sábado, 14 de janeiro de 2012

Os lábios de Isaías

O profeta Isaías viveu nos dias em que o Reino do Norte foi levado cativo pelos assírios, cerca de cem anos antes que os babilônios os derrotassem e levassem Judá para o cativeiro (época em que profetizava Jeremias).

Desde que o povo quis ser governado por reis, Deus lhes enviou profetas que deveriam lembrar-lhes suas leis, mas, não raro esses profetas se corrompiam e faziam o que os poderosos desejavam.

Isso tornou-se mais comum após Jeroboão ter dividido o Reino separando as 11 tribos, que passaram a seguir seus próprios caminhos. É nesse contexto que se pode entender a desavença do profeta Amós - que era contemporâneo de Isaías - com o sacerdote Amazias: “Então, Amazias disse a Amós: Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza; mas em Betel, daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino. Respondeu Amós e disse a Amazias: Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e colhedor de sicômoros. Mas o SENHOR me tirou de após o gado e o SENHOR me disse: Vai e profetiza ao meu povo de Israel” (Am 7.12-15).

Porém, nem mesmo vendo o destino deles, Judá fez diferente. Os governantes de lá também usavam os sacerdotes e os profetas para conduzir o povo conforme seus interesses. Os profetas, à serviço do status quo traziam uma “palavra boa”. Uma palavra de ânimo. Contra ele o SENHOR disse: “porque desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à ganância, e tanto o profeta como o sacerdote usam de falsidade. Curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz. Serão envergonhados, porque cometem abominação sem sentir por isso vergonha; nem sabem que coisa é envergonhar-se.” (Jr 6.13-15).

Em outro lugar: “Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra: os profetas profetizam falsamente, e os sacerdotes dominam de mãos dadas com eles; e é o que deseja o meu povo” (Jr 5.30-31).

Embora os dois último textos sejam da época de Jeremias - cerca de cem anos depois - foi em um contexto assim que viveu o profeta Isaías.

Certamente ele era um sacerdote ou jamais teria acesso ao Templo onde viu o SENHOR, conforme relatou no capítulo 6 de sua profecia. E o estilo de seu texto, seu vocabulário rico e sua habilidade com as palavras revelam que era muito hábil com as letras. Provavelmente era também escriba.

Isaías, como mais tarde aconteceria a Zacarias, pai de João Batista, teve uma visão dentro do templo: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça” (Is 6.1-4).

Releia pausadamente e veja o cuidado do profeta em descrever a majestade do que viu. Agora, veja qual é a primeira reação dele: “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!” (Is 6.5).

O que para muitos seria a maior bem-aventurança - ver o SENHOR - para Isaías era uma perdição. E esclarece a razão: seus lábios. Localiza imediatamente seu pecado e Deus concorda com seu diagnóstico.

Em Israel daqueles dias pecar com os lábios poderia ser qualquer coisa: desde fofoca, a conversas torpes. Tudo isso era prática corriqueira e tolerada. Porém, nos lábios de um sacerdote, especialmente de um que exercia um ministério profético, expondo a seus pares e ao povo à Lei do SENHOR, dificilmente seu pecado seria outro que não a adulteração da mensagem do SENHOR.

De lábios purificados pelos seres flamejantes (a isso alude a palavra Serafins, que só aparece aqui) com uma brasa viva tirada do próprio altar, perdoado seu pecado e tirada sua iniquidade, Isaías é comissionado pelo Senhor para ser sua boca. Sua mensagem terá de ser tão crua até restar apenas a santa semente.

Notou a inversão? O que é cantado por muitos como bem-aventurança (“Quero tocar-te, tua face ver...” Ou “Teu rosto vendo, nada temerei...”) para Isaías era sinal de perdição, pois seu pecado gritava mais alto.

Mas ainda há outra inversão: Pregar para espantar a falsa semente? Pregar até restar apenas os que realmente foram chamados por Deus?

É isso mesmo. A última coisa que se pode fazer - e que estamos fazendo hoje - é confundir pregação com publicidade e propaganda. Pregação foi o instrumento usado por Deus, para, através do profeta Isaías, separar o seu povo. Não pode ser diferente hoje.

Um comentário:

Maurício Barbosa disse...

É com dor no coração que constatamos que os costumes daquela época perduram até hoje. Pregadores há que transigem o conteúdo de suas mensagens para garantir um bom auditório.

Que o Senhor tenha misericórdia de todos nós.

Abs,
Maurício

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