quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Servo dos servos do Senhor

Qual mineiro, que procura pepitas, o servo dos servos do Senhor busca incansavelmente aquelas que a Palavra de Deus oferece. Por vezes pega-as na superfície - há muitas catas produtivas - mas, geralmente ele cava. Cava e atinge a camada original onde encontra grande variedade delas.

Diferentemente dos que sequer olham as catas, nem evitam o “ouro de tolo”, ele enriquece a muitos. Quem convive com ele, ou simplesmente está por perto, de nenhum tipo de preciosidade fica privado.

Pouco recebe comparado ao tanto que ele dá. Alguns, sem a riqueza que dele receberam, hoje andariam descaminhos, mas pouquíssimos se dão conta disso.

Seu prêmio o aguarda. Ele o receberá não dos que enriqueceu, mas do dono das riquezas.

 

Qual pai que conhece seus filhos o servo dos servos do Senhor divide proporcional e adequadamente o alimento de que precisam, manejando bem o verdadeiro pão dos céus.

Diferentemente dos que dão pedras por pães, e cobras por peixes, ele multiplica pães e peixes - como seu Senhor o ensinou a fazer - e alimenta a todos. Esse alimento, que é precioso como as pepitas - comparado a ouro depurado - por ser doce como mel atrai também os que procuram apenas o prazer. Mas, estes se enfastiam logo, desacostumados a tão grande doçura.

Só sentem seu valor quando ficam sem alimento e o espírito de cada um começa a definhar. Raramente ele recebe reconhecimento pela colheita, pelo preparo ou, sequer, por servir o alimento.

Sua mesa entretanto o aguarda. Lá, aquele que deveria, ao vê-lo chegar do trabalho, ser servido primeiro, fará questão de servi-lo.

 

Qual pastor de ovelhas, que as conduz aos pastos mais verdes e às águas mais tranqüilas, o servo dos servos do Senhor não faz experiências com seu rebanho em novas paragens. Se necessário ele as leva através do vale da sombra da morte, mas as conduz ao local certo.

Diferentemente dos mercenários que fogem espantados com o perigo, ou não ligam para o estado do rebanho, ele cuida até da harmonia dentro dele. Separa as brigas e protege as ovelhas mais fracas.

Como o rebanho não lhe pertence, a lã e o leite que ele produz é todo entregue ao dono. As crias também.

Sua recompensa não falhará. Tendo sido fiel no pouco será colocado sobre o muito, tão logo compareça à presença de seu Senhor.

 

Mas os tempos são maus, e, atribulado, o Povo de Deus anda trocando seu direito de primogenitura por sopa de lentilhas, ouro depurado por pirita, águas tranqüilas por cisternas rotas e a voz do Bom Pastor pela voz dos mercenários. Ou, como as ovelhas gordas de que fala Ezequiel, dão marradas nas mais fracas.

A culpa, entretanto, não é apenas dos dias maus e da tribulação (que, graças a Deus, por amor dos eleitos, será abreviada). Cada um que abandona os meios de graça, ou que, amando o mundo, torna-se cada vez mais inimigo de Deus, é, tanto, ou mais, culpado por esse estado.

Se o espírito está pronto, mas a carne é fraca, o que esperar de quem enfraquece também o próprio espírito? Não é isso que está sendo feito?

Deus queira nos ajudar, despertando nossos olhos e dando-nos vontade para querer e força para fazer o que lhe agrada. Ensinando-nos, por fim, a aproveitar os meios que ele mesmo colocou à nossa disposição. Especialmente as fadigas dos servos de seus servos.

sábado, 19 de janeiro de 2008

João Batista e Elias

Se você for convidado para comemorar a Páscoa em casa de judeus - convite raríssimo a um gentio - você verá um cálice diferente dos demais sobrando à mesa.

O jantar obedecerá a uma ordem meticulosa com muitas orações, leituras, cerimônias e que cada comida simbolizará alguma coisa.

Após a quarta rodada de vinho, o dono da casa encherá parcialmente aquele cálice e o passará de mão em mão. Cada participante derramará nele um pouco do vinho de seu próprio cálice até que ele fique cheio. Uma criança então abrirá a porta da casa.

Há muitos outros detalhes de como eles celebram hoje a festa que nosso Senhor cumpriu na cruz e da qual usou apenas o pão e o vinho nos ordenando que os tomássemos em sua memória, mas estes são suficientes para o que me proponho falar.

Os judeus ainda esperam o Messias, e acreditam que ele será precedido por Elias. Aquele cálice especial é o Cálice de Elias, e ele recebe um pouco do cálice de cada um, simbolizando que, cada um, de alguma forma, é responsável pela inauguração da Era Messiânica que ele trará. Exatamente por isso a porta é aberta, para que Elias entre sem embaraços naquele lar.

Para eles a profecia de que Elias precederá o Messias, ainda aguarda seu cumprimento.

Elias lhes é como uma espécie de “segundo Moisés”. Moisés recebeu a Lei de Deus no Sinai, e Elias escutou a voz de Deus no silêncio daquele mesmo monte (que em sua época era chamado também de Horebe). A morte de Moisés não foi testemunhada e Elias não morreu: foi levado aos céus por uma carruagem de fogo. Moisés deixou Josué como seu sucessor e Elias deixou a Eliseu, e ambos evidenciaram a autoridade que receberam dividindo as águas do Rio Jordão.

Essa esperança - da vinda de Elias - era comum nos dias de Jesus: “Mas os discípulos o interrogaram: Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? Então, Jesus respondeu: De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram; antes, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem há de padecer nas mãos deles. Então, os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista.” (Mt 17.10-13)

O que há de comum então entre Elias e João Batista?

Ambos eram impulsivos: Caniços agitados pelo vento. Ambos “gostavam” dos desertos. Vestiam-se de modo peculiar e ficaram famosos pela alimentação: Elias foi alimentado por corvos e por uma viúva de cuja panela nunca faltou comida nos anos de seca e João alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Ambos enfrentaram situações parecidas: decadência religiosa do povo governado por um rei fraco com uma mulher má.

“Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi.” (Mt 17.5). Quando Pedro propôs fazer tendas para cada um deles, como se fossem iguais, esta foi a ordem de Deus. Elias e Moisés estavam então falando com Jesus transfigurado. Portanto, para nós, cristãos, apesar de Elias representar todos os profetas, como Moisés representa a Antiga Aliança, e terem nosso mais alto respeito e consideração, nossa obediência deve ser dada apenas a Jesus: “A ele ouvi”.

As palavras do Senhor sobre João esclarecem que, como Elias, ele lutava para restabelecer o verdadeiro culto em Israel. Elias enfrentou os profetas de Baal e João Batista as “víboras” hipócritas disfarçados de religiosos ao ponto de fingir arrependimento.

João Batista nos dá duas outras lições: 1) Mesmo se tivermos de “clamar no deserto” não desistamos, e 2) nossa posição deve ser sempre expressa pelo que ele disse: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).

Seja esse nosso desejo sincero.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Nos braços de Simeão

Quarentas dias após haver nascido o Senhor foi levado, por seus pais, a Jerusalém. Foi sua primeira visita àquela cidade.

Iam purificar Maria e resgatar seu primogênito. As leis levíticas eram muito claras: A mulher era impura 40 dias após o parto e todos os primogênitos deveriam ser consagrados a Deus a menos que fossem resgatados.

O sacrifício de purificação, usualmente feito com um cordeiro, podia ser feito com dois pombinhos ou duas rolinhas, se a família não tivesse posses. Foi o caso deles.

O resgate do primogênito não precisava ser feito no templo (bastava pagar 5 shekalim a um sacerdote), mas já que eles iam passar por lá ... De Belém à Jerusalém a viagem era pequena - uns 10 quilômetros - e já era o começo da volta à Nazaré, de onde vieram.

Lá encontraram dois anciãos: Simeão e Ana (que são mencionados apenas aqui). Há muitas informações sobre Ana, e poucas sobre Simeão. Talvez, como Ana, ele fosse um velho Judeu, que a idade dispensara da obrigação de ir ao Templo, mas insistia em fazê-lo.

Apesar de outras opiniões, eu prefiro imaginá-lo como um sacerdote ‘jubilado’ que dedicava-se a ajudar a rotina do templo, como permitido. Que encerrara seus dias de ofício, triste com o que via. Mas fora agraciado pelo Espírito Santo com a certeza de que veria o Messias antes de morrer.

O texto diz que o Espírito Santo o levou ao templo na hora certa - talvez, naquele dia, seu encargo fosse receber os resgates dos primogênitos - e deu fim a sua espera. Tomou a criança nos braços e orou: - Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra, porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos, luz para revelação aos gentios e para glória do teu povo de Israel.

Simeão viu os mistérios de Deus. E como João veria anos depois e todos os profetas viram no passado, Simeão acabara de ver o Conselho de Deus, sua Vontade, Planos e Decretos. Viu em um bebê. Em um bebê aconchegado em seus braços. Já podia morrer em paz.

Que privilégio inaudito: tomar nos braços o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Que privilégio ver que a luz, que Israel já possuía, se estenderia à todos os povos. Que privilégio ver que aquele bebê manifestaria os pensamentos de muitos corações, seria alvo de contradições e a causa do engrandecimento de alguns e da ruína de outros.

Quantos textos devem ter sido lembrados por Simeão. Ele segurava em seus braços o Descendente da mulher que haveria de esmagar a cabeça da serpente, o Cordeiro de Deus que substituiu Isaque, o Anjo do Senhor que lutou com Jacó na travessia rasa do rio Jaboque, o Leão de Judá, o Profeta infalível referido por Moisés, o Guerreiro do Altíssimo que lutou ao lado de Josué contra Jericó, a Raiz de Davi ... Simeão se dera conta de que estava vendo o início da eternidade, o Reino de Deus entre os homens. O Emanuel.

A partir de então nada seria mais o mesmo. A partir de então aquela pobre família, sem posses até para um sacrifício, seria assolada por dores. Dores tais que a alma da mãe sentir-se-ia traspassada por espada.

A partir de então a luz que dissipa todas as trevas brilharia no coração de quem o Pai dera àquele pequeno que estava em seus braços.

Mas, a partir de então as trevas se levantariam com tal força, que embora não pudessem prevalecer contra luz - pois é da natureza da luz sempre vencer as trevas - obscureceriam ainda mais os corações dos que não pertencessem àquele bebê.

"Veio para os seus, mas os seus não o receberam". Como isso deveria doer em Simeão. Seus sentimentos se misturavam: sentia alegria por ter nos braços o Senhor, e sentia tristeza porque seu povo colocaria o Senhor nos braços de uma cruz.

Benditos braços de Simeão! Quisera eu estar lá!

sábado, 5 de janeiro de 2008

Um novo tempo, uma nova história

Eu não saberia dizer se ele era baixinho ou tinha poucos recursos, mas era conhecido como “Dionísio, o exíguo” (ou simplesmente Dionísio exíguo). Era monge. Nascera na Romênia em 470, mas vivia em Roma desde 500 d.C. Era considerado como o mais sábio a serviço da Cúria Vaticana.

Traduziu, do grego para o latim, os diversos Decretos dos Concílios de Nicéia, de Constantinopla e de Calcedônia além de muitas outras obras, e conhecia bem as matemáticas e de astronomia.

Seu ofício o levava a escrever muitas correspondências as quais tinha de datar, como era costume - porém, cada vez mais a contra gosto - em função do ano em que o Imperador Romano Diocleciano tinha assumido o trono.

Um dia ele escreveu a um bispo: “Prefiro contar e indicar os anos a partir da encarnação de nosso Senhor, de forma a fazer a fundação de nossa esperança melhor conhecida e a causa da redenção do homem mais destacada”.

Como ele chegou à data em que Cristo nasceu não se sabe, mas errou. Errou por 4 ou 7 anos. Mateus afirma que Jesus nasceu nos dias de Herodes, e Herodes morreu no que seria o ano 4 do calendário de Dionísio, e, quando Lucas refere-se ao “primeiro recenseamento, ... feito quando Quirino era governador da Síria”, fornece-nos um período que se estende do ano 4 até o ano 7 do mesmo calendário.

Até hoje há discussões. A maioria dos estudiosos concorda que Jesus nasceu no período que vai do ano 4 ao ano 5 do calendário de Dionísio. Isso significa para nós que não estamos 2.008 anos distantes do nascimento do Senhor Jesus, mas 2012 (ou talvez 2015).

Mas o que importa mesmo foi que sua prática legou-nos o hábito de ver a história dividida em “Antes de Cristo e Depois de Cristo” inaugurando o que chamamos de “Era Cristã” e cada vez mais se chama de “Era Comum”.

A idéia de que Jesus dividiu a história humana é muito simpática aos cristãos, e faz todo sentido com sua cosmovisão, pois tudo que foi registrado nas Sagradas Escrituras antes da vinda de Cristo aponta para um Messias que havia de vir.

Pessoas como Isaque, José, Moisés e todos aqueles que estão listados no capítulo 11 da carta aos Hebreus, possuíam sempre, pelo menos, dois traços comuns: a esperança de um Messias e a certeza de que seus feitos eram apenas “sombra” de feitos maiores.

A esperança perpassou a Antiga Aliança: Aos patriarcas materializava-se em uma descendência numerosa. Aos peregrinos do êxodo no estabelecimento de uma nação. Aos súditos do reino de Israel na vinda do reino eterno.

A esperança materializou-se em Jesus. O Reino chegou. Chegou para todos os povos. Não é mais a história da esperança é a história do cumprimento das promessas e das profecias.

Por isso se exorta tanto a “cantar um cântico novo”. O velho, com seus verbos no tempo futuro ou no modo subjetivo, canta a esperança. O novo canta o que aconteceu e o que está acontecendo. Vivemos uma nova história.

Na realidade já vivemos a eternidade. Ainda estamos em sua ante-sala, mas o primeiro de nossa raça já entrou lá e nos aguarda. E quando chegarmos lá olharemos para trás e perceberemos que sempre estivemos naquele bendito lugar.

Dionísio errou a data, mas acertou no "discernimento dos tempos".