Embora sequer seja feriado oficial nenhum brasileiro duvida de que, desde sexta até o meio dia de quarta-feira há alguma tolerância com quem não comparece ao trabalho. Afinal é carnaval. Mas por que quarta-feira até meio dia? Para dar tempo de se ir à missa da manhã e receber cinzas sobre a fronte.
Cobrir-se de cinzas era um costume bíblico do Antigo Testamento. Faziam isso em demonstração de grande tristeza ou de grande arrependimento. Geralmente jogavam as cinzas de uma fogueira (apagada) sobre a própria cabeça. Na maioria dos casos faziam isso vestidos de pano de saco. Modernamente o costume está restrito à Igreja de Roma e à quarta-feira depois do carnaval.
Antes da missa propriamente dita recebe-se do padre o desenho de uma cruz feito com a cinza dos ramos queimados do Domingo de Ramos do ano passado, que só deve ser lavado após o por do sol.
Na ordem litúrgica prevista para a cerimônia lê-se um dos seguintes textos bíblicos:
“Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal” (Joel 2.13).
“Chorem os sacerdotes, ministros do SENHOR, entre o pórtico e o altar, e orem: Poupa o teu povo, ó SENHOR, e não entregues a tua herança ao opróbrio, para que as nações façam escárnio dele. Por que hão de dizer entre os povos: Onde está o seu Deus?” (Joel 2.17).
“Ouvi minha oração! Sede propício para com a partilha de vossa herança, e mudai em gozo nossa dor, a fim de vivermos para celebrar vosso nome, Senhor, e não fecheis a boca daqueles que vos louvam, ó Senhor!” (Ester 13.17 - Note que os capítulos 11 a 16 foram acrescidos pela Igreja de Roma ao livro de Ester).
Acompanhados do seguinte responsório (que o missal diz ser baseado no salmo 78.9. Ou seja: 79.9 na versão protestante):
Corrijamos para melhor o que por ignorância erramos, não suceda que, surpreendidos pela morte, queiramos o tempo para fazer penitência e não o encontremos.
* Olhai para nós, Senhor, e tende compaixão, porque pecamos contra Vós. Ajudai-nos, ó Deus da nossa salvação, e livrai-nos pela honra do vosso nome.
* Olhai para nós, Senhor, e tende compaixão, porque pecamos contra Vós. Glória ao Pai.
* Olhai para nós, Senhor, e tende compaixão, porque pecamos contra Vós.”
Sem dúvida o momento é de contrição.
Porém, parece que é feito sob medida, muito diferente do que se diz no início do responsório (que por ignorância erramos). Como se os excessos do carnaval fossem, não apenas previstos, mas encomendados.
De fato, não é muito difícil ver na história que o carnaval brasileiro está ligado à Igreja de Roma, que sempre permitiu seus excessos (afinal, depois os perdoava no confessionário ou na contrição das cinzas), para em seguida começar o duro período da quaresma.
Originalmente a quaresma deveria ser um período de preparação para acompanhar melhor a última semana de Jesus (que recebe tanto destaque dos Evangelhos) e lembrar os quarenta dias de jejum de nosso Senhor (Moisés e Elias também?) como preparação para um ministério que está para vir. É certo que nunca exigiu-se quarenta dias de jejum, mas abstinência de carnes e bebidas.
Mas, do que vale isso se o coração já estiver disposto antecipadamente a dizer: “vou aproveitar estes últimos dias em que a carne vale, já que depois serei obrigado a ficar quarenta dias mortificando meu apetite”. Pior! Quando o apetite transcende a gula e espraia-se em todas sorte de devassidão, a ponto de não se ver mais limites morais.
Agora... O que mais me espanta é: Como é que algo que tenha começado sob a tutela da religião tenha chegado a tal ponto?
Na verdade, pode ser até difícil de explicar, mas é fácil de se encontrar outros exemplos, até na própria Bíblia: Quando Jeroboão dividiu Israel, formando o Reino do Norte, para prevenir uma futura reaproximação estabeleceu um novo tipo de culto, cuja celebrações, não muito tempo depois, transformaram-se em verdadeiras festas de orgia.
Um alerta deve sempre soar em nossas mentes: há um grande conteúdo comum entre idolatria e orgia: a satisfação do eu para a qual não há limites.
Qualquer adoração que for baseada no eu, fatalmente, mais cedo ou mais tarde, cairá no mesmo erro. Vejas os Grupos de Louvor nascidos dentro das igrejas protestantes tradicionais. Evoluíram. Cresceram. Saíram das Igrejas. Viraram blocos de Carnaval e hoje já podemos encontrar a versão Carnaval Gospel.
Como já dizia o Pregador: “não há nada de novo debaixo do sol”.
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