quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Há uma Estética Cristã?

Não há como questionar a existência de uma ética cristã. Afinal as exigências que Jesus faz sobre o comportamento são maiores do que as que o senso comum - o orientador da ética geral - permite.

A ética geral diz que é errado matar alguém, mas a ética cristã diz que é igualmente errado odiá-lo. A ética geral apenas reprova o adultério como questão de “quebra de confiança”, mas a ética cristã o classifica como o único pecado cometido contra o próprio corpo. Há muitos outros exemplos.

Entretanto, não tenho visto acordo sobre a existência de uma estética cristã, que esteja para aparência do cristão assim como a ética está para seu comportamento. Ou, pelo menos, que, de certa forma, o obrigue a determinadas preferências como a ética cristã o obriga a determinados comportamentos.

Geralmente coisas assim são classificadas apenas como questão de gosto. Mas, será que qualquer uso que façamos de meios que atingem os sentidos de nosso próximo, ou deleitam o nosso coração, são indiferentes?

As Escrituras associam certos “aspectos” à realidades concretas, transmitindo-nos a impressão de que existe uma estética normativa. Veja os seguintes exemplos:

As referências que as Escrituras fazem a céu aparecem sempre associadas a claridade, luz, águas, alturas, harmonias, lado direito, caminho estreito, poucas pessoas, paz, etc. Ao passo que as referências a inferno aparecem sempre associadas a escuridão, trevas, sequidão, subterrâneos, barulho, lado esquerdo, caminho largo, multidões, guerra, etc.

A alegria sempre é associada com a virtude e a tristeza com o erro. Mas a alegria excessiva, sem domínio, também é condenada, como a tristeza pelos próprios erros é enaltecida.

A harmonia, a verdade, a cortesia, o frescor, os aromas e outros valores, que estão no limite entre a estética e a ética, são sempre mostrados como prêmios a virtudes cultivadas. Ao passo que seus opostos muitas vezes são usados para descrever castigos.

Prosperidade e penúria, saúde e doença, bom ânimo e abatimento, vitória e derrota, autocontrole e dissolução são também binômios antitéticos freqüentemente presentes e associados a bênçãos e maldições.

Há outras citações, mas, por amor à concisão, destaco as palavras do SENHOR através de seus profetas em que a beleza representa valores maiores. Por Jeremias (2.32) Deus se queixa de que a virgem não esquece seus adornos nem a noiva seu cinto, mas seu povo se esqueceu dele. E Isaías (61.10) refere-se a salvação como vestes e à justiça como manto tal qual o noivo que se adorna com um turbante e a noiva se enfeita de jóias.

O pregador nos ensina em (Pv 25.12) que “Como brinco de ouro e enfeite de ouro fino é a repreensão dada com sabedoria a quem se dispõe a ouvir.” e nos ordena: “Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça” (Ec 9.8). Porém nosso Senhor é mais explícito: “Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto” (Mt 6.17).

Certos limites, porém, estão presentes: “... as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas)” (1Tm 2.9-10).

Repare então que, muito próxima da ética, e debaixo de sua orientação, há, sim, uma estética cristã. Beleza e harmonia parecem ser seus valores principais, pois são os mais repetidos. Tal estética visa nosso próprio bem estar tanto quanto o bem estar de nosso próximo. Não tenho dúvida de que seja normativa e que estejamos obrigados a respeitá-la, pois além de exprimir valores eternos é a “manifestação cortez” da ética a que o Reino de obriga a todos os seus súditos.

sábado, 16 de agosto de 2008

149 anos de lutas

Na semana passada comemoramos 149 anos da implantação da Igreja Presbiteriana em nosso País. Na realidade comemoramos o dia da chegada do primeiro missionário, pois ainda a estamos implantando. Não posso dizer que foram 149 anos apenas de lutas, mas foram principalmente de lutas.

Encontramos receptividade e desafios.

Aliás, quando se anuncia o Santo Evangelho as respostas invariavelmente são as mesmas recebidas pelo Apóstolo Paulo no areópago em Atenas: Objeção, procrastinação e aceitação.

“Quando ouviram falar de ressurreição de mortos, uns escarneceram, e outros disseram: A respeito disso te ouviremos noutra ocasião. ... porém, alguns homens que se agregaram a ele e creram” (At 17.32-34).

Invertendo a ordem: encontramos receptividade entre os que já haviam conhecido as Escrituras pela mão dos colportores, que haviam visitado o Brasil anos antes, disseminando a Bíblia.

Encontramos receptividade também entre os que tinham luta comum contra o status quo, como os maçons e os republicanos, pois viam o protestantismo como uma posição política e cultural de vanguarda comum aos países mais desenvolvidos de então.

Algumas vezes tal receptividade resultou em conversões sinceras, outras vezes em apoio indispensável, mas sem comprometimento religioso, e outras em apenas cobeligerância contra um obstáculo comum.

A procrastinação teve também aspectos positivos, pois creio que ela é o fator principal da índole tolerante do brasileiro, que, se não foi extremamente receptivo, também não foi violentamente refratário como aconteceu em Espanha, Portugal e França e em outros países onde muito sangue foi derramado.

A objeção, assumiu os mais diversos aspectos. Sofremos perseguições e algum derramamento de sangue. Precisamos construir cemitérios, pois nossos mortos “não deveriam contaminar a terra santa onde descansava o corpo dos fiéis” apesar dela ser pública e não de uma denominação em particular. Tivemos de estabelecer escolas, pois nossos filhos eram proibidos de freqüentar a escola, ainda que fosse pública. Mas não há como comparar ao que nossos irmãos sofreram nos países citados.

A esse tipo de objeção - velada, política e algumas vezes violenta - correndo o risco de ser mal interpretado, atribuo à superstição (que acaba sendo o desenvolvimento dos mesmos fatores que geraram a procrastinação). e que infelizmente está sendo aumentada pelos “neo-evangélicos”. É principalmente neste ponto é que nossa luta de 149 anos continua.

Costuma-se dizer que o brasileiro é 1/3 indígena, 1/3 europeu e 1/3 africano. Portanto, 1/3 animista, 1/3 racionalista e 1/3 politeísta.

Não concordo. Pois o “europeu” que veio para cá havia ficado 400 anos debaixo da influência moura (mulçumanos que invadiram a península Ibéria através da África). Ou seja: o cristianismo que chegou aqui, com os portugueses, tinha muito pouco de Roma. Era mais místico, mais independente do Papa e mais submisso ao rei. Acima e tudo era “sebastianista”. Explico:

Portugal teve um rei (D. Sebastião), que foi morto com seu exército, enfileirados para o combate, mas esperando um sinal do céu para atacar o exército inimigo que estava na frente. Como o sinal não veio os inimigos atacaram com sucesso. No imaginário português, esse rei foi então guardado por Deus, mas voltará para “livrar Portugal”.

Essa crença era tão difundida, que Euclides da Cunha relata uma matança de crianças nas vizinhanças de Canudos, na esperança que o sangue delas trouxesse D. Sebastião de volta.

Ou seja: o cristianismo que chegou aqui com os portugueses era “messiânico”.

São esses os fatores que os neo-evangélicos e o movimento carismático se baseiam e mais atinge o brasileiro: O animismo, o messianismo e o politeísmo.

O animismo pode ser visto nas pajelanças travestidas de rodas de “cura divina”. O messianismo, nas promessas sempre renovadas - mas nunca cumpridas - de vitória sobre todas as vicissitudes. E o politeísmo no número enorme de santos especialistas e nas pessoas com “oração de poder”.

Nossa luta continua. Os mesmos desafios de 149 anos atrás ainda estão presentes.

sábado, 9 de agosto de 2008

O Pai, o Filho e os demais filhos

O curso de catecúmenos em nossa Igreja é, na verdade, um estudo aprofundado do Credo Apostólico e os que o fazem são, desde a primeira aula, expostos a uma afirmação inquietante: “Creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra”.

Chamo a esse artigo do Credo de afirmação inquietante por ele abordar dois tipos de paternidade e não deixar muito espaço para conjecturas: ou se crê que Deus as exerce ou não.

Quando o Credo chama Deus de Pai, está fazendo uma alusão direta à doutrina da Trindade em que a Primeira Pessoa é conhecida como Pai.

As Escrituras Sagradas estão cheias de afirmações sobre filhos de Deus, e nós, Cristãos, deixamos bem claro no segundo artigo do mesmo Credo: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor...”.

Como vemos na classe de catecúmenos é muito difícil de entender a relação entre a Primeira e a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, pois as Escrituras falam dela como uma relação de paternidade e filiação estrita: “Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei” (At 13.32-33).

A Segunda Pessoa da Trindade é filha da Primeira por geração: Geração eterna! A única comparação possível com o que conhecemos é a que o Apóstolo João usa: O Verbo.

Ele é Filho do Pai como a palavra (o verbo) é filho do falante. Como Deus é eterno, e falou na eternidade (antes que houvesse tempo) seu Filho “é eternamente gerado”.

Porém para que nós, nascidos no tempo, fôssemos alcançados pelas bênçãos decorrentes da “geração eterna” do Filho, ele se fez um de nós: “... ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.6-8).

Como se o artista perfeito resolvesse fazer estátuas de seu filho. Tanto as estátuas quando seu descendente poderiam ser chamados de “filhos”. Mas há alguma comparação entre a pedra esculpida e o descendente além da imagem?

Assim também nós, criaturas do Supremo Artista, fomos feitos imagem do verdadeiro Filho. Surpreendentemente, o Verdadeiro Filho, torna-se um de nós, a fim de sermos como ele é.

Graça impar!

“Por isso, é que ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação. E outra vez: Eu porei nele a minha confiança. E ainda: Eis aqui estou eu e os filhos que Deus me deu.

Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida.

Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão. Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb 2.11-18).

sábado, 2 de agosto de 2008

O Supremo Pastor e seus cooperadores

Aquele que chamou seu povo de rebanho foi o mesmo que, nos tempos antigos, era conhecido como O Pastor de Israel. O mesmo que inspirou a Davi - seu servo e também pastor desde a infância - a chamá-lo de pastor e atribuir-lhe todas as qualidades de um bom pastor.

Portanto, ele sabe o que é ser pastor. Conhece bem a natureza de seu povo para compará-lo a um rebanho.

Aquele que, feito um de nós, vendo aos que viera resgatar como “ovelhas que não tem pastor”, supriu-lhes as necessidades materiais, espirituais e disse de si mesmo: “Eu sou o Bom Pastor”. Comparou-se a um pastor que deixa noventa e nove ovelhas em segurança e sai em resgate de uma que se perdeu. E, depois de salvá-la, carrega-a nos braços de volta ao aprisco.

Portanto, ele sabe também que a melhor figura para representar seu povo é um rebanho. Um rebanho perdido e debilitado, que precisa ser trazido de volta nos braços.

Ele então chamou diversas pessoas como seus cooperadores e os dotou com o dom fundamental que todos os pastores devem ter: o cuidado.

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Numa sociedade agropastoril, como era aquela em as Sagradas Escrituras foram escritas, um rebanho era o bem mais precioso que alguém podia ter.

Dele se extraía a lã e o leite e secundariamente a carne o couro, os chifres e as unhas. Porém, no Israel bíblico o maior valor do rebanho residia em sua “capacidade de culto”.

A maior parte dos ritos do culto deles consistia no oferecimento da vida de um cordeiro - o que prefigurava o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Mas não poderia ser qualquer cordeiro: devia ser primogênito, em seu primeiro ano de vida, sem qualquer tipo de defeito ou mancha: Uma matriz.

Levando em conta que as ofertas contínuas no templo chegavam a 800 cordeiros por ano, era necessário que os rebanhos “produzissem a milhares e a dezenas de milhares” para obterem outras matrizes.

Ora, se um rebanho tinha tanto valor assim para seu dono, o que dizer do rebanho do Bom Pastor? Aquele pelo qual ele não hesita em dar sua própria vida?

Nessa época, mesmo um pequeno rebanho, cuidado por seu próprio dono, demandava auxiliares. E, se o rebanho fosse grande, os próprios pastores rodiziavam-se nos cuidados diretos e indiretos, essenciais para a manutenção do pastoreio.

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Ter cuidado com as ovelhas era fundamental, para o pastor que olhava para cada uma e distinguia tanto eventuais enfermidades como qualidades necessárias para servirem de culto.

Ter cuidado com os perigos era fundamental ao pastor que rodeava o rebanho atento ao que se aproximava.

Ter cuidado consigo mesmo era fundamental ao pastor que havia de passar a noite ao relento, e ser hábil no cajado com que acolheria a ovelha e no bordão que espantaria o lobo.

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Hoje nossa Igreja recebe novos pastores. Todos terão por missão cuidar do rebanho em suas necessidades mais básicas. O farão lembrando-se sempre que o rebanho não lhes pertence e que o dono do rebanho o tem em tão grande valor que deu sua vida por ele. São pastores, e melhores pastores serão, se imitarem o Supremo Pastor.

Os três cuidados que citei ainda estão em vigor. Mas é necessário adaptá-los, pois as ovelhas de antes eram apenas tipos das novas ovelhas que o Senhor reuniu em sua Igreja.

Os lobos de outrora eram nada comparados à nova raça de hoje (geneticamente modificada nos laboratórios mais sórdidos dos corações pecaminosos e dos demônios mais hábeis).

E as necessidades pessoais não se limitam a suportar uma simples noite ao relento, mas os séculos de uma noite tenebrosa “até que o dia clareie e a estrela da alva nasça”.

Portanto, pastores da Igreja Presbiteriana da Ilha dos Araújos, sejam os que ministram às mesas, sejam os que se dedicam a oração e a palavra, “atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).