Embora Cesar nunca tenha sido muito cortês comigo, desde pequeno fui instruído a dar a ele o que é dele com a mesma disposição que dou a Deus o que é de Deus.
Depois de chefe de família e com a obrigação de fechar as contas do mês, muitas vezes fui tentado a sonegar, pelo menos um pouquinho, daquilo que Cesar impiedosamente arrancava de meu bolso e da manutenção de minha família.
Duas vezes, de modo muito particular, odiei a Cesar com todas as forças de minha alma. A primeira quando viajava com minha família e, em menos de 100km tive de trocar os quatro pneus do carro que foram rasgados em buracos na rodovia. Isso aconteceu uma semana após eu ter pago o IPVA! A segunda vez não vale a pena contar.
Entretanto, sempre acreditei, e ainda acredito, que não há autoridade que não seja constituída por Deus. Mesmo as más e corruptas. Afinal quando o Apóstolo Paulo escreveu isto o Cæsar Romano era o infame Nero.
Sempre acreditei que todos os governos brasileiros trabalharam visando, de um modo ou de outro, o bem do povo brasileiro. A Constituição outorgada pelos militares começava dizendo: Art. 1 §1º - Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. A “Constituição Cidadã”, promulgada pelo nosso congresso em 1988, em vigência, diz em seu Art. 1 §único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
É um novo tipo de governo. Não é mais um Cæsar que se impõe, como na Roma antiga, ou um como se vislumbra nas entrelinhas da Constituição de 1969, mas um Cesar que é eleito pelo povo e que até admite a possibilidade do próprio povo, nos termos da Constituição, exercer o governo diretamente. E isso aconteceu nos últimos dias: A Lei da Ficha Limpa.
Não vou entrar no mérito dela (se ela satisfaz as exigências da Constituição ou não), sou incompetente para tanto. Mas sei dizer que ela nasceu do desgosto acumulado com a má qualidade dos Césares eleitos. Antes de elegerem-se prometiam tudo para seus eleitores, depois de eleitos faziam tudo para si próprios. Daí a tal lei popular, prevista na Constituição de 1988. Porém, nem mesmo assim, se conseguiu mudar esse dispositivo legal, apesar da gigantesca mobilização: ela já foi fatiada e a fatia que sobrou está moribunda.
As mudanças de leis em nosso país acontecem historicamente em três casos.
1º - Golpes militares: o de 1964 não foi o único. Houve o de Getúlio e há quem diga que a proclamação da República, se não foi um golpe, foi muito parecido com um.
2º - Pressões religiosas da Igreja de Roma: Dentre muitas destaco apenas duas. A construção do monumento do Cristo Redentor, contra o qual protestamos através de nosso Supremo Concílio, e o estabelecimento do Feriado de Nossa Senhora Aparecida pelo Presidente João Figueiredo, que provocou protesto de toda comunidade evangélica de então. Desse poder religioso sobre o estado, que se define como laico, foi que nasceu a expressão “vá reclamar com o bispo”.
3º - Pressões econômicas (parece ser a mais corriqueira): Além das que não aparecem, estamos debaixo de uma verdadeiramente acintosa: As leis brasileiras proíbem os torcedores de entrarem com bebidas alcoólicas nos estádios. Entretanto a FIFA - organização internacional - que organiza a Copa do Mundo, e é patrocinada por fabricantes de bebidas alcoólicas, está pressionando nosso congresso para que mude esta lei.
Se nosso congresso mudá-la por pressão da FIFA - não tendo mudado o ingresso de políticos com “ficha suja”, mesmo sabendo qual é a opinião dos brasileiros - não seria o caso de criarmos novo ditado: Vá reclamar com a FIFA?
Ou será que a FIFA é um novo modo de sensibilizarmos nossos Césares? Dia desses um que está lutando a favor dela declarou: “o álcool não é o problema, cada um é que deve ser responsável.” Não é esse o argumento que nós, os protestantes, usamos?
Nunca vi um jogo de futebol em um estádio, mas sei que a multidão se descontrola até mesmo sem álcool. Entretanto, o álcool potencializa em muito.
Portanto, sou a favor da proibição brasileira e deploro que uma organização estrangeira consiga fazer o que milhões de brasileiros não conseguiram: alterar a vontade de nossos césares.
Que Deus nos dê forças para tolerar esse tipo de césar (com minúsculas mesmo) que não são melhores do que aquele que levou o Apóstolo Paulo à morte.
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