sábado, 26 de novembro de 2005

O que é vida?

Definir o que é a vida, ou mais precisamente, o que é estar vivo, sempre foi uma tarefa difícil. Já os primeiros filósofos gregos, tentaram chegar a uma explicação. Houve quem dissesse que é mais fácil dizer o que é “estar morto”, porém até nisso há discordâncias.

Veja: Há algum tempo atrás bastava não respirar para ser considerado morto. Depois viu-se que era necessário esperar o coração parar de bater. Hoje basta o cérebro parar de funcionar, que, mesmo respirando ou pulsando, já se considera falecido o moribundo.

Entretanto, apesar de vital, o cérebro é apenas um órgão do corpo que a alma utiliza para comandar e para tornar comunicáveis os pensamentos que ela mesma elabora. Ou será que já reduzimos o “homem” a reações químicas e achamos que o cérebro é a origem de tudo o que somos até de nossa identidade, vontade e pensamentos? Seria o “software” cerebral aquilo que a Bíblia chama de Imagem de Deus? Ou o cérebro apenas exterioriza o que de fato somos através de nossas palavras e atos?

Essa é uma questão vital para o cristão.

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Salvo engano, Aristóteles quem primeiro registrou preocupações sobre o que é a vida. Ele imaginava três formas de vida: a vegetativa, a animal e a humana (os termos que ele usou foram outros, mas vou usar destes por amor a clareza).

Para ele a vida vegetativa seria aquela que é comum aos vegetais e pela qual o ser humano passa antes do terceiro mês da gestação. A vida animal, aquela que consiste especialmente na presença de movimentos autônomos, como é próprio de todos os animais e do ser humano após o terceiro mês de gestação. Finalmente a “vida humana” seria a que ocorre apenas aos seres humanos depois de “vindos à luz”.

Não deixa de ser provocativo pensar que talvez aqui esteja a razão para a maioria dos países que proibiram ou que ainda proíbem o aborto, o permitirem até o terceiro mês da gravidez. Afinal ainda é um vegetal. E talvez esteja aqui a razão principal da diferença entre embrião e feto, como distinguimos os não nascidos antes e depois dos três meses.

Tão difícil quanto dizer o que é vida, é dizer quando é que ela se inicia. Há uma espécie de consenso entre as múltiplas correntes cristãs que a vida é a chegada da alma, e alguns acreditam que seja quando o espermatozóide penetra o óvulo, outros preferem crer que a vida tem início na nidação - quando o já ovo “aninha-se” na parede do útero - pois a fecundação ocorre nas trompas, e, grande parte dos óvulos fecundados é expelido sem que a mulher se dê conta. Na idade média se pensava que alma “entrava” no homem ao terceiro mês (seria influência de Aristóteles?) e na mulher um mês depois.

Como aconteceu ao Autor da Vida? Os Evangelhos são sucintos. Apenas Lucas, que era médico, se preocupa em transmitir algum detalhe: “... Maria, ... conceberás e darás à luz um filho, ... Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra” Lc 1.30-35.

Temos por certo que Maria contribuiu com seu óvulo para o nascimento de Jesus, pois afinal foi assim que ele adquiriu a natureza humana.

Observe que as palavras indicam que o ato gerador ainda ia acontecer. Não vejo por que razão admitir que tal óvulo entrasse no útero de Maria para somente então ser miraculosamente fecundado ali. Para mim a vida inicia-se na fecundação ainda nas trompas. Se assim “muitas vidas são desperdiçadas”, não é de se pensar na quantidade delas que não foram “desperdiçadas no fluxo menstrual”, mas que estão em franca rebelião contra Deus?
Jesus, o autor da vida, criou o sistema mediante o qual os pais geram vida biológica. E, por amor a nós, sujeitou-se a esse sistema para, como um de nós, receber “vida biológica”. Não deixe de considerar que ele fez tudo isso para, como um de nós, vencer a morte e conduzir-nos de volta ao Pai.

Celebre o Natal como nunca você celebrou! Esqueça de tudo, mas não esqueça do amor do Senhor por você.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

A vida estava nele

Em 1791, o cientista italiano Luigi Galvani estava estudando a anatomia de uma rã. Aconteceu que ao espalhar as bandejas com os pedaços ao longo de uma mesa, ficou perto de uma Garrafa de Leyden, - uma versão mais primitiva do aparelho que deixa eriçados os cabelos de quem o toca.

As Garrafas de Leyden que se conhecia então armazenavam grandes quantidades de eletricidade e davam choques enormes.

Enquanto ele estudava os músculos da rã, ao contato com o bisturi as pernas se mexeram. Recuperado do susto ele deduziu que, de alguma forma a eletricidade da Garrafa de Leyden, tinha passado através do bisturi, e afetado os músculos da rã.

Pensou que um raio - cuja descarga elétrica é mais potente - poderia fazer o mesmo a uma distância maior. Na primeira tempestade colocou as pernas da rã penduradas com fios de cobre sobre uma grade de metal do lado de fora da janela. Mexeram-se. Porém continuaram mexendo-se mesmo sem raios. Fascinado, chamou isso de “eletricidade animal” crendo que ela residia nas pernas da rã.

Alguns meses depois, seu compatriota Alessandro Volta, iria explicar, que, neste caso, a eletricidade que fazia os músculos das pernas da rã se contraírem, vinha da união dos metais diferentes em que elas estavam presas. Entretanto ficou a idéia de que a eletricidade era a responsável pela vida, já que movimento e vida estavam associados há muito tempo.

Alguns anos depois, em 1831, foi lançado o livro de Mary Shelley: Frankenstein. Nesse livro a idéia central é a criação da vida. Narra como um cientista uniu diversas partes de cadáveres formando um ser, que, após receber forte descarga elétrica passou a viver.

Até hoje muitos cientistas defendem uma idéia semelhante: milhões de anos atrás nosso planeta era coberto por líquidos ricos em substâncias propícias ao surgimento da vida - é a isso que chamam de “sopa primordial” - que ao receberem fortes descargas elétricas de raios, produziram as primeiras bactérias, das quais todos os seres vivos evoluíram.

Mas será que a vida é apenas eletricidade?

Essa pergunta é fundamental para os cristãos, porque ao comemorar o Natal, comemoram o nascimento daquele de quem é dito: “a vida estava nele” (Jo 1.4).

O que as Escrituras nos informam é suficiente para se dizer que a vida é algo maior. Ela pode até se servir da eletricidade para movimentar a musculatura, para fazer o cérebro pensar, mas de forma alguma ela pode ser confundida com um mero movimento de elétrons, que, em última análise, é o que produz a eletricidade.

Há modos mais profundos e precisos de se encarar o assunto, mas, podemos dizer que a vida se apresenta em duas formas. A primeira e mais geral que podemos chamar “o sopro de Deus” e a segunda - característica apenas do ser humano - “a imagem de Deus”. Apenas para facilitar: a primeira é o princípio biológico, compartilhado com os outros animais, e a segunda é o princípio espiritual.

Em ambos os sentidos a vida estava em nosso Senhor. Pois “nada do que foi feito sem ele se fez” (Jo 1.3), inclusive a vida biológica. No outro sentido sabemos que ele encarnou-se - assumindo a “nossa biologia” - para restaurar em nós aquilo que nossos primeiros pais danificaram ao ponto de quase não ser mais reconhecida: a imagem de Deus.

O Natal deve sempre nos lembrar do dia em que nossa natureza foi resgatada por quem “veio para que tivéssemos vida e a tivéssemos em abundância.” (Jo 10.10).

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Doenças da alma

Por dever de ofício visito pessoas com diversos tipos de enfermidades. Algumas graves - às vezes terminais - outras nem tanto. Algumas contagiosas, outras não. Umas, fruto de descuido, outras de acidentes.

Por dever de ofício encontro almas doentes. Já vi almas em estado terminal e já vi almas que passam apenas por um período: como se fosse um resfriado.

Se há uma variedade muito grande de doenças do corpo - e parece que a cada dia surge uma nova - há também grande diversidade de doenças da alma. Como há níveis de gravidade em um caso, há também no outro.

Há doenças crônicas tanto no corpo quanto na alma, como também há casos agudos. E, já percebi que do mesmo modo que algumas doenças ficam incubadas no corpo, algumas demoram a aparecer na alma apesar de já estarem lá.

Há doenças que só se manifestam no corpo e outras que só se manifestam na alma, embora sempre que o corpo sofra, a alma fique abatida e vice-versa. Mas algumas atuam em ambos e às vezes não se pode dizer qual deles sofre mais.

Meu contato maior é com as doenças da alma. Essas desfilam diante de mim e as vejo em crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos. Seus sintomas, sempre físicos, são secreções verbais purulentas, olhares dissimulados e inquietos, curiosidade exarcebada, irritações superficiais, ou até estados febris com agitações histéricas.

Como ocorre com as doenças físicas há também a transmissão pelo contágio. Já vi crianças terem suas almas contaminadas por seus próprios pais. Já vi adolescentes e jovens expondo-se aos agentes transmissores mais virulentos como se nadassem em rios poluídos de esgoto. Já vi adultos e velhos, que, carcomidos, deixam cair pedaços necrosados da alma enquanto passam.

O contágio nunca se dá pela ingestão. Pelo contrário ele acontece através dos sentidos - as janelas da alma - e especialmente através da palavra.

Às vezes é apenas o doente quem as sofre, às vezes atingem a família e os amigos. Outras vezes alastram-se pela Igreja e contaminam quem está mais debilitado.

Fazer um catálogo das doenças da alma não é uma tarefa fácil, mas diferentemente das físicas, que parecem não ter limite em sua etiologia, elas, que podem aparentar muitos aspectos, originam-se sempre em dez princípios bem conhecidos agrupáveis em dois grandes tipos.

Há três fatos que surpreendem a quem estuda as doenças da alma. Primeiro, poucos doentes admitem que o são, e, muitas vezes, só procuram tratamento quando, de alguma forma, as doenças da alma passam a prejudicar seus interesses materiais: seja a saúde financeira, familiar ou física (quase sempre nessa ordem).

O segundo é que poucos têm o mesmo apreço pela saúde da alma como têm pela saúde do corpo. Muitos pagam prontamente convênios, ou até mantêm alguma importância reservada para eventualidades. Escolhem casas, escolas, academias, restaurantes, e outras coisas, levando em conta a salubridade do corpo. Entretanto, quase ninguém se preocupa com a salubridade da alma. Nunca vi ninguém procurar vacinas para as doenças da alma e quando tento aplicá-las sou mais repudiado do que os agentes do Dr. Oswaldo Cruz.

E o terceiro, é que geralmente se busca cura em outros doentes. Via de regra nos doentes mais graves que não apenas podem fazer muito pouco como contaminam ainda mais a alma doente.

Por dever de ofício trato tais doentes - antigamente chamavam meu ofício de Cura d'Almas - que na maioria das vezes demandam, como condição básica, uma alimentação saudável, balanceada e rica em nutrientes para a alma debilitada e os remédios adequados a cada caso. Porém, diferentemente do que ocorre com a maioria das doenças físicas, os remédios não agem por si. Não fazem efeito sozinhos. Eles exigem a participação do doente, que quase sempre se julga sadio, não nota o perigo que corre, nem o perigo que oferece aos demais.

Como está sua alma? Já fez um check-up? Já a examinou à luz do “manual” de quem fabricou você?

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

Tempos de refrigério

Enquanto o sol de rachar, que obrigara muitos pedestres a atravessar a rua procurando uma sombra, declinava no poente, um mormaço quente abafava a respiração e uma cigarra escandalosa parecia que ia explodir de tanto cantar.

O suor teimava em escorrer pelo corpo, que já tendo sido refrescado por três vezes no chuveiro frio, e prometia ser o companheiro de cama que afastaria a bem amada para a outra extremidade do colchão, encharcaria o forro e obrigaria os lençóis a ficarem no guarda-roupa.A porta da sala aberta, na esperança de canalizar qualquer brisa que entrasse pela cozinha, reforçada pelo ventilador de teto ligado em sua maior velocidade, pouca diferença fazia, pois o eventual ar que circulava era quente: parecia o sopro de um secador de cabelos.

A noite seria longa.

De repente, sem que se avisasse ou se esperasse, um relâmpago brilhou bem longe surpreendente. Não demorou muito, uma vários clarões davam certeza de tempestade.

As gotas esparsas foram apenas uma introdução, seguidas de um aguaceiro violento. Com a chuva veio o vento e aproximaram-se os raios e trovões: A cada clarão um estrondo que parecia sacudir o ambiente. Chovia torrencialmente. As ruas ficaram alagadas. Os respingos trazidos pelo vento por maior que fosse o beiral incomodava a alguns, mas satisfazia a maioria que ainda porejava suor.

Entretanto, curiosamente, o calor continuava. Não tão forte, mas estava lá. A chuva que lavava as ruas e o ar, ainda demoraria a esfriar as paredes.

Mais uma lição de nossa Ilha.

Você já reparou o quanto as Escrituras falam negativamente a respeito do calor? Ele é uma das ameaças do Senhor em Deuteronômio 28.22, e um dos flagelos divinos em Apocalipse 16.8e9. Entretanto o homem que teme ao Senhor não o receia (Jeremias 17.7e8).

Contrariamente a sombra é uma bênção prometida em Isaías 4.5e6, e de Isaías 25.4, cantamos que o Senhor é como sombra no calor.

Sua maior força, entretanto, é como metáfora da vida espiritual. O Apóstolo Pedro, em At 3.20, promete tempos de refrigério aos arrependidos e um dos cuidados do Bom Pastor é refrigerar alma de suas ovelhas.

O que é refrigério para a alma? Somente cada um pode responder a si próprio. Alguns atormentados pela dúvida serão refrigerados pela certeza. Outros com a consciência abrasada por um pecado renitente, ou por uma pré-disposição pecaminosa são refrigerados pela graça e vitória. E, ainda outros, que nas palavras de Tiago (3.6), a língua colocou em "chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno", encontrarão refrigério nas Palavras Sagradas.

Espero que a situação em que você se encontra não seja tão desesperadora. Mas se for não se esqueça: pouco adiantará a chuva mais torrencial. Ela pode até refrescar. Mas o calor continuará presente. Só o Bom Pastor refrigera a alma.