Uma explicação inicial
Este Blog coleciona as mensagens que escrevo às ovelhas que o Senhor me mandou pastorear. O André foi uma delas.
Quando o conheci em 2004 era uma adolescente magrinho de corpo, mas enorme de inteligênciae idéias. Meio escanteado como o gordinho Mateus, como todos os que são diferentes e todos os que confiam na graça.
Todos os anos, às vésperas da semana santa, escrevo sobre o sacrifício de nosso Senhor. Entretanto, neste ano os acontecimentos me carregaram e não consegui impor minha rotina. Pensei também em escrever sobre a tragédia do Realengo, mas me senti chovendo no molhado, pois o que eu via, alguém já tinha visto antes de mim. Agora o André me ofereceu esta pérola de texto falando da tragédia e através dela mostrando a esperança da ressurreição.
Que texto bom!
Leiam. Eu li e chorei. Chorei por que vi a graça que salvou o gordinho Mateus e a graça que conduz o André.
Folton (um pastor pela graça de Deus, que se alegra quando suas ovelhas cescem na graça divina também).
Vencendo a Morte
Por André Eler
"Relaxa, gordinho, eu não vou te matar." Parece piada, mas essa é a crônica que mais me emocionou nessa que foi, provavelmente, a maior tragédia em ambiente escolar no Brasil. Pode parecer específico demais, mas é válido ressaltar este aspecto: trata-se de um lugar de aprendizado e, por isso, qualquer ato, como o que matou as dez meninas e dois meninos em Realengo, toma proporções ainda mais dramáticas. Escolas, lares e igrejas deveriam ser os lugares onde qualquer pessoa - e especialmente pessoas em formação - estivessem mais protegidas na face da terra.
Deveriam. E é por isso que, por mais que se critique a espetacularização da tragédia, são esses episódios inusitados que mais causam comoção no espaço público. É exatamente por lares, escolas e igrejas serem lugares tão próprios da vida privada que um ato que lhes tira a paz plena torna-se o tema preferido da comoção pública. A família, o ensino e a fé são direitos intocáveis. É isso que mais espanta. Os escândalos nesses três âmbitos nos fazem desacreditar no mundo.
Daí, ocorre-me o testemunho de Mateus, um moleque que tem muito mais a dizer do que qualquer especialista em psicologia de psicopatas. Ele disse que o atirador do Realengo dava tiros nas cabeças dos colegas. Ele pensou que fosse morrer. Pediu a Deus para que não morresse. Começou a orar - e um pouco de atenção aos falantes brasileiros nos dá a dimensão de que Mateus foi criado em um ambiente em que a fé cristã é primordial, provavelmente um lar evangélico da Zona Oeste do Rio. E orando, ouviu sua sentença: "Relaxa, gordinho, eu não vou te matar." Só uma boa dose de monstruosidade explica um massacre de adolescentes em uma escola de um bairro pobre. Mas nada explica por que um monstro dispensa favor ao gordinho. Que monstruosidade é essa que se compadece de alguém quando o vê se entregar a Deus? Por outro lado, que fé é essa que julga e condena a todos, e se consuma com o sangue de inocentes? Que tipo de doença produzem nossos conceitos equivocados da pureza do sacrifício de Cristo?
Talvez eu tenha me identificado com o Mateus. Eu também cria, aos 12, 13 anos, que uma oração às vezes tem poder quando não há nenhuma saída. Eu era um dos poucos gordinhos da turma. E também me sentia impotente em relação ao mundo. Só que Mateus me encanta mais pela forma como o destino lhe devolveu a vida. De graça, sem explicação, num ato de misericórdia de um coração onde parecia não haver misericórdia alguma - e não se enganem achando que isso torna o atirador melhor. Para as famílias dos que morreram, para os adolescentes e pais traumatizados e para a maioria de nós, indignados, o único conceito que explica o nosso próprio Columbine é a desgraça. Alguns, no entanto, percebem que desgraçados somos todos - por sermos propensos a praticar atos selvagens como os do atirador, ou por sermos incapazes de reagir a eles, ou por reagirmos tarde demais e salvando dezenas de adolescentes, como fez o sargento Alves, carregarmos o peso de doze mortes. É a esses que percebem o quanto somos mesmo desgraçados que o testemunho e o olhar de Mateus devolvem a esperança.
Um comentário:
Andre, li e gostei muito do texto, muito bem observado por voce a graca que salvou o gordinho... valeu!!!
Adriano (USA)
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