domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ainda o mesmo rio

Um rio que nasce nas montanhas, desce-as em cascatas e corredeiras, encorpa-se e muda de ambiente em grandes cachoeiras e depois deságua no oceano, de onde procede cada gota que o forma, serviu-me na semana passada de metáfora da História da Redenção.

Não usei uma figura desconhecida. A paisagem bíblica está cheia de rios. O Rio da Vida é citado no Gênesis e reaparece no Apocalipse, o salmista canta as corredeiras de um rio que alegram a cidade de Deus e a profecia de Ezequiel consuma-se num rio que nasce no templo do Senhor.

Fisicamente o Rio Jordão domina desde Josué até João Batista e não há como esquecer os rios estrangeiros: Nilo, Tigre, Eufrates e o pequeno Jaboque.

Porém há uma falha na metáfora. Enquanto o rio desce ao sabor do terreno e corre para onde a inclinação lhe favorece mais, a História de Redenção é traçada por Deus.

Aliás, até de um ponto de vista humano a história não é fortuita. Não ocorre ao acaso, nem está na mão dos homens, mas seus agentes a cumprem.

Ouvi alguém dizer que estamos vendo a história ser feita nos recentes acontecimentos do Egito. Concordo. Entretanto, o que está acontecendo lá é o desdobramento de um acontecimento menor: a reação de um vendedor de verduras na Tunísia à extorsão repetida de policiais corruptos. Tal reação se alastrou pelo norte da África como uma onda coordenada por uma mão invisível. E nós sabemos muito bem que mão é essa.

Se a história, como um rio, fluísse ao bel prazer da inclinação do terreno, tudo estaria como sempre esteve.

As águas do Rio “História da Redenção” originadas em nascentes de promessas e pactos, são engrossadas por muitos afluentes, mas especialmente pelos profetas, dos quais disse o SENHOR: “Desde o dia em que vossos pais saíram da terra do Egito até hoje, enviei-vos todos os meus servos, os profetas, todos os dias; começando de madrugada, eu os enviei” (Jr 7.25).

Sempre houve profecias. E como todas as profecias procedem de Deus não existe coisa mais garantida ou certa do que uma profecia. A primeira foi dita pelo próprio Deus ao garantir que o descendente de Eva haveria de ferir a cabeça da serpente ainda que ela ferisse seu calcanhar: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15).

Deus continuou falando “muitas vezes e de muitos modos aos pais pelos profetas” e sua palavra continuou inquebrável e certa. Tão certa que falando dela o Senhor Jesus garantiu que ela era mais estável do que o céu e do que a terra. Estes poderiam passar. Ela não.

Curiosamente, não é isso que vemos em nossos dias.

Vi dois amigos se encontrando. Um cumprimentava o outro pelo sucesso obtido e o outro respondeu: “Continue profetizando. Profetize mais. Que aconteça dez por cento das profecias e estará bom”.

Veja: Profecia estava sendo tomada pelos dois como desejo de sucesso. E para os verdadeiros cristãos profecia é a certeza de algo que vai acontecer por que Deus determinou que acontecesse.

Deus mostrava ao profeta o Rio “História da Redenção” então ele podia dizer com certeza: haverá cativeiro, pois ele está vendo a “cachoeira” à frente dele. Ele podia dizer haverá tempo de paz, pois Deus o permitia ver o “traçado remansoso e caudaloso” do rio que se estendia pela planície adiante.

Profetizar, não é desejar. Profetizar não é brincar. Profetizar não é ter bons sentimentos. Jeremias sofria com o que tinha de dizer, pois Deus reservou a ele revelações amargas a dar a seus amigos e conhecidos.

Acima de tudo lembre-se de que os profetas pertenceram a um tempo próprio da História da Redenção. Não os espere encontrar hoje. Aliás, desconfie de quem se apresenta assim.

O “cuidado profético” ainda está presente no meio do Povo de Deus – afinal o rio ainda tem a mesma água que veio das nascentes – mas, como já nos aproximamos da foz e os afluentes já ficaram pra trás, a época de Elias, Isaías, Daniel, até mesmo a de João Batista, já passou.

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