No mínimo se dizia que os
Evangelhos contêm exageros próprios dos devotos, que, ao descrever o objeto de
devoção, saem dos limites da realidade e registram demais. Mas, notavelmente a
maioria aceitava parte da narrativa! Duvidar do todo é compreensível, mas
duvidar de partes e aceitar outras? Como selecionar as partes dignas de crença?
Diziam-se guiados pela razão. Ou
seja: acreditavam apenas no que achavam ser razoável. E assim... é razoável que
alguém, nascido na Galileia, nos dias do domínio romano, e que, embora tenha
sido educado em uma família humilde, torne-se um mestre e chegue a ter
discípulos. Mas não é razoável que ele tenha curado cegos de nascença,
multiplicado pães, muito menos, que tenha ressuscitado alguém ou a si mesmo.
Mortos não ressuscitam!
Partindo da pressuposição de que
os mortos não ressuscitam qualquer texto que afirme que isto aconteceu, a
priori, é produto de devotos (ou de canalhas).
Esta busca teve então
desdobramentos e um deles, o principal, aconteceu com o uso das ideias
marxistas de que a chave para o entendimento da história é a luta de classes. O
resultado tinha de ser o óbvio: para que a (liderança da) igreja mantivesse seu
poder sobre “as massas”, recorreu-se a relatos fantasiosos que têm por objetivo
manter o fiel enganado e dependente.
Observe que o pensamento
marxista não condena esse expediente como imoral. A condenação é política: os
outros não devem usá-lo, mas os defensores das classes mais exploradas (ou
seja: eles mesmos) podem usá-lo legitimamente.
Essas duas correntes ainda podem
ser vistas hoje: Enquanto uma diz que os evangelhos é uma expressão de devoção
e, portanto, cheia de exageros, os outros dizem que os evangelhos nasceram da
necessidade das elites para dominar o povo. A primeira nega parte do que foi
escrito e a segunda nega o todo.
Então, “Guiados pela razão”,
chegaram ao ponto de declarar que apenas quarenta, dentre todas as afirmações
feitas por Jesus são, de fato, verdadeiras. Os demais, guiados por Marx, sequer
se preocuparam em analisar as afirmativas per se, pois, no fundo, tudo
era um “folheto” usado para enaltecer a Igreja como representante de Jesus.
No primeiro caso, se a razão
guiou os críticos e os evangelhos apresentam a intervenção divina na história
humana, não seria de se esperar que o relato evangélico contivesse eventos que
ela não pudesse explicar? A resposta que deram foi peremptória: – Deus (se
existir) não entra em contato com o mundo material e os Evangelhos narram o que
gostaríamos que acontecesse e não o que, de fato, aconteceu.
Agora, por poucos instantes,
admitamos que Deus, de fato existe e quer intervir neste mundo. Não teríamos um
relato semelhante com eventos além da explicação racional? O que é peculiar à
mensagem cristã é o tipo de relacionamento que Deus estabelece com sua
criatura, que rebelde, e sem condições de voltar-se para ele, precisa ser
resgatada.
A mensagem dos Evangelhos,
portanto, está plenamente de acordo com o que eles se propõem: narrar como Deus
interveio na história humana.
Não preciso dizer que isto foi a
ruina para a fé de muitas pessoas. Alguns pastores engajaram-se em uma luta
contra os próprios ministérios e partiram para o ativismo político. Outros
(provavelmente os que classificavam os Evangelhos como exagero de devotos)
passaram a se dedicar mais à ação social. O próprio Schweitzer, professor de
teologia na Universidade de Strasburgo, depois de um curso de medicina, abriu
um hospital na África, onde passou a viver.
O relato evangélico só faz real
sentido se for recebido em sua íntegra. O caráter do Senhor Jesus, de tão rico,
precisa dos quatro relatos para ser apreciado em sua totalidade. E da
apreciação dele depende a solidez de nossa fé.
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