sábado, 28 de dezembro de 2013

Todos os dias do ano com o SENHOR

“… os olhos do SENHOR,
vosso Deus,
estão sobre ela continuamente,
desde o princípio
até ao fim do ano”.

Deuteronômio 11.12.

Parados defronte a Terra Prometida, Moisés instrui o povo a cerca da vida que terão ali. Não mais escravos, teriam de se voltar para a agricultura. Porém, não seria como no Egito, em que, do Nilo traziam águas para as plantações. Agora passariam a depender das chuvas. E a única certeza que poderiam ter era a promessa de Deus de estar com eles durante o ano inteiro.

Enquanto o sábado regulava a semana em um ritmo de sete dias e a lua regulava os meses a cada vinte e nove dias e meio, o ano era mais difícil de ser estabelecido, porém não menos importante.

O primeiro mês do ano era marcado pela Páscoa, o terceiro pela Festa das Semanas (mais tarde chamada de Pentecostes) e o sétimo pela Festa dos Tabernáculos.

O sétimo ano deveria ser de descanso para a terra: era o Ano Sabático. E o quadragésimo nono ano (o sétimo ano sabático) era o Ano Jubileu, quando tudo voltava a ser como antes.

Observe que era um verdadeiro teste de fé. Além de dependerem totalmente de Deus para receber chuvas na quantidade e na ocasião certa, enquanto o resto do mundo trabalhava sem descanso nem folga eles deveriam observar o sétimo dia como dia de descanso, o sétimo ano como ano de descanso e o quadragésimo nono ano como ano de descanso e do perdão de todas as dívidas. Neste ano todas as propriedades deveriam voltar a seus donos originais. Ou acreditavam e praticavam isso ou viveriam como pagãos.

Nosso calendário atualmente pouco tem de religioso. Mas podemos saber com certeza: do mesmo modo que Deus “desde o princípio até o fim do ano” estava com seu povo no passado, está também conosco.

Quer vivamos uma vida dependente das estações do ano, quer tenhamos artificializado tanto a nossa vida que as chuvas sejam motivo de preocupação... Quer comamos diretamente o que nossos campos produzam, quer dependamos  de um salário para ter acesso aos frutos do campo... Sua promessa persiste: Os olhos do SENHOR estão continuamente sobre onde vivemos.

Feliz Ano Novo.

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Os Anjos e os Pastores

Diferentemente da noite em que Jesus foi condenado a morte, a noite em que ele nasceu fez calor. Naquela, Pedro se aquecia junto a uma fogueira no pátio da casa do sumo sacerdote, nesta os pastores guardavam o rebanho durante à noite. A esses pastores Deus anunciou o nascimento de seu Filho.

Naqueles dias ser pastor de ovelhas não era uma das profissões mais nobres. Ao contrário, como viviam nos campos, assalariados para cuidar dos rebanhos, eram vistos como ainda hoje no interior de nosso país se vê os ciganos ou os trabalhadores de estradas (Peões de trecho). E, embora o talmude tenha sido escrito no Século 4, é tido como certo que se refira também aos tempos de Jesus ao listar as seguintes profissões como desprezíveis para um hierosolimitano: tropeiro, cameleiro, marujo, carreteiro, pastor, lojista, médico e açougueiro. A esses desprezíveis pastores o Senhor anunciou o nascimento de seu Filho de uma forma grandiosa.

Um anjo e depois “uma multidão” de anjos lhes apareceu. A aparição de um anjo já é uma coisa fantástica (a maioria das aparições causa grande terror de forma que a primeira coisa que o anjo diz é “não temas”), o aparecimento de uma multidão de anjos deve ser algo impressionante. Observe a ordem dos acontecimentos:

Primeiro, o anjo os tranquiliza: “não temais”. Segundo, comunica-lhes o nascimento e dá um sinal mediante o qual poderiam certificar-se (o menino estava envolto em faixas e deitado em manjedoura). Terceiro, “subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lc 2.13-14).

Geralmente se fala de um coro celestial, entretanto a melhor tradução é milícia mesmo. Ou seja: não o coro celestial, mas o exército celestial. E depois que o exército partiu eles decidiram procurar o menino e o encontraram com seus pais deitado em uma manjedoura como foi dito pelos anjos. Ou seja: os primeiros visitantes que o Senhor Jesus recebeu, foram pessoas humildes e até mal vistas. Quase dois anos depois é que ele recebe a visita de sábios.

O relato de Lucas complementa o de Mateus e nos mostra os detalhes do estado de humilhação do Senhor. Embora tenha sido gerado pelo poder do Espírito Santo, protegido pelo Altíssimo, e anunciado pelo exército celestial, ele assumiu nossa natureza e teve por mãe uma das simples filhas de Israel. Nasceu em uma terra que era conhecida dos profetas como “região da sombra da morte”. Teve como abrigo um estábulo; como berço uma manjedoura; como primeiras roupas faixas (tiras de pano) e como visitantes simples pastores desconhecidos.

Para nós também há uma grande lição: Como eles convidaram-se uns aos outros, digamos também: “vamos  até Belém e vejamos o que nos foi dado conhecer”.  

 
Imagino a reação dos sábios na Babilônia quando um deles contou que viu determinada estrela em determinada posição. Era o cumprimento de uma profecia feita há mais de quinhentos anos por um sábio que havia salvado da morte a todos os demais sábios de sua época e fora nomeado chefe de todos eles. Esse sábio fora trazido da Judeia após Nabucodonozor tê-la invadido. Seu nome era Daniel. Naqueles dias eles eram chamados de Caldeus (o nome magoi veio depois da invasão grega).

As discussões devem ter sido demoradas, pois poucos esperavam que uma profecia tão antiga se cumprisse. Ela dizia: “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia e para ungir o Santo dos Santos. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos. Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas” (Dn 9.24-26).

Imagino que após a discussão tenham escolhido alguns dentre eles para ir saudar esse novo rei com presentes valiosos. Deve ter sido uma caravana grande, pois além de guardar os presentes deveria atravessar o deserto.

Mateus nos informa que a chegada deles a Jerusalém deixou todos alarmados. Não era pra menos. Eles procuravam pelo “recém-nascido Rei dos Judeus” e Herodes, que tomara o poder com ardis e assassinatos, via conspiração por todos os lados. Poucos anos antes havia ordenado a morte da esposa e de um filho por suspeita de rebelião.

Herodes armou uma cilada imaginando que restava apenas descobrir em qual casa de Belém ele estava: “Ide informar-vos cuidadosamente a respeito do menino; e, quando o tiverdes encontrado, avisai- me, para eu também ir adorá-lo”. Ele havia nascido em Belém, mas seus pais eram de Nazaré e depois de cumpridos os preceitos levíticos de pureza da mãe e de resgate do primogênito, voltaram para lá. Para uma casa em Nazaré a estrela os guiou.

Imagino a ira de Herodes ao saber pela manhã que os magoi não foram para Belém, que ficava ao sul de Jerusalém, mas para o norte: caminho de volta para o oriente. Ele não deixou por menos. Como havia indagado, com precisão, a data em que a estrela foi vista, mandou matar todas as crianças de Belém e seus arredores que houvessem nascido a partir dessa data. Diversas crianças de até dois anos.

Nazaré, apesar de ser um entreposto comercial e receber gente de toda aquela região, era uma cidade pequena. Situada na encosta de uma elevação, vendo as fotos de hoje, penso nas casas fazendo um perfil contra o céu escuro e a estrela marcando uma em especial para quem vem pelo caminho do sul.

Imagino o alvoroço que uma caravana de camelos com os sábios e seu séquito, deve ter causado.

Ouro, incenso e mirra. Os três tipos de presentes não indicam que eram apenas três magoi. Podiam ser dois ou dez. Porém, lembram-nos a profecia de Isaías (mais antiga do que a de Daniel): “A multidão de camelos te cobrirá, os dromedários de Midiã e de Efa; todos virão de Sabá; trarão ouro e incenso e publicarão os louvores do SENHOR (Is 60.6)”. E finalmente a adoração! Isso impressiona. Homens sábios adorando uma criança de colo.

Dentre as muitas razões que Mateus tinha para narrar este episódio, creio que esta é a principal. O Rei dos Judeus foi conhecido pelos sábios de outros povos apesar de haver sido rejeitado pelo seu.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Os Evangelhos o Nascimento de Jesus

Dos quatro Evangelhos, apenas dois falam do nascimento de Jesus: Mateus e Lucas. Marcos inicia sua narrativa com o batismo. João, diferentemente de todos, inicia a sua falando do Verbo ainda na eternidade, antes da criação de qualquer coisa.

As narrativas do nascimento são complementares. Por exemplo: apenas Mateus fala dos magos e apenas Lucas fala dos pastores.

Mateus introduz seu relato com uma genealogia altamente elaborada em que os principais antepassados de Jesus são relacionados em três grupos, de catorze gerações, a partir de Abraão. Em seguida conta o drama vivido por José ao saber da gravidez de Maria, como planejava deixá-la e como um anjo do Senhor o dissuadiu.

Após um salto narrativo de quase dois anos, relata a visita dos magos, a subsequente fuga para o Egito, a matança das crianças e o retorno do Egito.

Diferentemente de Lucas, cujos paralelos são internos, Mateus faz com que o relato do nascimento seja paralelo ao da ressurreição: o começo da vida de Jesus é mostrado em contraste com o final. Veja, como exemplo, três partes do relato:

A genealogia, que é a primeira parte, é mostrada em correspondência com a Grande Comissão, que é a última: enquanto a genealogia nos fala do passado até os dias de Jesus, a Grande Comissão nos fala dos dias de Jesus até a “consumação do século”.

A segunda e a penúltima parte (o nascimento e a ressurreição) não se correspondem apenas no conteúdo: viver. Mateus não os descreve nem dá qualquer detalhe, apenas diz que ambos aconteceram.

A terceira e a antepenúltima parte (os magos e os guardas) são justapostas por terem em comum as riquezas. Os magos divulgaram o nascimento de Jesus e lhe trouxeram presentes. Os guardas receberam dinheiro para não divulgar sua ressurreição.

O relato de Lucas, logo em seu início, apresenta-nos a principal preocupação do escritor: “acurada investigação de tudo desde sua origem” (Lc 1.3). Certamente ele conversou com os protagonistas, especialmente com Maria, pois chega a narrar seus pensamentos: “Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou- se muito e pôs- se a pensar no que significaria esta saudação” (Lc 1.29).

Sua narrativa é iniciada com o motivo que o levou a escreveu o Evangelho e com a descrição de seu método de pesquisa. Começa então falando das origens próximas de Jesus, ou seja: seu precursor: João Batista. Mais especificamente, seus pais.

Em uma primeira etapa narra os anúncios. O anúncio a Zacarias, pai de João e a gravidez de Isabel. Então o relato dá um salto de seis meses e narra o anúncio a Maria e sua visita a Isabel (e seu cântico).

Em uma segunda etapa narra os nascimentos: O nascimento de João (e o cântico de seu pai). Depois o nascimento de Jesus e a visita dos pastores.

A narrativa é construída de forma paralela: João é anunciado a Zacarias, seu pai. Jesus é anunciado diretamente a Maria. A mudez de Zacarias, (decorrente de sua incredulidade) é contraposta ao cântico de Maria (decorrente de sua crença nas promessas) ao visitar Isabel. E, enquanto há uma óbvia correspondência entre o cântico de Zacarias (cantado depois do nascimento de João) e o de Maria (cantado antes do nascimento de Jesus), aparece outro paralelo: a alegria do pai que canta e a alegria dos pastores ao visitar o recém-nascido Jesus.

A narrativa de Lucas dá três saltos temporais: 0ito dias para narrar a circuncisão de Jesus, quarenta dias para narrar seu resgate no templo (onde acontecem os encontros com Simeão e com Ana) e doze anos para relatar o acontecido na viagem a Jerusalém, quando Jesus tinha 12 anos.

A genealogia feita por Lucas só aparece após a narrativa do batismo e não é elaborada como a de Mateus. Nela Jesus é filiado a Adão.

Se tradicionalmente Mateus visava leitores judeus (daí o estilo, as muitas citações proféticas e a filiação de Jesus a Abraão), e o Teófilo, destinatário de Lucas, era alguém importante no governo romano (apenas duas outras pessoas recebem o mesmo pronome de tratamento – excelentíssimo – e ambas são governadores), que interesse um leitor moderno poderia ter nestes relatos?

Pessoalmente eu tenho muitos. Porém, no mínimo, estes relatos nos instam a apreciar com reverência esse acontecimento tremendo – a encarnação do Senhor – sem perdermos a sobriedade. Enquanto Marcos e João, sequer ousaram a mencionar, Lucas, mais do que Mateus, chegou a detalhes íntimos. Porém, preferiu narrá-los indiretamente, com as palavras dos protagonistas:

- Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?

- Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.

O mesmo Espírito Santo, que à tudo dá vida, descendo sobre Maria e o Altíssimo, envolvendo Maria com sua sombra, levam Maria a conceber. O Verbo eterno torna-se um de nós (natureza da qual ele nunca mais se separará) para que voltemos a ser como ele é.

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

C. S. Lewis e J. F. Kennedy


No dia 22 de novembro passado a imprensa nos lembrou exaustivamente do quinquagésimo aniversário da morte de J. F. Kennedy, mas não vi sequer menção do aniversário da morte de C. S. Lewis. Ambos morreram no mesmo dia. Praticamente na mesma hora.

Kennedy, presidente dos EUA, destacara-se pela pouca idade e pela apertadíssima margem de votos com que foi eleito. Tinha muitos inimigos e até hoje há quem duvide se ele foi morto por um atirador solitário ou vítima de uma conspiração.

Lewis, ao contrário, teve uma vida totalmente acadêmica. Viveu ensinando e escrevendo. Formou-se em Letras e Literatura em Oxford, e depois em Teologia e em Linguística. Lecionou em Oxford e em Cambridge e foi reconhecido como uma das maiores autoridades em Literatura Medieval e Renascentista. Escreveu mais de 50 livros, que acompanham uma grande quantidade de outros escritos (palestras, sermões, etc.).

Sua obra de formação A alegoria do Amor, é livro de referência no assunto. E, depois de sua conversão, escreveu O Regresso do Peregrino, inspirado no O Progresso do Peregrino de John Bunyan, onde narra sua própria jornada espiritual. Oito anos antes de morrer publicou sua autobiografia: Surpreendido pela Alegria.

Quando falava de sua infância e juventude Lewis se descrevia como ateu. Como um ateu feliz. E, após uma palestra, indagado sobre qual religião traria maior felicidade a seus adeptos, respondeu: “... Enquanto dura, a religião da auto adoração é a melhor. Tenho um velho conhecido, com seus 80 anos, que vive uma vida de inquebrantável egoísmo e auto adoração e é um dos homens mais felizes que conheço. [...] Como vocês sabem, nem sempre fui cristão. Não me tornei religioso à procura da felicidade. Eu sempre soube que uma garrafa de vinho do Porto me daria isso. Se vocês quiserem uma religião para ser mais felizes, não recomendo o cristianismo. Tenho certeza que deve haver no mercado algum produto americano que será mais útil”.

Embora sua visão de alguns pontos teológicos seja questionada por diversos teólogos conservadores, a teologia de Lewis é tida como ortodoxa, pela ênfase que ela dá aos ensinos básicos do Evangelho. E poucos fizeram tanto pela compreensão da cosmovisão cristã. Sua maior preocupação sempre foi mostrar que o cristianismo faz sentido e que a fé cristã alicerça-se sobre verdades totalmente demonstráveis.

Se o sistema solar foi criado por uma colisão estelar acidental, então o aparecimento da vida orgânica neste planeta foi também um acidente, e toda a evolução do Homem foi um acidente também. Se for assim, então todos nossos pensamentos atuais são meros acidentes: subproduto acidental de um movimento de átomos. E isso será verdade para os pensamentos dos materialistas como para os nossos. Porém, se os pensamentos deles forem meros subprodutos acidentais, por que devemos considerá-los verdadeiros? Não vejo razão para acreditarmos que um acidente deva ser capaz de me proporcionar o entendimento sobre todos os outros acidentes. É como esperar que a forma acidental tomada pelo leite derramado no chão, quando você deixa cair uma jarra, possa explicar como a jarra foi feita e porque ela caiu.

Às vésperas da Segunda Guerra mundial ele escreveu O Problema do Sofrimento, onde se lê: "Deus fala-nos na saúde e na prosperidade, mas, sendo maus ouvintes, deixamos de ouvir a voz de Deus. Então ele gira o botão do amplificador por meio do sofrimento e aí ouvimos o ribombar de sua voz".

Na época da guerra, quando ficção científica era verdadeira febre entre os adolescentes e jovens, ele serviu-se deste gênero para fazer uma verdadeira apologia da cosmovisão cristã: Longe do Planeta Silencioso, Perelandra e Uma Força Medonha. E, enquanto Londres estava debaixo de bombardeios e seus habitantes, cada vez mais, submersos em tristeza, a BBC encomendou-lhe palestras de rádio que esclarecessem como Deus permite que um país dito cristão, como a Alemanha, podia ser capaz de submeter outro país cristão a tão grandes atrocidades. Dessas palestras nasceu o livro Cristianismo Puro e Simples, explicando em que o cristão crê e como ele se comporta.

Após a guerra, escreveu histórias para crianças destacando as virtudes dos guerreiros em uma guerra justa em um país onde Jesus reina supremo, mas que é atacado pelo mal: as Crônicas de Nárnia (O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa; O Sobrinho do Mago; O Cavalo e seu menino; Príncipe Caspian; A viagem do peregrino da alvorada; A cadeira de Prata e A última Batalha).

Sua imaginação fértil produziu livros fantásticos. Destaco dois. Primeiro: Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, em que um tentador experiente ensina a outro diabo como obter mais sucesso nas tentações. Nele qualquer cristão pode ver como é possível escapar dos miseráveis enganos do inimigo. E sobre tentações ele escreveu: ”Nenhum homem sabe quão mau é, até que tenha procurado, de toda maneira, ser bom. Uma ideia tola, mas muito atual, é a de que as pessoas boas não conhecem ou não passam por tentações. Isto é uma mentira óbvia. Só aqueles que procuraram resistir a tentação sabem quão forte ela é. Afinal de contas, você descobre a força do exército inimigo lutando contra ele, não cedendo a ele. Você descobre a força de um vento, caminhando contra ele, não se deitando no chão. Um homem que cede à tentação depois de cinco minutos, simplesmente não sabe o que teria acontecido se tivesse esperado uma hora. Esta é a razão pela qual as pessoas ruins, de certa forma, sabem muito pouco sobre a própria maldade. Elas vivem uma vida abrigada porque sempre cederam. Nós nunca descobrimos a força do impulso mal dentro de nós, até que lutemos contra ele. Cristo, porque foi o único homem que nunca se rendeu a tentação, também é o único que conhece completamente o que ela significa.

O segundo: O Grande Abismo, que mostra o céu e o inferno como uma continuidade desta vida, com ou sem Deus: "O céu não é aqui, mas começamos a vivê-lo aqui, aqui é uma espécie de ante-sala, logo sairemos dela e experimentaremos de fato o que realmente nos espera".

Enquanto Kennedy, mortalmente baleado nas ruas de Dallas, agonizava em um hospital, Lewis, em sua própria casa, já havia se encontrado com o Senhor de sua vida, sobre quem dizia: A vida cristã é diferente, mais difícil e mais fácil. Cristo diz: “Dê-me tudo. Eu não quero parte do seu tempo, parte do seu dinheiro, parte do seu trabalho. Quero você. Eu não vim para atormentar o seu ego natural, mas para matá-lo. Meias medidas não trazem nenhum bem. Eu não quero podar um galho aqui e outro ali, mas quero derrubar a árvore inteira. Entregue todo o seu ego natural, todos os desejos que você julga inocentes, bem como os que você julga iníquos. Todo o seu ser. Eu lhe darei um novo eu. Na verdade eu lhe darei o meu próprio eu; a minha vontade se tornará a sua vontade”.

sábado, 23 de novembro de 2013

A carpintaria

Vimos, no domingo passado, que dois lugares marcam a vida de Jesus: a manjedoura e a cruz. Porém, entre ambas, ele viveu em outro lugar: na carpintaria. Enquanto as duas nos falam de momentos intensos no início e no fim de sua vida terrena, esta nos fala de um período maior.

A carpintaria é uma bela metáfora de como o Senhor viveu desde sua volta do Egito até o dia em que procurou João Batista, pois numa carpintaria nada é feito instantaneamente, tudo depende de esforço e paciência. Ora, com esforço e paciência, o Senhor viveu a lida de todos nós, aprendendo aquilo que sofremos para que, como sumo-sacerdote perfeito, pudesse compadecer-se perfeitamente de todos nós.

Tanto a manjedoura quanto a cruz destacam a intensidade de sua humilhação, mas a carpintaria nos fala da extensão. Da dura rotina do cotidiano que se repete debaixo do sol.

A mensagem dos Evangelhos destaca o ministério de Jesus em seus últimos três anos, mas o silêncio dos Evangelhos fala com eloquência de como o Senhor viveu a vida comum a todos nós. Esse silêncio, cortado por pouquíssimas informações, nos ensina muito.

Filho de um carpinteiro, como toda criança da época, aprendeu com seu pai o ofício que sustentava a família. Aprendeu como escolher a madeira mais adequada para o que ia fazer. Aprendeu a derrubar, transportar, preparar e trabalhar cada tora. Aprendeu a fazer esteios, vigas, traves, caibros, e quem sabe, alguns móveis também. Porém, paralelamente ao pesado trabalho de construtor, havia o, não menos pesado, de administrar o valor do que fazia.

Como calcular o valor de seu trabalho? Acaso, quem, por graça, fez o universo, não teria dificuldades em colocar valor na confecção de um caibro? Como resistir a um regateador? Como cobrar de um caloteiro? Isso ele aprendeu no cotidiano da carpintaria.

Trinta, dos trinta e três anos de vida, foram passados no anonimato. Apenas aos doze anos um clarão nos mostra que, além do ofício aprendido de José, seu pai, ele também aprendeu a Lei do Pai celeste. E aprendeu tão bem que atraiu admiração dos que eram tidos por doutos nela. O registro desse acontecimento explica: “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52).

A maioria desses trinta anos Jesus passou em Nazaré. Cidade mal vista, da qual não se esperava coisa boa, famosa por sua impiedade. Aliás, toda Galileia era mal vista: verdadeira mistura de nacionalidades e religiões, repleta de idolatria e de cultos imorais. Era conhecida também como Canaã, a terra do comércio, pois desde os primeiros tempos era passagem para as caravanas que vinham do norte até a principal potência de então: o Egito. Na Bíblia, dentre as muitas referências, a de mais fácil recordação é a da caravana que comprou José e levava especiarias para vender no Egito.

Na época de Jesus, além do Egito, o comércio com outros centros, como Líbano, Roma e Grécia, servia-se das rotas que o profeta Isaías chamou de Caminho do mar, que jazia à sombra da morte, e que com a chegada de Jesus viu grande luz.

Ainda jovem, com a morte de seu pai, Jesus tornou-se responsável pela manutenção de casa: sua mãe, quatro irmãos e, pelo menos, duas irmãs. E passou a ser conhecido como “o carpinteiro”. Certamente em sua oficina não se encontrava trabalho desleixado nem mal feito.

Mas, afinal por que esperar trinta anos? Alguns dizem que, como os levitas aguardavam os trintas anos, ele também aguardou. Não tenho tanta certeza de que esta seja a razão, pois ele não era levita. Mas, para mim, independente do motivo, esses anos na carpintaria, ele nos dá uma grande lição: O que importa é fazer a vontade do Pai. Seja na carpintaria, na manjedoura, ou na cruz.

 

domingo, 17 de novembro de 2013

A Manjedoura e a cruz

Dois locais destacam-se na vida de nosso Senhor: a manjedoura, e a cruz. Embora não possamos separar um do outro, podemos dizer, latu senso, que a manjedoura está para o Verbo assim como a Cruz está para o Filho do Homem. Como Verbo ele esvaziou-se até a manjedoura e como Filho do Homem ele esvaziou-se até a cruz.

Antes da manjedoura propriamente dita, ainda no ventre de Maria, sob a "sombra do Altíssimo", ele, o Verbo, “se fez carne". Tomou nossa natureza. Adquiriu um corpo semelhante ao nosso do qual nunca se separará. Lá se tornou Emanuel (Deus conosco) e lá, preservado do pecado pelo poder do Altíssimo, experimentou as primeiras limitações: tempo e espaço.

Aquele que não conhecia qualquer tipo de limites foi localizado no ventre de uma humilde filha de Israel. Ao nascer recebeu o aconchego do mais humilde utensílio de casa: a manjedoura (coxo em que se servia alimento aos animais). A manjedoura foi provisória, mas serve muito bem como metáfora de todas as dificuldades que ele sofreria e dos cuidados da humilde “serva do SENHOR”.

Outra limitação (dentre uma numerosa lista delas): tornou-se dependente. Aquele que criou todas as coisas e a todas sustenta agora depende. No ventre de sua mãe, dependia de tudo para sobreviver e na manjedoura não será diferente. Benditos seios que o amamentaram (embora ele mesmo tenha dito que mais benditos são os que ouvem a palavra de Deus e a praticam). Benditos braços que o ninaram.

Aos dois anos, perseguido por quem se assentava no trono de Davi, seu pai, foi levado a refugiar-se no lugar onde, em tempos passados, seu povo fora escravo.

Ao retornar foi levado para uma cidade da qual se duvidava sair “alguma coisa boa” onde passaria o restante de seus dias.

Na cruz a primeira mensagem é difícil de ser captada em nossos dias tão humanistas: a morte vergonhosa. Hoje deixamos de recriminar mais quem morre em razão direta de seus erros, às vezes até sentimos pena. Tornou-se comum lamentar a morte de um criminoso que trocava tiros com a polícia ou de quem morre como fruto de uma vida desregrada. Naqueles dias a crucificação era uma morte vergonhosa, pois além de exprimir a condenação da justiça como um criminoso vil, o povo judeu via nela a condenação de Deus, que havia deixado bem claro: “Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro durante a noite, mas, certamente, o enterrarás no mesmo dia; porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus; assim, não contaminarás a terra que o SENHOR, teu Deus, te dá em herança (Dt 21.22)”.

Maldito dos homens e maldito de Deus. A esse tipo de morte o Senhor se entregou voluntariamente: “... porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai (Jo 10.17-18)”.

Já humilhado, na cruz o Senhor foi desprezado. Desprezado pelos homens e por Deus. Se já havia se esvaziado para tornar-se o Filho do homem, agora se despojará de qualquer dignidade humana para receber sobre, e em si, nossos pecados: “Aquele que não conheceu pecado, ele [Deus] o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus (2Co 5.19)”.

Se a manjedoura destaca mais os atributos do Filho a cruz destaca mais os atributos do Pai. Nela, além da submissão do Filho, resplandece com igual fulgor o amor e a justiça de Deus.

Se na manjedoura a impotência decorria de seu estado infantil, na cruz a impotência exprime sua vontade resignada de, como Cordeiro de Deus, assumir o lugar daqueles por quem veio morrer.

A manjedoura foi seu caminho da cruz. Pela manjedoura ele passou para assumir nosso lugar na cruz. E, nos dois, podemos ver claramente o grande amor com que ele nos ama, pois não poupou esforços para ser um de nós a fim de nos tomar para ele.

domingo, 10 de novembro de 2013

Crimes sexuais

Em setembro passado o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) noticiou que a Lei Maria da Penha não teve impacto sobre o número de homicídios no Brasil. Nesta semana a “Central de Atendimento a Mulher” (CAM) divulgou que o número de estupros cresceu em mais de sessenta por cento.

A Lei Maria da Penha, em vigor desde 22 de agosto de 2006, é um endurecimento da legislação tentando compensar a lerdeza e omissão dos órgãos judiciais. Passou a tratar como estupro o que antes era qualificado apenas como atentado violento ao pudor (Por exemplo: exibir a genitália) e, talvez o mais importante: possibilitar a proteção da mulher tão logo ela faça a denúncia.

A CAM é um serviço de atendimento telefônico da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (órgão do Governo Federal), que “além de encaminhar os casos para os serviços especializados, a Central fornecerá orientações e alternativas para que a mulher se proteja do agressor”.

Não é preciso ser um estudioso para duvidar destes números. Os do IPEA pela sua missão declarada “articular, produzir e disseminar conhecimentos para aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro”. Observe: PRODUZIR, ARTICULAR e DISSEMINAR conhecimentos! Já os números da Central de Atendimento a Mulher expressam muito mais um crescimento na procura de seus serviços do que, de fato, um aumento de casos.

Por favor, não pense que vejo exagero nestes números. Apenas não creio que eles expressem a verdade. O problema da violência (não apenas contra a mulher) é muito pior e nossos governantes estão tratando apenas dos sintomas e muito superficialmente. Observe:

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (sic).

Reparou? Um dos objetivos é “erradicar a violência contra a mulher”. Porém... Erradicar perversidade com leis? O próprio Deus, que conhece totalmente o homem, não faz isto. Sua lei primeiramente mostra-nos que nosso coração perverso é muito pior do que imaginamos.

Moisés escreveu o livro de Gênesis logo após ter transmitido a Lei de Deus. No capítulo 34 relatou o estupro sofrido por Diná; no capítulo 35 nos informa o incesto de Rúben contra sua madrasta; no capítulo 38, descreve o pecado de Onã e como Tamar seduziu a Judá e no capítulo 39 a tentativa de abuso cometido pela mulher de Potifar contra José. 

Percebeu? Em seis capítulos a Bíblia relata 5 pecados sexuais diferentes, sendo que, em dois deles (Tamar e Potifar), a mulher é a parte ativa. A Bíblia nunca escondeu esse comportamento perverso daqueles que muitas vezes são mostrados como heróis. Certamente você conhece a história de Davi.

Em segundo lugar, a solução divina para a perversidade foi dá-nos seus valores mediante seu Espírito que passou a viver em nós depois de nossa união com seu Filho.
Cristo e sua Igreja são o modelo de vida para a família, especialmente para maridos e esposas. Se os corações não estiverem cheios desse modelo e dispostos a viverem assim, não haverá legislação que “erradique a violência” que é inerente ao homem pecador.

“Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações” (1Pedro 3.7).

Repare que, tanto a lei brasileira quanto a ordem bíblica têm por objetivo o homem. Aquela o criminaliza e o separa da mulher e esta o obriga a viver de forma diferente considerando a fragilidade, a dignidade, a igualdade de deveres perante Deus e o bem das orações do casal.

E novamente chegamos a importância das orações. O atendimento delas é condicionado a uma vida de respeito à família.

domingo, 3 de novembro de 2013

O papel dos porcos na vida de oração

Enquanto olhava os porcos comendo aquelas vagens sem sabor ele se lembrava de quando podia comer os pratos mais saborosos, acompanhado das melhores companhias que o dinheiro podia atrair ou comprar.

A fome sentida era tão intensa que as alfarrobas pareciam apetitosas, afinal os porcos a comiam com uma voracidade impressionante. Mas não lhe permitam comer delas. O patrão pagava muito por uma porção delas.


 
Provavelmente a algazarra do chiqueiro tenha trazido à sua lembrança a algazarra dos servos de seu pai, no galpão, onde comiam.

- Que qu’eu to fazendo aqui? Na casa de meu pai até os servos tem pão com fartura e eu aqui não posso sequer comer a comida dos porcos? Vou-me embora! Vou pedir perdão a meu pai e me vender como escravo. Pelo menos a fome eu mato.

- * -

Geralmente ouço como desculpa à pouca oração: “Se Deus sabe de todas as coisas para que orar”? Adianta muito pouco dizer que oramos porque Deus nos manda orar e pronto, pois embora isso seja verdade, essa resposta nos priva de uma grande lição sobre Deus e sobre nós mesmos.

Você já parou para pensar por que razão o pai deixou seu filho sair de casa? Está lembrado? Não há sequer uma tentativa de dissuadi-lo. O filho pede sua parte na herança e, sem discutir, o pai reparte seus bens. O filho transforma tudo em dinheiro e vai para uma terra distante e o pai permaneceu calado.

- * -

Pelo caminho de volta o filho vem ensaiando o que falaria com o pai. Precisava prometer algo que pudesse cumprir, pois o que ele havia feito era o mesmo que considerá-lo morto.

A distância era tão grande que ele teve tempo de preparar mais do que uma desculpa. Ele preparou uma súplica: Pequei. Não sou digno. Aceita-me como um escravo.


Se o pai não o tivesse deixado na situação de desejar comer a comida dos porcos, ele jamais faria essa oração. E esta é a lição para nós: a oração mostra que ele aprendeu a se conhecer. Nela ele confessa que havia afrontado o pai, que havia se tornado indigno de ser seu filho e que valia menos do que um escravo.

Essa oração demonstra também que ele aprendeu a conhecer o pai, pois apesar de tê-lo afrontado ele sabia que seu pai era misericordioso. Misericordioso até com os escravos.

- * -

O maior beneficiado com nossas orações não é Deus. Ele não precisa nem gosta de bajulação. E, ao contrário do que esses doidos de plantão afirmam, ele não está carente e sequer precisa de elogios.

Nós mesmos somos os maiores beneficiados com nossas próprias orações. Uma oração sincera é produto de um coração aberto. Uma oração verdadeira só é dita por quem conhece seu próprio estado e ao mesmo tempo confia na misericórdia de Deus: o Pai.

- * -

Resta-nos pensar: “será que Deus terá de permitir que eu, na minha insensatez, chegue à situação de desejar a comida dos chiqueiros para então aprender a orar”?

Que não seja esse nosso destino.

 
Publicado originalmente em 22/9/2007

sábado, 26 de outubro de 2013

Presumir

Presumindo que a promessa de Deus demorava, Sara tomou sua escrava e deu a Abraão, para que, por meio dela, Abraão tivesse seu descendente. Porém, a promessa de Deus tinha sido feita à família verdadeira.

Presumindo que Moisés não voltaria do Monte Sinai, o povo convenceu Arão a fazer um bezerro de ouro ao redor do qual passaram a celebrar a saída do Egito, embora o Senhor tenha deixado claro que fora ele quem os libertou e determinado que esperassem o retorno de Moisés.

Presumindo que, ao aceitar o holocausto oferecido por seu pai, Deus aceitaria também qualquer coisa que fizessem, Nadabe e Abiú se atreveram a chegar diante de Deus com fogo diferente daquele que Deus havia acendido no altar. Mas, Deus tinha deixado claras suas tarefas.

Presumindo que Samuel não chegaria antes que o povo fosse embora – pois já o esperavam há dias – Saul tomou a iniciativa de oferecer holocausto, embora Deus tivesse deixado claro que isso era função exclusiva de seus sacerdotes.

Presumindo-se dono de seu destino, o homem rico, depois de uma boa safra, decidiu fazer novos celeiros e tranquilizou sua alma dizendo-lhe: “tens muito em depósito: come, bebe, regala-te”, sem saber que naquela noite ela seria pedida.

Presumindo que o pai demoraria a morrer, e sua parte na herança não seria bem aproveitada, o irmão caçula pediu-lhe o adiantamento da partilha, sem imaginar que ao gastá-la viria a desejar comer a comida dos porcos e não o permitiriam.

Presumindo que seu Senhor demoraria o “servo infiel” passou a espancar seus companheiros e a comer e a beber com ébrios, embora o Senhor lhe tivesse ordenado que vigiasse.

-*-

De quantos exemplos ainda precisaremos? Será que não fazemos coisas semelhantes?

Qual Sara, nunca presumimos que as promessas do Senhor carecem de nossa ajuda? Você já reparou como já chegamos a inventar novos textos bíblicos para justificar esse tipo de atitude? Às vezes ouço: “faça a tua parte e eu te ajudarei” ou “a bênção dá a quem pede” (sic).

Porventura, nunca adoramos bezerros de ouro ou acendemos fogo estranho diante do Senhor para agradar um povo impaciente de novidades?

Ou nunca decidimos que é melhor contribuir em outro lugar, pois “aqui, meu dinheiro está sendo mal empregado”? Quantas vezes encontramos mais paz no saldo do extrato bancário do que nas Santas Escrituras?

Quantas vezes planejamos nossa vida como se o Senhor nunca fosse nos pedir contas de como administramos aquilo que ele nos confiou?
Dentre as muitas origens dos pecados de cada dia, aqui está uma delas: Presumir.

-*-

Tomamos em nossas mãos as rédeas de nossas vidas, da Igreja e até do culto ao Senhor, curiosamente, este pecado, cada dia, é menos notado e odiado – algumas vezes chega a ser considerado virtude – por uma sociedade ávida de resultados.

Hoje, Sara seria elogiada como esposa abnegada. Já escutei sermões elogiando o amor de Sara por Abraão. Hoje, Saul seria visto como herói. E se você examinar o caso sob a ótica moderna concluirá que ele é um bom modelo de líder: não perdeu a oportunidade ao ver o povo reunido. Hoje, Arão seria visto como atento às necessidades do povo e preocupado com um culto relevante às massas sedentas.

Entre nós não deve ser assim! Ao contrário “portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1.17-19).

Publicado originalmente 18/8/2007

sábado, 19 de outubro de 2013

Carnes gordas e afins

“Disse- lhes mais:
ide, comei carnes gordas,
tomai bebidas doces
e enviai porções aos que não têm nada preparado para si;
porque este dia é consagrado ao nosso Senhor;
portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do SENHOR é a vossa força”
Neemias 8.10

O que mudou? Dia a dia cresce no número de pessoas para quem a ordem dos auxiliares de Neemias, transcrita acima, não faz qualquer sentido, ou melhor, sequer pode ser cumprida.

Leite desnatado e sem lactose, café sem cafeína, açúcar sem sacarose, sal sem sódio, óleo sem colesterol, farinhas sem glúten...

O que sobra do leite quando se tira dele sua nata e aquilo que lhe diferencia e dá nome (a lactose): Água branca? E o que sobra do café ao se retirar a substância que responsável por que atraía a atenção de um pastor que percebeu suas cabras mais espertas depois que comiam aquelas frutinhas? Água preta? O mesmo poderia ser dito dos demais alimentos dessa lista (e de outros que não me ocorrem agora). Será que a humanidade está condenada a perder a essência daquilo de que se alimenta?

O pecado distanciou o homem de tudo, não apenas de Deus, e causou-lhe a perda da interação perfeita com o habitat. A terra começou a produzir cardos e abrolhos e ele, à custa de suor e sofrimento, passou a cultivá-la para obter seu sustento. Por seu pecado acabou perdendo a capacidade de relacionar-se com a essência daquilo que foi criado por Deus, sobre o que recebera domínio. Começou então a relacionar-se cada vez mais com os aspectos resultantes da queda.

Este relacionamento superficial e perverso não se limitou apenas a coisas físicas, mas até em áreas imponderáveis, como religião ou a moral, ele pode ser visto: Religião sem Deus, amizade sem fidelidade, sexo sem o pacto do casamento, etc.

O desespero do homem é tão grande, que até mesmo aquilo que foi legado por Deus como um alerta ao seu erro, a culpa, ele conseguiu perverter e vemos de forma muito clara o pecado sem culpa.

Não era pra ser assim! Nem mesmo naquilo que não foi criado pelo homem. Volte aos alimentos e veja como ele mostram a ação divina:

1. No texto que encabeça este artigo, comer carnes gordas e beber bebidas doces são receitas contra a tristeza e estão ligadas diretamente às bênçãos de Deus. Ao contrário do que somos instados a fazer hoje: tirar as gorduras da carne e a pele do frango.

2. A Terra Prometida foi descrita por Deus como “terra que mana leite e mel”, pois suas ricas pastagens favoreciam em muito a produção de leite e a exuberância de sua vegetação florida propiciava uma produção abundante de mel. Era como se a terra mesmo, de tão fértil, produzisse com fartura, manasse, leite e mel.

3. Moisés exortou o povo a lembrar-se do modo como Deus os guardou durante o êxodo com a seguinte descrição: “... o SENHOR o guiou, e não havia com ele deus estranho.Ele o fez cavalgar sobre os altos da terra, comer as messes do campo, chupar mel da rocha e azeite da dura pederneira, coalhada de vacas e leite de ovelhas, com a gordura dos cordeiros, dos carneiros que pastam em Basã e dos bodes, com o mais escolhido trigo; e bebeste o sangue das uvas, o mosto” (Dt 32.12-14). Ou seja: Eles foram abençoados por Deus com: cereais (naqueles dias os mais comuns eram a cevada e o trigo), mel, azeite, coalhada, leite, gordura, trigo, uvas e o mosto delas, ou seja, seu vinho.

4. Falando sobre os acontecimentos futuros, o profeta Isaías diz: “O SENHOR dos Exércitos dará neste monte a todos os povos um banquete de coisas gordurosas, uma festa com vinhos velhos, pratos gordurosos com tutanos e vinhos velhos bem clarificados” (Is 25.6). Observe o que será servido pelo SENHOR: Carnes gordurosas com tutano e vinho velho e vinho purificado (refinado, filtrado, clarificado, etc.).

Há mais textos que falam das bênçãos de Deus representadas na fartura de alimentos que, por motivos de saúde, o homem de hoje evita. Bênçãos de Deus que infelizmente não podemos receber.

Talvez, em poucos lugares isso fique tão claro quanto na Ceia do Senhor. Muitas igrejas perdem a alusão à maturidade que deve caracterizar os discípulos do Senhor, usando suco de uva no lugar do vinho. Fazem isso para não despertar o alcoolismo latente de quem está lutando contra o vício que, tanto em sua componente hereditária quanto em sua componente comportamental (o abuso), é fruto do pecado que, nos distanciando de Deus, nos torna cada vez mais fracos e sem domínio próprio, portanto, mais suscetíveis de ser dominados pelo que deveríamos dominar.

O que fazer? Esperar em Deus, pois somos impotentes para corrigir essa situação. Lembre-se da profecia de Isaías: Ele dará o banquete!

Façamos como nossos irmãos do passado e oremos para que a volta de seu Filho ocorra logo, pois com ela todas as coisas serão restauradas ao estado de antes do pecado. Maranata.

domingo, 13 de outubro de 2013

Ansiedade

...lançando sobre ele
toda a vossa ansiedade,
porque ele tem cuidado de vós
(1º Pedro 5.7)

Em muitos lugares as Sagradas Escrituras nos advertem sobre a dificuldade de se viver os padrões de Deus. Diferentemente do marketing feito pelos novos evangélicos as Escrituras não prometem nada além de dificuldades. Afinal, se o próprio Jesus disse que estava nos enviando como ovelhas para o meio de lobos, dizer algo diferente é, no mínimo, mentira.

As dificuldades que enfrentamos decorrem do fato de que os nossos padrões e os padrões do mundo em que vivemos estão aquém dos padrões impostos por Deus. Aliás, na grande maioria das vezes são opostos.

Creio que a maior dificuldade é aquela que estamos vivendo no momento, pois é com ela que temos de nos ocupar. Creio também que quando o Senhor Jesus disse que “basta ao dia o seu próprio mal”, nos ensinou que cada dia traz consigo algum tipo de dificuldade para aqueles que vivem na dependência do Pai.

Entretanto se olharmos para as dificuldades sofridas por nossos antepassados, perceberemos que a soma de todas as dificuldade pelas quais estamos passando é nada perto das que eles sofreram. Ou será que, diante de uma fogueira, ou de instrumentos de tortura, continuaríamos firmes em nossa fé?

Mas, voltando às nossas dificuldades diárias, que não incluem perseguições - pelo menos por enquanto - há um mal que nos persegue implacavelmente, pois está dentro de nós e nos acompanha todos os dias: a ansiedade.

Quem pode controlá-la? 

Ela tem duas origens: disfunções de nosso organismo ou a percepção de algum tipo de ameaça futura. As disfunções orgânicas podem ser remediadas. Já temos até um nome para essa classe de remédios: ansiolíticos (de ansiedade mais a palavra grega lytikos, que significa capaz de dissolver).

Mas, e as percepções de ameaças? Fundamentadas ou não elas revelam o quanto cremos que Deus está no controle de tudo. Em síntese: elas demonstram, em maior ou menor grau, verdades sobre nossa fé.

Como Deus é misericordioso para conosco, os remédios que atuam contra a disfunção orgânica também nos ajudam naquilo que deveria ser resolvido pela robustez da fé. É como se Deus, respondendo ao pedido daquele pai citado por Marcos 9.21-27, minorasse o sofrimento que nossa pequena fé nos faz passar.

Porém, necessito fazer uma ressalva. Até aqui vimos o lado negativo da ansiedade. Paulo, em 2Co 11.28, usa a mesma palavra pra falar dos cuidados que pesam sobre ele com relação as igrejas, e bem sabemos que podemos ficar ansiosos face a algo de bom que esperamos acontecer. Não ficam ansiosos os noivos antes do casamento? Não vive ansiosa a Igreja aguardando a volta de seu Senhor?

Hoje estamos diante de presumíveis adversidades, mas também estamos diante de enormes possibilidades. Ambas podem nos deixar ansiosos. Não há o que fazer além de colocar em prática a ordem do Apóstolo Pedro e pedir que Deus tenha misericórdia de todos nós.

domingo, 6 de outubro de 2013

Perdoar

Todos nós sabemos o que é perdoar. Também sabemos quão difícil é perdoar verdadeiramente e sabemos que perdoar é muito mais do que simplesmente dizer: eu te perdoo. Porém, mais difícil ainda é ter certeza de que perdoou de fato.

Há alguns anos aconselho pessoas que não conseguem ter certeza de que perdoaram de fato. Essa dúvida geralmente se expressa por frases do tipo: Eu perdoei! De coração eu perdoei! Mas, quando nos encontramos a primeira coisa de que me lembro é do erro que eu perdoei. Então, como posso ter perdoado se não esqueci?

Primeiro, é preciso deixar bem claro que perdão não tem nada a ver com memória. O perdão exige apenas três atitudes: 1) Não levar em conta o erro que se perdoou ao tratar com a pessoa que foi perdoada, 2) não basear uma ajuda futura a quem perdoou no fato ocorrido, e 3) não divulgar o erro perdoado com o intento de difamar a quem se perdoou.

Para ficar mais claro: Eu posso até me lembrar de que Fulano, com quem convivo, fez algo errado comigo. Mas, se o perdoei de fato - e sou obrigado a fazer isso “não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete” - não deve ser tal lembrança, ainda que muito incômoda, que me atrapalhe a convivência diária com ele.

Posso até me lembrar de que Beltrano não me pagou uma dívida. Mas se eu disse, obedecendo ao Senhor, que o perdoava, não posso - tendo condições de atendê-lo - negar um empréstimo que ele venha a me pedir.

Posso até me lembrar de que Sicrano não cumpriu o que me prometeu. Mas, se na presença do Senhor eu o perdoei por isso, não posso espalhar pra todo mundo que ele não cumpre o que promete.

Nesse último caso, há uma observação: Se alguém está em vias de fazer um acordo com o Sicrano e esse alguém vier me pedir referências sobre ele, mesmo tendo perdoado, não posso me omitir. Ou seja: perdoar não exige que eu minta.

Romanticamente nos obrigamos a confirmar com sentimentos aquilo que afirmamos ter feito. Isso é uma grande dificuldade para quem vive pela fé. Não temos de sentir por quem perdoamos a mesma coisa que sentíamos antes. Se sentirmos, tanto melhor. Mas somos obrigados a manter as três atitudes do perdão.

Fomos perdoados de uma ofensa infinitamente maior do que qualquer coisa que pudermos imaginar. Não podemos prestar culto a Deus, orar como ele quer que oremos, ou participar da mesa de seu Filho se não perdoarmos nosso irmão. O verdadeiro crente é obrigado a perdoar de fato e não a enganar-se com sentimentos forçados.

Tampouco Deus exige que esqueçamos o que sofremos para chegar àquela atitude de perdão. Enquanto a graça de Deus não apagar o ocorrido de nossa memória (o que geralmente ele faz usando o tempo) todas as vezes que nos lembrarmos do mal, nos lembremos também das atitudes de perdão e coloquemos tudo aos pés da cruz. Um dia esqueceremos. Se não esquecermos, no dia eterno ele “enxugará de nossos olhos toda lágrima”.

Publicada originalmente em 8/8/2010

domingo, 29 de setembro de 2013

Os adornos do Espírito

Mal saíram do Egito - escravos, fazedores de tijolos com uma terra tão ruim que exigia vegetais para dar liga à massa - Deus os reuniu aos pés do Monte Sinai. Lá deveriam se tornar um povo. Lá receberam a aliança que Abraão, séculos antes, conhecia pela fé.

De tão rudes, a aliança lhes foi resumida em tábuas de pedra. Mas, como analfabetos observariam o que estava escrito? Tudo foi sancionado então com sangue de cordeiros inocentes; depositado em uma arca de ouro e entregue a uma tribo separada para que as observassem. Finalmente, foi ordenado que fizessem uma tenda especialmente adornada onde seriam guardadas.

Os adornos dessa tenda não podiam ser produto da imaginação de qualquer um. Deus chamou dois homens para elaborar o projeto dela, treinar seus auxiliares e edificá-la, conforme a vontade dele. Tudo foi prescrito: As paredes, a cobertura, os móveis, a decoração, até mesmo a roupa que os oficiantes vestiriam enquanto estivessem dentro dela. Fariam a partir de metais, madeiras, tecidos, e especiarias. O Espírito Santo os capacitaria como marceneiros, entalhadores, ourives, bordadores, perfumistas, etc.

A tenda seria a morada das tábuas da Lei de Deus, portando da Vontade de Deus e em última análise do próprio Deus. Nada mais natural, portanto que fosse construída e ornamentada conforme seu querer e caráter.

A tenda foi erigida e consagrada: “...Então, a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do SENHOR encheu o tabernáculo. Moisés não podia entrar na tenda da congregação, porque a nuvem permanecia sobre ela, e a glória do SENHOR enchia o tabernáculo... De dia, a nuvem do SENHOR repousava sobre o tabernáculo, e, de noite, havia fogo nela, à vista de toda a casa de Israel, em todas as suas jornadas” (Ex 40.34-38).

Esse sinal fantástico, fogo sobre a tenda da congregação, se repetirá sobre o Templo de Salomão, mas não sobre o Templo de Zorobabel.

Muitos séculos se passaram e depois da morte, ressurreição e ascensão de Jesus perceberam que uma nova criação teve início, substituindo a que nosso pai Adão estragou. Uma pequena multidão (cento e vinte?), reunidos em uma casa, viu aquele mesmo fogo descer sobre a cabeça de cada um. Cada um era um tabernáculo em que a Lei de Deus morava. Agora ela era escrita no coração e não em tábuas de pedra, como os profetas do Senhor falaram tantas vezes.

Mas, e os adornos dos quais o Senhor fizera tanta questão no primeiro tabernáculo? Estavam todos lá.

As pedras preciosas no peito deram lugar ao que simbolizavam: boas obras. O linho branco foi substituído pelas vidas santas e estofo pela paciência e longanimidade. Etc.

Todos capacitados a fazer o que antes poucos fizeram. O Espírito agora não habitava com eles. Habitava neles. E hoje habita em nós!

No passado longínquo todas as coisas eram figuras de algo superior que se cumpriria em Jesus e seria transmitido ao seu povo. Por essa razão é que Pedro ensina que o verdadeiro adorno é “o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus” (1Pe 3.4).

(Publicado originalmente em 1/7/2011)

sábado, 21 de setembro de 2013

Rev. José Manoel da Conceição

Em 1863 o missionário Rev. Alexander Blackford, cunhado do Rev. Ashbel Green Simonton, ao mudar-se do Rio de Janeiro para São Paulo, ouviu falar de um “padre protestante”. Era o Pe. José Manoel da Conceição que morava perto de Rio Claro.

O Pe. José tinha então 41 anos. Havia nascido na capital, mas foi criado em Sorocaba pelo tio José Francisco, que era padre. Aos 18 anos foi estudar teologia e aos 20 foi ordenado sub-diácono começando o exercício de seu ofício nas proximidades de Sorocaba.

Seu contato com a Bíblia aconteceu no Seminário. Com os protestantes aconteceu através de uma família luterana com quem fez amizade nos primeiros anos de ministério (destacava o respeito que eles tinham para com o Dia do Senhor). Com as doutrinas protestantes aconteceu quando procurou aprender a língua alemã: seu professor usava como texto de leitura os sermões de Lutero.

Aos 23 anos foi ordenado presbítero e enviado pelo Bispo para uma das igreja de Limeira onde começou a pregar de tal modo que passou a ser chamado de “Padre Protestante”. Irritado, o bispo decidiu transferi-lo para Piracicaba, onde continuou sua pregação e de onde foi transferido para Monte-Mór, e depois para outras cidades.

Essas transferências, que deveriam lhe servir de alerta, propiciaram que sua mensagem evangélica fosse disseminada por diversas cidades de São Paulo e mais tarde influenciariam seu ministério itinerante, pois voltou a essas mesmas cidades pregando novamente e levando muitas pessoas ao Evangelho.

Por fim, aos 41 anos, o Bispo o nomeou para um cargo administrativo e ele mudou-se para as proximidades de Rio Claro onde possuía um sítio e onde deu-se o Encontro com o Rev. Blackford.

No ano seguinte, aos 42 anos, em visita ao Rev. Blackford em São Paulo, decidiu abraçar o protestantismo. Nesse mesmo ano voltando a São Paulo comunicou ao Bispo sua decisão e foi ao Rio de Janeiro onde conheceu o Rev. Simonton e fez sua Pública Profissão de Fé. Nesta ocasião pediu para ser rebatizado, pois entendia que fora batizado em uma fé completamente diferente (vale observar que este pedido fez com que os missionários passassem a rebatizar todos os crentes vindo do catolicismo e tornou-se uma prática da Igreja Presbiteriana do Brasil até os dias atuais). Após a cerimônia dirigiu-se à Igreja explicando as razões pelas quais deixou a igreja de Roma e recebeu a Fé Protestante.

Durante as viagens, que passou a fazer com os missionários, era frequentemente tranquilizado em suas crises de consciência pelo seu passado.

No ano seguinte o primeiro presbitério brasileiro foi organizado em São Paulo e recebeu o nome de Presbitério do Rio de Janeiro, em atenção à cidade da corte imperial. Era composto pelas Igrejas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brotas, e dos Pastores Rev. Blackford (Presidente), Rev. Simonton, e Rev. Francis Schneider. A Igreja de Brotas era a maior e fora fundada mormente graças aos esforços de Conceição.

Nesta primeira reunião o Presbitério, em 17 de dezembro (hoje dia do Pastor Presbiteriano) o ordenou pastor, após exame e sermão de prova, com grande repercussão no público católico.

Sua excomunhão pela Igreja de Roma não demorou e seu ministério evangélico itinerante por todas as cidades que conhecia e virtualmente todas as cidades do Estado de São Paulo, diversas do Rio de Janeiro e do Sul de Minas Gerais e algumas no Paraná, ganhou força. Poucas vezes de trem, algumas a cavalo e a maioria delas a pé, de casa em casa, de sítio em sítio, de fazenda em fazenda.

Onde era bem recebido, além de anunciar o evangelho, retribuía a hospedagem servindo de enfermeiro ou de simples varredor do quintal.

Quando sua sentença de excomunhão foi publicada nos jornais escreveu “A Sentença de Excomunhão e sua Resposta”, que acabou tornando-se um livreto muito divulgado.

Como suas viagens lhe prejudicavam a saúde, e a experiência dos missionários mostrava que não adiantava fixar-lhe um lugar, o incentivaram a ir aos EUA. Ficou lá por quase um ano. Pastoreou igrejas da comunidade portuguesa no Illinois, mas principalmente valeu-se de seus conhecimentos de vários idiomas para traduzir diversas publicações e chegou a revisar a tradução de um Novo Testamento para a Sociedade Bíblica Americana.

De volta ao Brasil em 1868 (já com 46 anos), após a reunião do Presbitério, voltou as suas viagens. Já não estava “afinado” com o rumo do trabalho dos missionários, que agora enfatizavam a estruturação da Igreja Brasileira. Ele continuava a evangelizar e mandar seu relatórios com o nome dos novos convertidos.

Solitário, era frequentemente acometido de angústias (o que hoje chamamos de depressão) agravadas pelas perseguições de romanistas, que chegaram a agredi-lo fisicamente e até mesmo a apedrejá-lo. Na cidade mineira de Campanha foi dado como morto após um apedrejamento.

Aos 51 anos (em 1873) o Presbitério o convocou ao Rio de Janeiro com o fim de cuidar de sua saúde e morar em uma casa que o Rev. Blackford alugara. Na viagem, a pé, em 24 de dezembro, faminto cansado e fustigado pelo calor da baixada fluminense, desmaiou e foi levado a um quartel do exército em cuja enfermaria foi bem tratado. Na madrugada do dia 25 o Senhor o chamou para uma casa melhor.

sábado, 14 de setembro de 2013

Imagens de Jesus (2a. Parte)

No artigo anterior mostrei como a IPB, sempre cuidadosa de sua confessionalidade, acabou fazendo o que todas as denominações evangélicas já faziam: Estampar o rosto de Jesus. Hoje quero examinar o pensamento que está por traz disso.

Não tenho a menor dúvida de que nosso Senhor Jesus, mesmo sendo Deus, ao assumir nossa natureza em nada diferia de um homem qualquer. Nem quem convivia com ele via algo diferente: Disse-lhe Jesus: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9).

Não tenho também a menor dúvida de que aquele simples homem era o Deus vivo: porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9); e seu corpo expressava o Pai:  porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9).

Minha dúvida é se temos autoridade de fazer imagem dele.

O raciocínio de quem acha que pode é o seguinte: Estamos proibidos de fazer imagens de Deus Pai (e de qual quer outra coisa para com fins de adoração), mas Deus Pai se encarnou: adquiriu uma figura humana. “Se estivéssemos na manjedoura certamente tiraríamos uma foto do bebê”.

Esse raciocínio padece em vários pontos: 1) A figura humana de Deus ainda é Deus. Portanto a proibição estende-se também a ela. 2) Se ele continua sendo Deus, fazer uma representação dele só pode ser para adoração, pois para outra coisa cometeríamos um ato de “lesa-divindade”. 3) Não estávamos na manjedoura e naqueles dias não havia máquinas fotográficas.

Sobre esse último ponto há que pensar que a maioria das nações ao redor possuíam alto grau de desenvolvimento nas artes plásticas.

Os Gregos, muito antes de Jesus nascer, esculpiam estátuas de mármore onde se podia ver com detalhes os músculos do corpo, as veias e desenvolveram a técnica de “sugerir” ao espectador a representação dos fios de cabelo e da expressão do olhar (Procure fotos da escultura “Laoconte e seus filhos” e você poderá comprovar minhas afirmações). Entretanto, Deus fez Jesus nascer em um povo, que foi por ele proibido de ter esse tipo de arte figurativa e não em um povo onde ele poderia ser retratado com precisão.

Agrava-se o fato de que não há qualquer descrição de Jesus, durante “os dias de sua carne” nas Escrituras Sagradas. Podemos deduzir que, sendo judeu legítimo ele fosse moreno, e como carpinteiro trouxesse as marcas de sua profissão: mãos ásperas e corpo musculoso. Mas usar textos como de Isaías 53.2, para dizer que seu rosto não tinha os padrões de beleza daqueles dias é meio forçado. Como também deduzir de 7.34 que ele estava acima de seu peso. 

Porém, há uma descrição nos versículos iniciais do Apocalipse, que devem causar muito mais meditação por parte de quem a lê do que apreciação estética. Mas lá está descrito Jesus glorificado e muito do que lá aparece é simbólico como a espada de dois gumes que sai de sua boca. Obviamente isso é uma metáfora do poder de sua palavra.

Finalmente, será que nossas crianças ganham algo de concreto ao ver figuras de Jesus retratado com os mais diversos rostos? Será que elas não estão sendo preparadas, ainda que involuntariamente, para ver Jesus no primeiro falso Cristo que se apresentar, como estamos advertidos que acontecerá?

Que tipo de fé é esta que está sendo cultivada sobre matéria? Pior: Matéria ilusória?

Nossos filhos, hoje, possuem uma apreciação maior pela obra terrível desempenhada por Jesus ou possuem apenas mais liberdade ao ponto de trata-lo como “o cara”?

Vamos pensar atentamente nesse assunto, pois a modernidade aplicada a ele não trouxe resultados bons e nos levou a quebra sistemática do Segundo Mandamento.

sábado, 7 de setembro de 2013

Imagens de Jesus (1ª Parte)

 

Nas Igrejas de Fé Reformada há um debate silencioso sobre se as Escrituras permitem-nos fazer imagens de Jesus.

Na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), até a primeira década de 1900, havia um consenso de que não podia. Porém, esse consenso foi corroído com o tempo e por fim demolido com uma estratégia bem articulada, que visava a permitir a exibição de filmes do então CAVE (Centro Áudio Visual Evangélico). Olhando a história encontramos:

1º A Assembleia Geral julgando inconveniente o uso de gravuras bíblicas (Doc. 1918:26).

2º A Comissão Executiva do Supremo Concílio (CE/SC) de 1956 determinando verificar a conveniência da IPB filiar-se ao CAVE (56-035).

3º A CE/SC de 1957 homologa a parte do relatório do presidente do SC que informa ter filiado a IPB ao CAVE (Doc. 57-036).

4º No Supremo Concílio seguinte (1958) encontramos uma consulta do Sínodo Oeste do Brasil (DOC 58-100) “sobre emprego da representação de Cristo em figuras ou imagens como vem sendo feito pelo CAVE, em filmes exibidos nas igrejas”.

A decisão do SC deixa-nos entrever parte das divergências e produz uma proibição, no mínimo, esdruxula: “Quanto ao Doc. 6 consulta do SOB, sobre emprego da representação de Cristo em figuras ou imagens como vem sendo feito pelo CAVE, em filmes exibidos nas igrejas. Considerando a alta importância das lições objetivas na educação da criança e do adolescente, método largamente empregado na atualidade pela pedagogia moderna; Considerando que as lições objetivas vêm sendo usadas nas igrejas com grande oportunidade no ensino das verdades religiosas! Considerando ainda, que a ‘letra e o espírito’ do 2° mandamento citado, pelo consulente, referem a imagens e figuras com fins exclusivos de culto e adoração, o SC resolve: 1) Declarar não haver nenhuma incoerência no uso da figura ou filmes bíblicos com finalidades educativas. 2) Determinar que não se use, nos métodos audiovisuais, flanelografia e outros, a representação das pessoas da Santíssima Trindade”.

Esta resolução nos leva a diversas conclusões:

1ª A IPB não queria filiar-se ao CAVE devido a seus filmes retratarem a Jesus, mas sua direção queria. Tanto é que depois de filiada houve a consulta do Sínodo Oeste do Brasil. Vale explicar que nos antigos flanelógrafos, usados para ensinar crianças, Jesus era sempre mostrado de costas.

2ª A resposta do SC, não é teológica nem confessional, mas pragmática: “vem sendo usadas nas igrejas com grande oportunidade no ensino das verdades religiosas!”.

3) Usa-se o mesmo argumento usado pela Igreja de Roma para manter suas imagens: Ensino.

4) E então surge uma verdadeira pérola: “Determinar que não se use ... representações da Santíssima Trindade”. Ou seja: O SC está declarando (talvez por lapso) que Jesus encarnado não é parte da Santíssima Trindade!

A partir de então, todas as publicações sentiram-se livres para estampar o rosto de Jesus onde queriam e os filmes do CAVE passaram a ser exibidos na maioria das Igrejas Presbiterianas.

Mas, qual é o problema? Simples! Nosso Catecismo, interpreta o Segundo Mandamento: “Pergunta 109. Quais são os pecados proibidos no segundo mandamento? Resposta: Os pecados proibidos no segundo mandamento são: ... fazer qualquer representação de Deus; de todas ou de qualquer das três Pessoas, quer interiormente em nosso espírito, quer exteriormente em qualquer forma de imagem ou semelhança de alguma criatura...”.

Portanto o que temos diante de nós é: uma desobediência flagrante ao que juramos ser a exposição fiel das Sagradas Escrituras (ou um fato teológico novo do qual discorda toda cristandade: Jesus depois de adquirir sua natureza humana deixou de ser uma das Pessoas da Trindade).

Mas, será que Jesus encarnado não é a chance de vermos a Deus?

Isto é o que vamos examinar no próximo Domingo.