coração dos eleitos ou desobedecendo a ordem simples e direta de Jesus de fazer discípulos dele, não do que se julgue ser uma versão aceitável dele para o mundo moderno.
Surge então nossa falta de fé: Será que vai dar certo? Ora foi o próprio Senhor que mandou. E fez questão de garantir-nos que tinha poder para tanto: “É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28.18 Edição Revista e Corrigida).
Aqui sou obrigado a fazer uma nota, pois há quem garanta que o termo grego (exousia) deve ser traduzido por autoridade e não poder. De fato, a Edição Revista e Atualizada prefere esta tradução nos evangelhos, mas não lhe confere exclusividade.
Em Lc 12.5 ela traduz o mesmo termo por “... tem poder para lançar no inferno”. Em Lc 22.53 refere-se ao “poder das trevas”. E em Lc 23.7 não há outra possibilidade de tradução além de “jurisdição”.
A essa mesma palavra João recorre para dizer que “todos os que o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus”.
Em Atos Ananias manteria poder sobre o terreno e Simão tenta comprar poder de transmitir o Espírito Santo.
Daí em diante, apesar de manter de vez em quando o sentido de autoridade, ou seus derivados como autorização, a polissemia aumenta muito: Em 1Co 8.9 “... esta vossa liberdade não venha...”. Em 1Co 9.6, e correlatos, “...não temos o direito de deixar...”. Em Ef 2.2, Cl 1.16, 2.10 e 1.15: potestade. Em Cl 1.13 e Jd 25: império. Percebeu? A versão Corrigida que usei é tão própria quanto a outra e a preferência por autoridade certamente não decorre da tradução.
Este poder total que Jesus recebeu do Pai está estritamente relacionado com sua ordem aos Apóstolos. Veja integralmente os versículos (ainda na Edição Revista e Corrigida): “E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.” (Mt 28.18-20).
Exatamente por ter todo poder é que ele determina: “Vão e façam discípulos em todas as nações”. Nesse sentido é que os Reformadores entendiam: Nada poderá deter a verdadeira obra missionária.
3 comentários:
Quem dera, nossa Igreja Presbiteriana do Brasil não entrasse pelo caminho que vai entrando, ou melhor que já esta nele, e voltasse aos caminhos da evangelização, da pregação do puro Evangelho, estamos caindo ou já caímos na vala comum?
Mas, qual a diferença? não dá no mesmo?
Anônimo, se seu questinamento foi se referindo a meu comentário, fico muito triste perceber que você nâo ve diferença entre a pregação do verdadeiro Evangelho para o evangalho que tê-se pregado, hoje em dia, nos púpitos de nossas igrejas. Diante de seu cometário só me resta orar por você.
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