Nos
Estados antigos essas três componentes eram resumidas na vontade de quem
detinha o poder, seja pela força ou por herança. Um bom exemplo é o Egito em
que José como mão direita do faraó, estocou alimentos e no tempo de escassez,
em troca deles, recolheu todo dinheiro que circulava (Gn 47.14-15). Findo o
dinheiro, adquiriu, ainda em troca de alimentos, todos os rebanhos e
propriedades bem como os inadimplentes como escravos (Gn 47.16-21). Finalmente,
estabeleceu nova ordem onde o povo passou a ser arrendatário da terra a uma
taxa de 20% de tudo o que fosse produzido (Gn 47.23-26).
Não
havia limites para o poder do governante e consequentemente para o tamanho do
Estado.
A
legislação é pedra de toque: Enquanto a legislação nos Estados antigos era a
expressão da vontade do soberano, nos Estados modernos (onde, via de regra, os
legisladores são eleitos) ela representa a vontade do povo que os elegeu. E a
origem da legislação era a diferença básica entre o Estado implantado por Josué
na Terra prometida: Deus era o único legislador.
Inicialmente
esse Estado era o mínimo dos mínimos. Não havia um governo central e cada tribo
era governada pelos seus próprios príncipes. Quando afrouxavam a observância à
lei divina, Deus levantava um inimigo para oprimi-los e quando se arrependiam, Deus
lhes suscitava um Juiz que os conduzia em vitória sobre aquele inimigo. Isso se
repetiu quatorze vezes em um período de quatrocentos anos.
À
luz da Bíblia o embrião de todo governo é a justiça. Fazer justiça é a missão
prioritária de qualquer governante, depois defender a nação de ameaças externas
e defender os oprimidos. Tudo isso de conformidade com a lei de Deus, que dispunha até sobre a guerra (veja o capítulo
20 de Deuteronômio).
Naquele
Estado implantado por Josué resolveram então centralizar o governo e transformarem-se
em uma monarquia imitando seus vizinhos. Deus os alertou sobre qual seriam os
direitos do rei (recrutar soldados e servas, desapropriar bens e cobrar
impostos) e os advertiu a não o buscarem reclamando (1Sm 8.11-19), mas
preferiram fazer conforme o próprio coração. Em outras palavras: aumentaram o
poder do Estado (cuja natureza é sempre usurpar o domínio de Deus): “Atende à voz do
povo em tudo quanto te diz, pois não te rejeitou a ti, mas a mim, para eu não
reinar sobre ele” (1Sm 8.7).
Os
reis sucederam-se sobre Israel. Depois de Saul, Davi estabeleceu sua casa e seu
filho Salomão agigantou o Estado o quanto pôde, mesmo tendo de desobedecer a
Lei de Deus. A política centralizada e seu suporte militar renderam a Salomão muitos
inimigos, até seu supervisor de trabalhos forçados, Jeroboão, teve de fugir
para o Egito para escapar de sua ira (1Re 11.26-40). A economia, também
centralizada, dependia totalmente de impostos altíssimos.
No
reinado de Roboão, filho de Salomão, as demais tribos se revoltaram contra a de
Judá exatamente pela exorbitância dos impostos que Roboão insistia em continuar
cobrando e criaram o reino do norte no qual diversas famílias sucederam-se no
poder. A tribo de Judá, seguida pela metade da tribo de Benjamim, continuou
fiel à família de Davi. Dentre eles Uzias exemplifica bem este tema.
Uzias
reinou cinquenta e dois anos sobre Judá, e, mediante a guerra e a dissuasão
militar, solidificou as fronteiras, edificou torres de defesa sobre os muros de
Jerusalém e ao longo do território com a missão de mantê-lo sob vigilância e
garantir a segurança dos trabalhadores do campo. Era tido por “amigo da
agricultura” e possuía um exército muito bem armado. Pelo relato do
cronista (2Cr 26), parece que seus gastos militares trouxeram prosperidade. Ensoberbecido,
quis aumentar o poder do Estado até sobre a religião, porém os verdadeiros
sacerdotes (“homens da maior firmeza”) o resistiram e Deus
o castigou.
O
contraste entre o tamanho do Estado nos dias dos Juízes e nos dias de Salomão (ou
de Uzias) é muito grande. É certo que as palavras “Naqueles dias, não havia rei em Israel;
cada um fazia o que achava mais reto” (Jz 17.6 e 21.25) trazem a
impressão de uma apologia ao Estado monárquico, mas, bem examinadas, revelam
muito mais a insubordinação de um povo que não se submetia à lei divina. Se nos
Estados modernos a democracia depende do comprometimento de seus cidadãos com
as leis, na época dos Juízes o cumprimento das leis divinas era a essência da
manutenção daquele Estado e o esquecimento delas foi a razão de seu fim. Eles
não questionaram as leis de Deus, mas também não as obedeciam e, pior, pediram
um rei que impusesse seu cumprimento. Ou seja: aumentaram o Estado para que os
tutelasse. Em vez de cumpri-las por temor de Deus, estavam dispostos a cumpri-las
pelo temor ao Estado.
Porém,
essa não é a natureza do Estado (fazer cumprir as leis de Deus). Sua tendência
natural é impor suas próprias leis, assumindo o lugar dele. Quanto maior é o
Estado, maior será a independência de Deus. Num Estado que garanta a todos o
básico, mais cedo ou mais tarde, Deus será esquecido e o exercício do amor ao
próximo se tornará desnecessário. Não haverá por que orar pelo “pão nosso de
cada dia”, pois o estado o fornecerá. Não haverá por que se preocupar
com o bem estar dos menos afortunados, pois, se existirem, assisti-los será
obrigação do Estado. Em outras palavras: As duas tábuas ficam desnecessárias.
A
existência de governos (e consequentemente do Estado) sempre fez parte do plano
divino e depois da queda eles se tornaram indispensáveis. Porém, todos os
governos, sejam familiares, locais ou nacionais, devem refletir o governo
divino, pois até mesmo os que nasceram (e/ou se mantêm) pela força derivam sua
autoridade de Deus. É o que aprendemos do apóstolo Paulo através de sua carta
endereçada à Igreja de Roma escrita nos terríveis dias de Nero: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há
autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele
instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de
Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Rm 13.1-2).
Nenhum comentário:
Postar um comentário