sábado, 26 de outubro de 2013

Presumir

Presumindo que a promessa de Deus demorava, Sara tomou sua escrava e deu a Abraão, para que, por meio dela, Abraão tivesse seu descendente. Porém, a promessa de Deus tinha sido feita à família verdadeira.

Presumindo que Moisés não voltaria do Monte Sinai, o povo convenceu Arão a fazer um bezerro de ouro ao redor do qual passaram a celebrar a saída do Egito, embora o Senhor tenha deixado claro que fora ele quem os libertou e determinado que esperassem o retorno de Moisés.

Presumindo que, ao aceitar o holocausto oferecido por seu pai, Deus aceitaria também qualquer coisa que fizessem, Nadabe e Abiú se atreveram a chegar diante de Deus com fogo diferente daquele que Deus havia acendido no altar. Mas, Deus tinha deixado claras suas tarefas.

Presumindo que Samuel não chegaria antes que o povo fosse embora – pois já o esperavam há dias – Saul tomou a iniciativa de oferecer holocausto, embora Deus tivesse deixado claro que isso era função exclusiva de seus sacerdotes.

Presumindo-se dono de seu destino, o homem rico, depois de uma boa safra, decidiu fazer novos celeiros e tranquilizou sua alma dizendo-lhe: “tens muito em depósito: come, bebe, regala-te”, sem saber que naquela noite ela seria pedida.

Presumindo que o pai demoraria a morrer, e sua parte na herança não seria bem aproveitada, o irmão caçula pediu-lhe o adiantamento da partilha, sem imaginar que ao gastá-la viria a desejar comer a comida dos porcos e não o permitiriam.

Presumindo que seu Senhor demoraria o “servo infiel” passou a espancar seus companheiros e a comer e a beber com ébrios, embora o Senhor lhe tivesse ordenado que vigiasse.

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De quantos exemplos ainda precisaremos? Será que não fazemos coisas semelhantes?

Qual Sara, nunca presumimos que as promessas do Senhor carecem de nossa ajuda? Você já reparou como já chegamos a inventar novos textos bíblicos para justificar esse tipo de atitude? Às vezes ouço: “faça a tua parte e eu te ajudarei” ou “a bênção dá a quem pede” (sic).

Porventura, nunca adoramos bezerros de ouro ou acendemos fogo estranho diante do Senhor para agradar um povo impaciente de novidades?

Ou nunca decidimos que é melhor contribuir em outro lugar, pois “aqui, meu dinheiro está sendo mal empregado”? Quantas vezes encontramos mais paz no saldo do extrato bancário do que nas Santas Escrituras?

Quantas vezes planejamos nossa vida como se o Senhor nunca fosse nos pedir contas de como administramos aquilo que ele nos confiou?
Dentre as muitas origens dos pecados de cada dia, aqui está uma delas: Presumir.

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Tomamos em nossas mãos as rédeas de nossas vidas, da Igreja e até do culto ao Senhor, curiosamente, este pecado, cada dia, é menos notado e odiado – algumas vezes chega a ser considerado virtude – por uma sociedade ávida de resultados.

Hoje, Sara seria elogiada como esposa abnegada. Já escutei sermões elogiando o amor de Sara por Abraão. Hoje, Saul seria visto como herói. E se você examinar o caso sob a ótica moderna concluirá que ele é um bom modelo de líder: não perdeu a oportunidade ao ver o povo reunido. Hoje, Arão seria visto como atento às necessidades do povo e preocupado com um culto relevante às massas sedentas.

Entre nós não deve ser assim! Ao contrário “portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1.17-19).

Publicado originalmente 18/8/2007

sábado, 19 de outubro de 2013

Carnes gordas e afins

“Disse- lhes mais:
ide, comei carnes gordas,
tomai bebidas doces
e enviai porções aos que não têm nada preparado para si;
porque este dia é consagrado ao nosso Senhor;
portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do SENHOR é a vossa força”
Neemias 8.10

O que mudou? Dia a dia cresce no número de pessoas para quem a ordem dos auxiliares de Neemias, transcrita acima, não faz qualquer sentido, ou melhor, sequer pode ser cumprida.

Leite desnatado e sem lactose, café sem cafeína, açúcar sem sacarose, sal sem sódio, óleo sem colesterol, farinhas sem glúten...

O que sobra do leite quando se tira dele sua nata e aquilo que lhe diferencia e dá nome (a lactose): Água branca? E o que sobra do café ao se retirar a substância que responsável por que atraía a atenção de um pastor que percebeu suas cabras mais espertas depois que comiam aquelas frutinhas? Água preta? O mesmo poderia ser dito dos demais alimentos dessa lista (e de outros que não me ocorrem agora). Será que a humanidade está condenada a perder a essência daquilo de que se alimenta?

O pecado distanciou o homem de tudo, não apenas de Deus, e causou-lhe a perda da interação perfeita com o habitat. A terra começou a produzir cardos e abrolhos e ele, à custa de suor e sofrimento, passou a cultivá-la para obter seu sustento. Por seu pecado acabou perdendo a capacidade de relacionar-se com a essência daquilo que foi criado por Deus, sobre o que recebera domínio. Começou então a relacionar-se cada vez mais com os aspectos resultantes da queda.

Este relacionamento superficial e perverso não se limitou apenas a coisas físicas, mas até em áreas imponderáveis, como religião ou a moral, ele pode ser visto: Religião sem Deus, amizade sem fidelidade, sexo sem o pacto do casamento, etc.

O desespero do homem é tão grande, que até mesmo aquilo que foi legado por Deus como um alerta ao seu erro, a culpa, ele conseguiu perverter e vemos de forma muito clara o pecado sem culpa.

Não era pra ser assim! Nem mesmo naquilo que não foi criado pelo homem. Volte aos alimentos e veja como ele mostram a ação divina:

1. No texto que encabeça este artigo, comer carnes gordas e beber bebidas doces são receitas contra a tristeza e estão ligadas diretamente às bênçãos de Deus. Ao contrário do que somos instados a fazer hoje: tirar as gorduras da carne e a pele do frango.

2. A Terra Prometida foi descrita por Deus como “terra que mana leite e mel”, pois suas ricas pastagens favoreciam em muito a produção de leite e a exuberância de sua vegetação florida propiciava uma produção abundante de mel. Era como se a terra mesmo, de tão fértil, produzisse com fartura, manasse, leite e mel.

3. Moisés exortou o povo a lembrar-se do modo como Deus os guardou durante o êxodo com a seguinte descrição: “... o SENHOR o guiou, e não havia com ele deus estranho.Ele o fez cavalgar sobre os altos da terra, comer as messes do campo, chupar mel da rocha e azeite da dura pederneira, coalhada de vacas e leite de ovelhas, com a gordura dos cordeiros, dos carneiros que pastam em Basã e dos bodes, com o mais escolhido trigo; e bebeste o sangue das uvas, o mosto” (Dt 32.12-14). Ou seja: Eles foram abençoados por Deus com: cereais (naqueles dias os mais comuns eram a cevada e o trigo), mel, azeite, coalhada, leite, gordura, trigo, uvas e o mosto delas, ou seja, seu vinho.

4. Falando sobre os acontecimentos futuros, o profeta Isaías diz: “O SENHOR dos Exércitos dará neste monte a todos os povos um banquete de coisas gordurosas, uma festa com vinhos velhos, pratos gordurosos com tutanos e vinhos velhos bem clarificados” (Is 25.6). Observe o que será servido pelo SENHOR: Carnes gordurosas com tutano e vinho velho e vinho purificado (refinado, filtrado, clarificado, etc.).

Há mais textos que falam das bênçãos de Deus representadas na fartura de alimentos que, por motivos de saúde, o homem de hoje evita. Bênçãos de Deus que infelizmente não podemos receber.

Talvez, em poucos lugares isso fique tão claro quanto na Ceia do Senhor. Muitas igrejas perdem a alusão à maturidade que deve caracterizar os discípulos do Senhor, usando suco de uva no lugar do vinho. Fazem isso para não despertar o alcoolismo latente de quem está lutando contra o vício que, tanto em sua componente hereditária quanto em sua componente comportamental (o abuso), é fruto do pecado que, nos distanciando de Deus, nos torna cada vez mais fracos e sem domínio próprio, portanto, mais suscetíveis de ser dominados pelo que deveríamos dominar.

O que fazer? Esperar em Deus, pois somos impotentes para corrigir essa situação. Lembre-se da profecia de Isaías: Ele dará o banquete!

Façamos como nossos irmãos do passado e oremos para que a volta de seu Filho ocorra logo, pois com ela todas as coisas serão restauradas ao estado de antes do pecado. Maranata.

domingo, 13 de outubro de 2013

Ansiedade

...lançando sobre ele
toda a vossa ansiedade,
porque ele tem cuidado de vós
(1º Pedro 5.7)

Em muitos lugares as Sagradas Escrituras nos advertem sobre a dificuldade de se viver os padrões de Deus. Diferentemente do marketing feito pelos novos evangélicos as Escrituras não prometem nada além de dificuldades. Afinal, se o próprio Jesus disse que estava nos enviando como ovelhas para o meio de lobos, dizer algo diferente é, no mínimo, mentira.

As dificuldades que enfrentamos decorrem do fato de que os nossos padrões e os padrões do mundo em que vivemos estão aquém dos padrões impostos por Deus. Aliás, na grande maioria das vezes são opostos.

Creio que a maior dificuldade é aquela que estamos vivendo no momento, pois é com ela que temos de nos ocupar. Creio também que quando o Senhor Jesus disse que “basta ao dia o seu próprio mal”, nos ensinou que cada dia traz consigo algum tipo de dificuldade para aqueles que vivem na dependência do Pai.

Entretanto se olharmos para as dificuldades sofridas por nossos antepassados, perceberemos que a soma de todas as dificuldade pelas quais estamos passando é nada perto das que eles sofreram. Ou será que, diante de uma fogueira, ou de instrumentos de tortura, continuaríamos firmes em nossa fé?

Mas, voltando às nossas dificuldades diárias, que não incluem perseguições - pelo menos por enquanto - há um mal que nos persegue implacavelmente, pois está dentro de nós e nos acompanha todos os dias: a ansiedade.

Quem pode controlá-la? 

Ela tem duas origens: disfunções de nosso organismo ou a percepção de algum tipo de ameaça futura. As disfunções orgânicas podem ser remediadas. Já temos até um nome para essa classe de remédios: ansiolíticos (de ansiedade mais a palavra grega lytikos, que significa capaz de dissolver).

Mas, e as percepções de ameaças? Fundamentadas ou não elas revelam o quanto cremos que Deus está no controle de tudo. Em síntese: elas demonstram, em maior ou menor grau, verdades sobre nossa fé.

Como Deus é misericordioso para conosco, os remédios que atuam contra a disfunção orgânica também nos ajudam naquilo que deveria ser resolvido pela robustez da fé. É como se Deus, respondendo ao pedido daquele pai citado por Marcos 9.21-27, minorasse o sofrimento que nossa pequena fé nos faz passar.

Porém, necessito fazer uma ressalva. Até aqui vimos o lado negativo da ansiedade. Paulo, em 2Co 11.28, usa a mesma palavra pra falar dos cuidados que pesam sobre ele com relação as igrejas, e bem sabemos que podemos ficar ansiosos face a algo de bom que esperamos acontecer. Não ficam ansiosos os noivos antes do casamento? Não vive ansiosa a Igreja aguardando a volta de seu Senhor?

Hoje estamos diante de presumíveis adversidades, mas também estamos diante de enormes possibilidades. Ambas podem nos deixar ansiosos. Não há o que fazer além de colocar em prática a ordem do Apóstolo Pedro e pedir que Deus tenha misericórdia de todos nós.

domingo, 6 de outubro de 2013

Perdoar

Todos nós sabemos o que é perdoar. Também sabemos quão difícil é perdoar verdadeiramente e sabemos que perdoar é muito mais do que simplesmente dizer: eu te perdoo. Porém, mais difícil ainda é ter certeza de que perdoou de fato.

Há alguns anos aconselho pessoas que não conseguem ter certeza de que perdoaram de fato. Essa dúvida geralmente se expressa por frases do tipo: Eu perdoei! De coração eu perdoei! Mas, quando nos encontramos a primeira coisa de que me lembro é do erro que eu perdoei. Então, como posso ter perdoado se não esqueci?

Primeiro, é preciso deixar bem claro que perdão não tem nada a ver com memória. O perdão exige apenas três atitudes: 1) Não levar em conta o erro que se perdoou ao tratar com a pessoa que foi perdoada, 2) não basear uma ajuda futura a quem perdoou no fato ocorrido, e 3) não divulgar o erro perdoado com o intento de difamar a quem se perdoou.

Para ficar mais claro: Eu posso até me lembrar de que Fulano, com quem convivo, fez algo errado comigo. Mas, se o perdoei de fato - e sou obrigado a fazer isso “não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete” - não deve ser tal lembrança, ainda que muito incômoda, que me atrapalhe a convivência diária com ele.

Posso até me lembrar de que Beltrano não me pagou uma dívida. Mas se eu disse, obedecendo ao Senhor, que o perdoava, não posso - tendo condições de atendê-lo - negar um empréstimo que ele venha a me pedir.

Posso até me lembrar de que Sicrano não cumpriu o que me prometeu. Mas, se na presença do Senhor eu o perdoei por isso, não posso espalhar pra todo mundo que ele não cumpre o que promete.

Nesse último caso, há uma observação: Se alguém está em vias de fazer um acordo com o Sicrano e esse alguém vier me pedir referências sobre ele, mesmo tendo perdoado, não posso me omitir. Ou seja: perdoar não exige que eu minta.

Romanticamente nos obrigamos a confirmar com sentimentos aquilo que afirmamos ter feito. Isso é uma grande dificuldade para quem vive pela fé. Não temos de sentir por quem perdoamos a mesma coisa que sentíamos antes. Se sentirmos, tanto melhor. Mas somos obrigados a manter as três atitudes do perdão.

Fomos perdoados de uma ofensa infinitamente maior do que qualquer coisa que pudermos imaginar. Não podemos prestar culto a Deus, orar como ele quer que oremos, ou participar da mesa de seu Filho se não perdoarmos nosso irmão. O verdadeiro crente é obrigado a perdoar de fato e não a enganar-se com sentimentos forçados.

Tampouco Deus exige que esqueçamos o que sofremos para chegar àquela atitude de perdão. Enquanto a graça de Deus não apagar o ocorrido de nossa memória (o que geralmente ele faz usando o tempo) todas as vezes que nos lembrarmos do mal, nos lembremos também das atitudes de perdão e coloquemos tudo aos pés da cruz. Um dia esqueceremos. Se não esquecermos, no dia eterno ele “enxugará de nossos olhos toda lágrima”.

Publicada originalmente em 8/8/2010