quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Agulhas

O que é que leva alguém a enfiar agulhas no corpo de uma criança? Perguntaram-me diversas vezes nesses últimos dias.

E, como se não bastasse, para fechar o ano, já se tem notícia de outra criança e de uma mulher. O Estadão de 19/12 diz sobre a segunda criança: a polícia suspeita de que ela tenha sido “vítima de um ritual de magia negra”.

Eu não duvido da atuação dos demônios, porém duvido menos ainda da terrível maldade do coração humano. Explico:

A crença geral é a de que todos os homens possuem coração bom. Os maus fazem coisas assim por terem sofrido algum tipo de desvio na educação ou na socialização. Entretanto, não é bem isso que a Bíblia ensina. O que ela nos diz é que todos nascem com o coração “desesperadamente corrupto”.

Nosso pai Adão foi criado com o coração livre e sem qualquer tipo de propensão. Entretanto, após haver desobedecido a Deus, (desobedecido em uma exigência tão simples, que ele poderia perfeitamente ter cumprido, e que, de tão simples, mostrava apenas se ele obedeceria ou não, sem outro motivo além da própria obediência) seu universo se desequilibrou. Desequilibrou-se a tal ponto que se tornou propenso apenas para o mal.

Agostinho dizia que antes nele havia o “posso não pecar” e depois passou a existir o “não posso não pecar”.

Esta propensão para o mal atingiu também tudo aquilo sobre o que o Criador lhe colocara, e, como aconteceu antes do nascimento de seus filhos, tudo que lhe era sujeito e todos os seus descendentes herdaram tal propensão.

De tal modo que hoje, todos nós, descendentes de Adão, temos um coração tão propenso ao mal que, se não for a graça de Deus, qualquer um de nós pode espetar agulhas em um bebê sem qualquer tipo de remorso.

A Graça de Deus, a que faz “nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mateus 5.45), é a mesma que minora o mal e coíbe as mais perversas formas de bestialidade e imoralidade entre os seres humanos. Pois, na verdade, o coração do homem sem Deus não é muito diferente do coração dos demônios.

Quando neste “coração manjedoura” nasce o Senhor Jesus, ocorrem muitas mudanças. A primeira é uma verdadeira luta que se estabelece entre as propensões herdadas de Adão e a vontade do “novo morador da manjedoura”. E essa luta é fruto de uma graça que já não é mais comum a todos.

Porém, a mudança total do “coração manjedoura” só ocorrerá quando estivermos na presença do Senhor. Por isso, até quem possui essa nova natureza é também capaz de fazer coisas hediondas. Mas as faz por exceção, não por regra. Não permanece fazendo-as nem deixa de sentir a maior tristeza por ser capaz de fazê-las.

Estamos iniciando mais um ano e olhando para o que ficou. Temos muito do que nos arrepender. Mesmo que não tenhamos praticado coisas hediondas, bestiais e imorais, diante de Deus, qualquer pecado é mortal, pois exige a morte de seu filho. Arrependamo-nos confiados em sua graça e tementes do que nossa natureza ainda é capaz de fazer. Porém, não deixemos de ser gratos.

Sejamos gratos, primeiramente pelo sacrifício de seu Filho que nos assegura o perdão. E nos lembremos de agradecer pela sua ajuda nesta luta terrível, contra nossa própria natureza.

Sigamos a ordem do apóstolo: ”não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos” (Gálatas 6.9). O que é um bom conselho não apenas para 2010, mas para todos os anos a frente.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A região da sombra da morte



O povo que andava em trevas
viu grande luz,
e aos que viviam na região da sombra da morte,
resplandeceu-lhes a luz.
Isaías 9.2


Não sei se Isaías conhecia o Salmo 23. Talvez conhecesse, pois além da transmissão oral entre os músicos do templo, um dos trabalhos dos escribas de Salomão era registrar a história e os escritos do próprio Salomão e de seu pai, que muitas vezes chegou a especificar, quem devia cantar determinado Salmo, em que dia, com que música, com que instrumento e em qual afinação.
Também não sei se Isaías conhecia o Livro de Jó. Mas sei que a expressão “sombra da morte”, que foi escolhida no texto acima para designar o lugar em que o Messias haveria de nascer, também foi usada diversas vezes por Jó.
Antes de Isaías falar da “região da sombra da morte”, onde o Messias haveria de nascer, Davi já a cantava. E, do que impressionava pelo terror ao patriarca Jó, Davi dizia que não o amedrontaria, pois a Bom Pastor estaria a seu lado.

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À sombra da morte moravam os que viviam na região que foi repartida por Deus à Zebulom e à Naftali. A mesma região, que o Senhor tornou desprezível, testemunharia o aparecimento da verdadeira Luz.
À sombra da morte sofriam sob cetro opressor, curvavam-se sob jugo pesado e a vara lhes machucava os ombros. Viviam tão aflitos quanto seus antepassados viveram debaixo do jugo dos midianitas.
À sombra da morte se acostumaram ao tumulto da batalha, ao som medonho das botas dos guerreiros e às roupas ensangüentadas.
À sombra da morte as únicas alegrias eram as do trabalho honesto e árduo da ceifa ou da desgraça do despojo.
À sombra da morte estavam todos aqueles sobre quem o “zelo do SENHOR dos exércitos” ainda não tinha resplandecido sua maravilhosa Luz.
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Mas a região da sombra da morte é descrita hoje por todos os jornais e vista em todos os noticiários. Se faz presente nos lugares mais inesperados e amedronta a pobres e ricos.
A única luz que dissipa a sombra da morte é aquela que “vindo ao mundo, alumia todo homem”. Aquela que é característica do Maravilhoso Conselheiro. Que é indomável, pois vem do Deus forte. Perene, pois procede do Pai da Eternidade. Benfazeja, pois expressa o amor do Príncipe da Paz.
A luz que dissipa a sombra da morte “resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela”.
À sombra da morte ainda vivem aqueles, que, mesmo desfrutando das benesses das regiões mais ricas e nobres da terra ainda não viram a verdadeira Luz.
À sombra da morte também vivemos nós os que andamos pelo vale com o Bom Pastor. Entretanto, diferentemente dos outros, a verdadeira Luz brilha sobre nós e, sendo lâmpada para nossos pés, nos mostra o caminho para fora deste vale tenebroso.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O que senti e do que estou certo

Vi luzes feéricas, enfeites - os mais coloridos - vi presentes lindos. Vi papéis picados forrando o chão e algodão imitando neve. Vi árvores muito verdes - sempre verdes - e até um presépio animado. Mas não vi a menor recordação do quanto nosso Senhor abriu mão para se fazer um de nós.

Ouvi belas músicas - daquelas que enchem os olhos de lágrimas - ouvi outras feias, com letras absurdas e melodias tolas. Ouvi cumprimentos, discursos e até sermões. Mas não ouvi a menor lembrança de que o Senhor se encarnou para salvar-nos de nós mesmos fazendo-nos justiça de Deus.

Senti cheiros mais doces do que incenso. Cheiro de chocolate quente e de pães recheados de frutas. Experimentei frutas de que só ouvira falar e outras que só aparecem no fim do ano. Mas, só de falar em cheiro de estrebaria, quem estava ao meu lado me chamou de chato.

Apalpei tecidos macios, peles fofas e sedas lisas. Mas o que veio a minha mente foi o pano grosseiro das faixas que enrolaram meu Senhor.

Contemplei paisagens lindas: nevadas, radiantes e estreladas. Contemplei pinturas, gravuras e belos desenhos. Mas nenhuma delas tirou de minha mente a lembrança de que a noite que recebeu meu Senhor foi tão comum que Herodes teve de indagar sua data.

Muitas lendas e muitos contos. Pouca, ou nenhuma, verdade. O verdadeiro significado de separar-se um dia para se comemorar “Deus conosco”, partilhando de nossa natureza, foi soterrado pelos interesses mais sórdidos de ganância e lucro.

Seja feliz (dizem, escrevem, cantam), compre aqui! Como se comprar fosse o caminho da felicidade. Que embuste!

Quero trazer à memória o que me dá esperança: A Misericórdia do Senhor - sem a qual todos nós seríamos consumidos, e, da qual, todas as demais, que se renovam a cada manhã, são apenas figuras - nasceu numa estrebaria e foi deitado numa manjedoura: seu primeiro passo em direção a cruz.

Quero trazer à memória o que me dá a certeza de que juntamente com ele tenho vida na presença do Pai.

Quero trazer à sua memória a mais forte das lembranças que eu puder reavivar: não uma história qualquer, mas a notícia de que Deus se fez homem para que nós fôssemos feitos seus filhos. Não apenas filhos de seu poder criador, mas, filhos de seu amor.

Feliz Natal!

Ao adquirir nossa natureza
o Senhor foi preservado do pecado.

Porém, a natureza que ele adquiriu
não foi a de Adão antes de ter pecado,
muito menos a que Adão teria se não houvesse pecado.
Mas aquela natureza a que nosso pai foi reduzido
após rebelar-se contra Deus.
A mesma com que nascemos
e a mesma que nos faz inimigos de Deus.
Aquela da qual se diz: “éramos, por natureza, filhos da ira”.

Ele não hesitou tomá-la por amor dos seus,
como não se envergonha de ser chamado nosso irmão.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A manjedoura e a cruz

Entre a manjedoura e a cruz não houve muita diferença. As duas são os símbolos máximos da humilhação do Senhor: na manjedoura ele experimentou nossa natureza e dores análogas às que a maldição do Criador impôs à mulher. Na cruz ele experimentou os tormentos do inferno em favor daqueles que o Pai lhe deu.

A manjedoura fala de extrema pobreza. Pobreza que se contentou com o conforto que o lugar onde os animais se alimentam pôde proporcionar a quem saiu do aconchego do ventre materno e, de súbito, foi exposto a um meio hostil.

A cruz fala de maldição. Para ela iam os piores criminosos e os mais reles escravos: os malditos dos homens. Agrava-se, pois o Pai prometera que também consideraria maldito todo aquele que nela fosse dependurado.

A manjedoura fala do começo da vida comum a todos os descendentes de Adão. Vida maculada pelo pecado: biologicamente sujeita ao envelhecimento, às dores, à morte e à decomposição. Espiritualmente, sujeita àquele e àquilo que é mau. Pior: sujeita ao “eu” (tirano implacável de todos os descendentes de Adão). Porém, dessa sina desgraçada - a contaminação do pecado - ele foi preservado.

A cruz fala do fim da vida física comum a todos os descendentes de Adão: a morte. Vitória da entropia que a tudo desliga pondo fim a energia que anima o cérebro - expressão física da alma - ou cadencia o coração - responsável pelo transporte de alimento e pelo coleta do lixo de cada parte do corpo. Disso ele não foi poupado.

Mas a cruz também fala da separação da alma de seu corpo. E aqui está a maior diferença entre a manjedoura e a cruz, pois a esse respeito ele prevaleceu inaugurando uma nova criação, não sujeita a carne ou sangue, mas ao Espírito vivificante.

Na cruz está latente a manjedoura e na manjedoura já pode ser vista a sombra da cruz.

Como se não bastasse o homem já ser indesculpável perante Deus, ele ainda comemora o Natal. E provavelmente não encontraremos um que não tenha pelo menos uma idéia do que ele representa.

Mas, ao comemorar não comemora-se apenas uma possível idéia alegre anunciada pela manjedoura, comemora-se também as tristezas da cruz, que fazendo sombra sobre o menino envolto em faixas, faz bendita sombra também sobre todo aquele que nesse menino encontra o Pai e terrível escuridão sobre quem não a toma sobre si.

Ao encontrarmos a manjedoura esbarramos na cruz. Ao encontrarmos o menino que foi agasalhado no seio de Maria, encontramos também o homem que teve seu lado traspassado por nós.

Portanto, não nos alegremos com o Natal se não estivermos dispostos a receber a cruz que o segue.

 

Na manhã da ressurreição
um anjo convidou as mulheres
a entrar na sepultura em que o Senhor estivera.

Na noite de seu nascimento,
após a mensagem dos anjos,
os pastores se convidaram mutuamente: “vamos até Belém”.

Esses dois convites ainda são feitos
e constituem-se na essência do Evangelho.

Tão importante quanto ver o túmulo vazio
é ver a manjedoura habitada.
É impossível crer em um sem crer na outra.
Enquanto a manjedoura nos fala de Deus habitando conosco,
o túmulo vazio nos fala de nossa habitação com ele.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Orações pecaminosas

Você ficou chocado com o vídeo que mostra algumas pessoas orando agradecidos pelo dinheiro recebido no esquema que a imprensa está chamando de “O novo mensalão”? Apesar de já ter visto coisas semelhantes, eu também fiquei.

No início de meu ministério – no milênio passado – vi uma senhora, viúva há poucos anos, orar diante da igreja, grata pela grande bênção que havia recebido: só teve de gastar 500 cruzados (dinheiro de então) com gorjetas para regularizar o espólio de seu marido que não estava completamente documentado.

O que é que leva alguém a agradecer por algo ilícito? Eu não tenho certeza, mas desconfio que seja a grande importância que tal pessoa dá ao mundo. Para ela o mundo é seu objetivo. Para ela o importante é ter. E o matérial se torna tão importante que Deus lhe está obrigado a dar não apenas o de que necessita, mas também aquilo que vier a desejar.

Esse absurdo deixa claro uma das grandes dificuldades que os pastores sério enfrentam nos dias de hoje: Nenhum pastor desestimula a prática da oração. Entretanto, esse tipo de oração, que coloca Deus como servo, ou que está a serviço do pecado, pode ser muito danosa à vida de qualquer crente em nosso Senhor Jesus Cristo. Neste caso é melhor não orar.

Jesus foi claro ao determinar que nossas orações fossem breves, quando nos advertiu que não é pelo muito falar que seríamos ouvidos. Também deixou claro que não devemos orar em busca de reconhecimento, pois quem o faz já recebeu sua recompensa: ser reconhecido.

Em uma de suas parábolas - talvez a mais irônica delas - ele usa dois personagens: um fariseu (a maior autoridade religiosa de sua época) e um publicano (a pessoa mais odiosa que podia haver, pois cobrava imposto dos seus patrícios em favor dos invasores romanos), representando dois tipos de pessoas que buscam a Deus em oração. O fariseu aproveitava sua oração para elogiar a si próprio e o publicano, contrito, pedia perdão por sua vida errada. Jesus declara que o publicano foi ouvido e o alto religioso, cuja função era cuidar dos assuntos divinos, foi rejeitado.

O apóstolo Paulo explicou que, por não sabermos orar como convêm, o Espírito Santo nos ajuda, sofrendo conosco, nos mostrando pelo que devemos interceder e o que devemos pedir. Hoje isso é feito através da iluminação que ele nos proporciona pra entendermos as Santas Escrituras por ele mesmo escritas.

E a razão de tal cuidado que o Espírito Santo tem conosco é muito simples: Se nossas orações não forem acompanhadas pela leitura de suas Escrituras, corremos o risco de acabar decidindo nós mesmos pelo que orar. E nosso coração pecaminoso colocará na nossa frente necessidades tolas ou aberrações como a de agradecer pelo pecado cometido.

Não devemos orar sem ler a Bíblia. Ao ler sabemos quais são os valores de Deus e pelo que devemos nos empenhar. Só assim oraremos adequadamente e nossos pedidos em si mesmos já serão atos de louvor, pois serão feitos conforme a vontade de Deus. Então fará sentido a recomendação do Salmista: “Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração” (Salmo 37.4).

Alguém cunhou uma expressão que se tornou verdadeiro provérbio entre os evangélicos brasileiros: “Muita oração, muito poder. Pouca oração, pouco poder”. Poder pra quê? Pra ficar rico? Pra ganhar eleições? Pra oprimir o pobre? Só fará sentido termos poder para fazer a vontade daquele de quem somos servos. O poder que eventualmente possuamos deve ser colocado a seus pés e ser exercido de conformidade com sua lei.