Quantas vezes o Senhor Jesus deixou seus discípulos passarem uma noite infrutífera para logo de manhã lhes socorrer? Diversas.
Não foi assim quando ele os compeliu a embarcar após a multiplicação dos pães? Durante a noite inteira remaram apenas 5 a 6 quilômetros, contra o vento e as ondas, mas pouco antes do amanhecer Jesus os alcançou e os levou a bom porto.
Não foi assim quando Pedro, de longe, o via sofrer nas mãos dos sacerdotes, levitas e anciãos? Apenas, após o canto do galo, de madrugada, sob açoites, foi que o Senhor o “visitou” com seu olhar, e o levou ao porto das lágrimas, em que deveria abandonar sua valentia inconseqüente.
Não foi de madrugada que ele apareceu às mulheres que o procuravam no túmulo, após uma noite mais longa do que a noite comum, e capaz de envolver diversas noites com uma escuridão que cobre o sol e a alma?
Agora, muitos dias após sua ressurreição, Jesus estava sendo esperado por seus Apóstolos na Galiléia. Antes de ser preso pelos levitas, ele lhes marcara encontro lá, e os relembrara através das mulheres. Verdadeira noite de espera.
Muito mais aterradora do que a noite que envolveu o sábado, esta se alongou por vários dias e envolveu as almas de todos. Especialmente a alma de Pedro.
“O que será que o Jesus fará comigo?” Deveria pensar Pedro. “Ele lá apareceu às mulheres, à Cleopas - que nem é um dos Doze - e ao outro na estrada de Emaús. Mandou que Madalena me avisasse. Mas só apareceu a mim junto de todos. E nas duas vezes que me apareceu não me falou nada. Já apareceu até à Tomé, e fez questão de lhe mostrar seus ferimentos. Mas, comigo, nem uma palavra”.
“Eu prometi morrer por ele e o neguei. Menti. Praguejei. Jurei! Garanti que não o conhecia. E ele sabia o que eu estava fazendo. Aliás, sabia antes que eu o fizesse”.
O Salmo deve ter ressoado aos ouvidos de Pedro: “Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda”.
A angústia era enorme. Muito maior do que a angústia que ele sentiu naquela noite em que, com os outros, remara contra o mar encapelado. Agora ele estava só, e não sabia o que esperar de seu Senhor que tanto advertira sobre vigiar e que tantas vezes o corrigira.
“Vou pescar”. Disse então.
Estas duas palavras revelavam seu íntimo. Era como se ele dissesse: “Não agüento mais. Desisto”. Parece que os demais estavam angustiados também, pois foram com ele.
Era início de primavera e os dias ainda estavam frios. As noites mais frias ainda. E uma noite em um barco era gelada. Mas o esforço para afastar aquela angústia fazia com que Pedro trabalhasse mais. A ponto de, suado, tirar suas roupas.
Por alguns instantes experimentou os velhos sentimentos de liberdade que tinha antes de conhecer a Jesus: voltara a fazer o que sempre fizera sem depender das ordens de ninguém. Despreocupara-se da vida. Talvez percebesse que a noite passava sem qualquer pescado, mas, pelo menos, passava. Era melhor do que ficar remoendo as lembranças.
Aquela noite, que envolvia os dias, condensava-se em uma noite de trabalho infrutífero tão óbvio quanto remar contra as ondas. Mas nem mesmo ele percebia.
A claridade já mostrava a praia e nela um vulto. No silêncio, ouviram a ordem de jogar as redes do lado direito do barco. De repente aquilo que não conseguiram durante toda uma noite afanosa ameaçava romper as redes.
Quem fora chamado a ser pescador de homens não poderia mais resolver sua vida pescando peixes.
Pedro se vestiu. Era o Senhor.
Certamente lhe veio a mente o que acontecera dois anos e meio antes, quando, no mesmo lago, após uma noite de pesca infrutífera, dois barcos quase afundaram com tantos peixes após o Senhor mandar que jogassem a rede. Naquela ocasião, “prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador”. Mas Jesus respondeu: “Não temas; doravante serás pescador de homens”.
O Senhor, que tinha todo direito de repreendê-los - especialmente a Pedro - os recebeu com pães e peixes, prontos para ser comidos, como acontecera nas duas multiplicações, e os serviu como fizera na ceia.
A vez de Pedro havia chegado.
Sua repreensão foi a mais dura. Como sua negação fora tríplice seu amor foi questionado três vezes e depois de cada questionamento sua missão, dada há dois anos e meio lhe era relembrada: “apascenta minhas ovelhas”. Era como se Jesus lhe dissesse: não se ocupe de nada mais além de fazer o que eu estou mandando.
Na primeira ocasião em que, prostrado aos pés do Senhor, ele confessou-se indigno recebeu a missão de pescar homens. Agora confessando que o sabedor de todas as coisas - até daquilo que ainda não foi dito - sabia também o quanto era amado por ele, recebeu a missão de alimentar seu rebanho.
A noite chegou ao fim. A manhã, brilhante sobre o Mar da Galiléia era pálida diante da que brilhava no coração de Pedro.
Manhãs assim sempre brilham e sempre brilharão sobre aqueles a quem o Senhor chamou.
4 comentários:
Muito bom...
Deus lhe dá a capacidade de perceber detalhes no texto sagrado que me passa sem chamar a atenção.
Me lembra também, a sua abordagem, um leve toque de soberania... Deus deixa primeiro que desistamos (vou pescar...) e depois se aproxima...
Excelente peixe, rs, digo, palavra, rs,
Oliveira;
Obrigado. SOli Deo Gloria!
Ora pro nobis.
Ab
Fôlton
Pensador;
Puixes múltiplicados para ti e para os teus.
ab
Fôlton
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