sábado, 23 de agosto de 2014

A propósito do Templo de Salomão

A primeira menção bíblica a um lugar de adoração está em Gênesis (8.20-21) e relata como Noé levantou um altar sobre o qual ofereceu holocausto. É certo que as ofertas de Caim e Abel já pressupõem um lugar determinado e esse lugar seria lato sensu um altar, mas a primeira menção formal a um altar é esta de Noé.

Na terra que lhe fora prometida, mesmo sem tomar posse dela, Abraão sempre levantava um altar no lugar em que Deus lhe aparecia, mas, o último foi levantado em lugar determinado por Deus, três dias de distância de onde morava: o Monte Moriá. Neste altar Isaque, seu filho, seria a vítima.

Os descendentes de Abraão também seguiram o costume e os altares levantados por eles eram verdadeiros marcos (com significado religioso).

Todos esses altares não passavam de montões de pedras, ajuntadas do próprio local, sobre as quais um animal (na maioria das vezes um cordeiro) era morto e queimado. Somente na época de Moisés, após instrução divina, o altar recebeu outros complementos e significados: era o Tabernáculo. Sua construção foi determinada por Deus que o detalhou e capacitou a seus construtores.

Os altares não desapareceram, nem ficaram restritos ao Tabernáculo. Josué e alguns Juízes levantaram altares também. Até mesmo Davi fez um no mesmo lugar em que, séculos antes, Abraão tinha oferecido seu filho. E, nesse mesmo lugar, anos mais tarde Salomão edificará o Templo.

As demais nações sempre tiveram altares. Na verdade, não se conhece um só povo, que não os tenha, pelo menos, uma vaga noção de um deus que recebe ofertas. Tais ofertas, sangrentos ou não, são oferecidas em lugares simples ou em complexos impressionantes, que podemos perfeitamente chamar de altares: zigurates, pirâmides egípcias, astecas, maias ou sudanesas, etc.

Mas, voltando ao Tabernáculo é necessário destacar que ele era um complexo cercado por uma estrutura de postes e panos esticados com cerca de 50m de comprimento e 25 de largura, a qual só era adentrada pelos sacerdotes e pelos respectivos ofertantes com suas vítimas.

Dentro dela ficava um braseiro de bronze (o altar propriamente dito, também chamado de altar de bronze) sobre o qual as vítimas, depois de carneadas, eram queimadas. Havia também uma bacia de bronze na qual os sacerdotes deveriam se purificar e uma tenda de peles com  quase 15m de comprimento por 5 de largura (a única parte coberta). Essa tenda era dividida em seu terço por uma cortina espessa. O terço maior era chamado de Lugar Santo e o menor de Santíssimo (ou Santo dos Santos).

No Lugar Santo ficava o candelabro de ouro (menorah), uma mesa folheada a ouro, sobre a qual se colocava pães, e um altar menor também folheado a ouro, onde se queimava incenso. Neste lugar os sacerdotes entravam, conforme a exigência da cerimônia, para apresentar a Deus o sangue de determinadas vítimas.

No Santo dos Santos, abrigo da Arca da Aliança, apenas o sumo sacerdote podia entrar. E apenas em um dia do ano!

Na verdade o Tabernáculo era uma estrutura portátil que deveria acompanhar o povo em sua peregrinação. Entretanto, depois de entrarem na Terra Prometida, permaneceu em Siló durante os quatro séculos dos Juízes e depois em Nobe e em Gibeom até sua substituição pelo Templo.

Davi, morando numa “casa de cedro” lembrou-se, com algum remorso, de que a Arca da Aliança ainda estava em uma tenda (o Tabernáculo), e decidiu preparar-lhe um lugar adequado. Deus o proibiu deixando claro que nenhuma casa seria adequada à sua presença, porém, permitiu que Salomão, seu filho, a edificasse.

E, apesar de Salomão ter dirigido a obra, lemos no Livro das Crônicas que até a planta das diversas construções que compunham o Templo foi dada por Davi. De fato, o lugar, os recursos, os materiais, os oficiantes, bem como as músicas e os instrumentos musicais foram todos preparados por Davi.

O Livro dos Reis registra: “Edificava-se a casa com pedras já preparadas nas pedreiras, de maneira que nem martelo, nem machado, nem instrumento algum de ferro se ouviu na casa quando a edificavam” (1Re 6.7).  

Salomão mandou aterrar a depressão entre os montes Moriá e Sião para criar uma grande esplanada no meio da qual edificou o Templo com dimensões iguais ao dobro das dimensões do Tabernáculo. A única parte coberta (onde ficavam o Santo e o Santo dos Santos) possuía 30m de comprimento por 10 de largura e era rodeado por depósitos para o que fosse necessário às cerimônias e ao cotidiano dos sacerdotes.

Durante quase 400 anos (de 973 a 586 a.C.) o Templo de Salomão centralizou a vida de Israel, especialmente a de Judá, até sua destruição pelos babilônios, quando levaram cativos grande parte dos judeus.

Os babilônios foram dominados pelos persas que autorizaram a volta dos judeus. E, nos dias de Neemias e Esdras, o Templo foi reedificado. Não era tão impressionante quanto o outro (Ag 2.1-4) e foi levantado com grandes dificuldades, mas era muito semelhante ao de Salomão. Em decreto, Ciro, rei dos persas, determinou as dimensões da obra (30 metros de largura e de altura), a devolução dos utensílios que Nabucodonozor havia tirado de lá, o pagamento dos construtores e dos oficiais do culto, bem como das vítimas e víveres necessários aos sacrifícios. Tudo isso com seu dinheiro. Ou seja: o culto estava sendo mantido por estrangeiros. 

Quando Salomão inaugurou o primeiro Templo, orou repetidamente: “se o teu povo, que se chama pelo teu nome...” Agora as orações do Templo deviam incluir Ciro e seus filhos!

Quando Salomão inaugurou o primeiro Templo, o equipou com utensílios maiores e mais caros do que os utensílios do Tabernáculo (mesas, candelabros, etc.), mas a Arca da Aliança era a mesma que Moisés fizera no deserto. Agora no segundo Templo, a maioria das peças foi devolvida, menos a Arca da Aliança. O Santo dos Santos ficou vazio.

Quando Salomão inaugurou o primeiro Templo, repetiu-se o que aconteceu nos dias do Tabernáculo: fogo dos céus consumiu tudo o que estava sobre o altar. Agora no segundo Templo não há registro algum dessa manifestação da aceitação divina.

No ano 168 a.C., 384 anos depois da consagração deste Templo, Antíoco, descendente de um dos generais com quem Alexandre estabeleceu seu império, o profanou: construiu um altar a Zeus em seu interior e sacrificou um porca sobre ele. Três anos depois o rededicaram e até hoje esta data é comemorada com o nome de Hanukah (a festa das luzes).

O Evangelho de João (2.20) registra os judeus afirmando a Jesus que foi gasto 46 anos para edificar o Templo. Os sinóticos são unânimes no registro de que, poucos dias antes da crucificação de Jesus, seus discípulos chamaram sua atenção para as pedras do Templo. Herodes resolvera embelezá-lo.

Aumentou o tamanho dos átrios, ampliou a esplanada (que chegou a ser 4 vezes maior do que a da Acrópolis de Atenas) e a circundou por alpendres. Elevou frontispício do lugar santo para 50 metros de altura e construiu a Torre Antônia no canto noroeste da esplanada com ótimas acomodações e com um quartel que possibilitava aos soldados saírem direto no átrio dos gentios. Era o que chamamos de Templo de Herodes.

Foi destruído pelo general romano Tito no ano 70 em uma luta tão angustiosa que a Igreja a comparou ao “fim dos tempos”.

Resumindo: Primeiro, o Tabernáculo (com 25m de largura por 50m de comprimento), feito de madeira e peles, que acompanhou Israel por cerca de 530 anos e foi montado em diversos lugares. Depois, o Templo de Salomão com o dobro das medidas (50 por 100m), feito dos melhores materiais da época, e edificado no lugar mais significativo para a história do Povo de Deus, ficou de pé cerca de 380 anos. Em terceiro lugar, após o exílio, o Templo de Zorobabel (com 30 por 60m), totalmente custeado pelo rei da Pérsia, e reformado 490 anos depois por Herodes. Finalmente o Templo de Herodes, que fez mais do que uma reforma (com cerca de 50 por 60m, mas com quase 300m por 600m de esplanada), que durou apenas 96 anos, grande parte deles em obras.

Observe que, com o passar do tempo, o tamanho aumenta, o significado para o povo também aumenta, mas o Santo dos Santos vazio aponta para o esvaziamento do significado real.

O Templo de Herodes ainda estava de pé e no dia de pentecostes e celebrava-se lá uma das mais elaboradas e caras cerimônias de então. Nesse mesmo instante, em um simples terraço, a “presença de Deus”, que havia se manifestado no Tabernáculo e no Templo de Salomão, se manifestou sobre cada um dos discípulos de Jesus. Um Templo novo estava sendo inaugurado pelo próprio Deus. Não de peles de animais, como o Tabernáculo, nem de pedras, como o Templo de Salomão, mas de pessoas consagradas pelo Senhor.

Desde então este é o verdadeiro Templo. Nele o Espírito do Senhor faz morada: “Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16).

No mesmo texto em que os judeus falam do tempo da reforma Jesus deixa clara a identificação do templo com seu corpo. De fato, essa relação é a chave do significado do templo: ele era um tipo de Jesus. E, assim como no passado o tabernáculo, e seus sucessores, eram tipologicamente o corpo do Senhor, hoje, todos nós, somos membros desse corpo.

O Templo feito por Herodes já havia sido honrado por Jesus, que se referiu a ele como “a casa de meu Pai”, e o purificou. O Cordeiro de Deus não foi morto em seu altar, como as vítimas que o simbolizavam, mas, julgado e condenado em suas instalações, foi imolado no mais ignominioso altar que se possa conceber: a cruz.

Assim que Jesus expirou, o véu do santuário (a cortina que separava o Santo Lugar do Santíssimo) foi rasgado. O templo estava sendo definitivamente preterido e, para que a Igreja – acostumada a reunir-se no alpendre de Salomão – o esquecesse de vez, Deus o destruiu completamente a ponto de não ficar pedra sobre pedra.

Continuar sacrificando, mesmo que simbolicamente como faz a Igreja Católica é desprezar o sacrifício de Jesus. Levantar outro templo, seja em Jerusalém, seja em São Paulo é zombar daquilo que foi finalizado pelas benditas palavras “está consumado”.

Um comentário:

Rev. Ageu Magalhães disse...

Caro Rev. Fôlton, texto edificante e elucidativo. Continue escrevendo, por favor. Abraço.