sábado, 29 de novembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso (3ª Parte)

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje

Perdoa-nos as nossas dívidas
assim como perdoamos nossos devedores

Não nos deixes cair em tentação,
mas livra-nos do mal.

Neste segundo grupo de três pedidos, oramos por nosso bem estar. Porém, ainda que não oremos “contra nós” (veja a Parte 2), tudo o que pedimos nos é extremamente humilhante. No primeiro pedido confessamos não ser melhores do que mendigos a pedir pão. No segundo nos declaramos inadimplentes a rogar perdão para nossas dívidas. E no terceiro pedido confessamos nossa total incapacidade de resistir ao que procura nos afastar da vontade de nosso Pai.

Além de tal natureza humilhante, cada pedido está vinculado a uma ou mais condições. Veja um por um.

Quando pedimos pelo pão, assumimos duas condições básicas. Primeiro, que ele seja o pão nosso. Não o pão alheio, do engano, da fraude e da opressão, mas o que é fruto do suor de nosso rosto. Segundo, não é o pão acumulado - como aquele louco da parábola do Senhor - mas o quotidiano. Aquele que nos mantém na dependência diária do Pai Celeste.

Também é bom lembrar que ao pedir o pão de cada dia, estamos nos obrigando a fazer esta oração diariamente.

Como pastor presbiteriano, tenho visto algum tipo resistência ao uso dessa oração. Creio que é por medo de semelhanças com as rezas Católicas, pois a explicação que mais ouço é: “orar uma vez ou outra tudo bem. Mas todo domingo? Parece reza”. Sempre respondo citando este pedido, pois ninguém quer alimentar-se uma vez ou outra, muito menos só aos domingos. E ninguém reclama da repetição dos mesmos alimentos. Entretanto, há quem se ache capaz de corrigir nosso Mestre e Senhor.

Dá mesma forma, quando pedimos o perdão das nossas dívidas, assumimos a obrigação de perdoar nossos devedores do mesmo modo, e com a “mesma intensidade”, que desejamos ser perdoados. Alguns explicam tal condição como uma simples declaração de intenções. Outros, vão mais longe e simplesmente deixam de usar essa oração – mesmo sendo as palavras que o Senhor nos ensinou – ou não dizem esta frase.

Esta oração visa primariamente nos colocar, diante de Deus, humildes e carentes de sua graça. Portanto, nada mais apropriado do que saber que, se ele manifestasse sua justiça, seríamos tão perdoados quanto perdoamos. Entretanto, sua justiça esgotou-se em seu Filho a fim de que fôssemos cobertos por sua misericórdia e por sua graça. E lembre-se bem de que foi ele que nos ensinou a orar assim, e especialmente chamando a seu Pai de nosso Pai.

Essa frase nos mostra o quanto não merecemos o perdão com que somos agraciados por Deus.

Quando pedimos que ele não nos deixes cair em tentação, acrescentamos: mas livra-nos daquilo – ou daquele – que é mau. Com isso, reconhecemos não ter forças para resistir a tudo o que visa a contrariar sua vontade: seja o produto de nossa natureza pecaminosa, ou a fascinação que o mundo exerce sobre nós, ou as sugestões que inimigo de nossas almas nos faz.

Asseguro que orar o Pai Nosso é mais do que rezar ou simplesmente repetir palavras. É cumprir a vontade de Deus expressa pelo profeta: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8).

Não percamos então a oportunidade de, como filhos amados, pedir a nosso Pai: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa-nos as nossas dívidas assim como perdoamos nossos devedores. Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso (2ª Parte)

Santificado seja teu nome,

Venha o teu reino

Seja feita a tua vontade assim na terra como nos céu.

Se você tem costume de orar com as palavras do Senhor, e ora pensando no significado delas, já deve ter percebido que, depois de invocarmos a Deus como Pai – um Pai todo especial, que não é só seu, nem deixa de lado sua divindade, já que continua nos céu – fazemos-lhe seis pedidos: três dizem respeito a ele e três dizem respeito as nossas necessidades. Assim mesmo: três no singular e três no plural.

Além do fato de que os três primeiros se referem a coisas relativas ao Pai, há que se destacar que em nada podemos contribuir para a realização de qualquer deles. Pelo contrário: a plena realização de qualquer um deles nos é, humanamente falando, altamente prejudicial.

Veja: quando pedimos que o nome de nosso Pai seja santificado, no fundo estamos repreendendo nosso próprio comportamento leviano de repetir seu santo nome futilmente, de comprometê-lo em interesses egoístas - por vezes escusos - e principalmente de tratá-lo como objeto qualquer do qual podemos dispor conforme nossa necessidade ou vontade.

Não é isso o que estamos vendo? O nome de Deus não está sendo, cada dia mais, comercializado? Invocado diante das mais irrisórias e fúteis necessidades? Debochado por aqueles que se dizem seus filhos e muito mais pelos que se dizem seus emissários?

Semelhantemente, quando pedimos que o Reino de Deus seja estabelecido, novamente oramos contra nossos próprios interesses carnais. Pois se há uma coisa pela qual nos esforçamos no presente século é estabelecer nosso próprio reino. Evidentemente, não me refiro ao real início do Reino de Deus, pois o próprio Jesus atestou que ele já veio (Mt 12.28).

Na realidade pedimos que este bendito reino, que já veio, atinja todas as áreas de nossa vida, de tal forma que a vontade de Deus seja feita em nós, que vivemos na terra, no presente século, da mesma forma que ela é feita nos céu: que é o terceiro pedido.

Pedir ao Pai que a vontade dele seja feita na terra como é feita nos céu, é o complemento do pedido “venha o teu reino”. Também é um pedido contra nossos próprios interesses carnais, já que priorizamos tanto a nossa vontade, que por vezes chegamos a comprometer a santidade de seu nome.

Orar o Pai Nosso é mais do que uma simples reza ou uma simples repetição de palavras vãs. É orar contra nós mesmos. É submeter nosso próprio eu à vontade de nosso Pai.

Não podemos então perder a oportunidade de, como filhos amados, pedir a nosso Pai que seu nome seja Santificado, seu reino se manifeste a tal ponto de que a terra siga sua vontade como o céu o faz.

Por isso nunca deixemos de dizer: Santificado seja teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade assim na terra como nos céu.


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso

“... vós orareis assim:

Pai nosso, que estás nos céus... Mt 6.9”

Por que razão o Senhor Jesus nos mandou orar chamando a Deus de Pai? Os judeus de então tinham Deus como Pai e eventualmente se dirigiam a ele assim, mas no sentido de ser o Criador; não no modo tão pessoal em que a ordem do Senhor explicita.

Apesar de ser surpreendente, é, provavelmente, o maior privilégio que temos. E, se pensarmos bem, não é difícil, para nós, cristãos, entendermos a ordem do Senhor, embora saibamos que somos suas criaturas e que O Filho Unigênito - o eternamente gerado - é Cristo.

Essa comparação, entre o que somos e o que Cristo é, pode ser palidamente apreciada quando comparamos uma estátua e o filho de um escultor. Tanto a estátua quanto o filho foram originados no escultor, mas entre a estátua e o filho haverá uma diferença definitiva.

Ao nos mandar orar chamando a Deus de Pai o Senhor Jesus Cristo está pondo em prática o que decorre de sua obra. Aquilo que João expressou admiravelmente com as seguintes palavras: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1.12-13).

Ele - o Senhor Jesus - passou a nos tratar como filhos de seu Pai. Como seus irmãos. Certamente você se lembra do que está na Carta aos Hebreus: “Pois, tanto o que santifica como os que são santificados, todos vêm de um só. Por isso, é que ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação” (Hb 2.11-12).

Somos filhos! Oramos ao Pai!

Entretanto, temos de nos abster do pecado da soberba e achar que essa relação é exclusiva, pois temos irmãos. E por isso devemos dizer “Pai nosso”.

Ele não apenas é meu pai. É pai também de meus irmãos. É pai de todos os que foram redimidos pelo seu Filho unigênito.

Se essa verdade fosse mais destacada hoje, não haveria os absurdos do exclusivismo onde alguém acha-se filho único de Deus e despreza os demais, ou coloca Deus a seu serviço.

Se ele também é pai de meu irmão, como devemos tratar uns aos outros? Com brigas? Divisões? Querelas?

Mas esta primeira frase da Oração do Senhor apresenta outro modificador: “que está nos céus”.

Ele não é qualquer tipo de pai. É o Pai celeste. O Pai que ama infinitamente, mas é infinitamente justo. O pai que não suspende sua justiça por amor, nem recolhe seu amor face a sua justiça. Seu perdão - expressão de seu amor - não é de graça. Pelo contrário, é enraizado em sua justiça.

Em suma: Temos um Pai.

Não apenas meu: nosso Pai.

Não qualquer tipo de Pai: o Pai celeste.

Não percamos pois a oportunidade de, curvados diante dele, dizer conscientemente: Pai nosso que estás nos céus!

domingo, 16 de novembro de 2008

Ainda sobre resumos

Não há grande dificuldade para se entender o que nosso Senhor chamou de “o primeiro grande mandamento”: Amar a Deus de todo nosso coração, de toda nossa alma e de todo nosso entendimento. Porém, o que significa realmente amar o nosso próximo como a nós mesmos?

Este “segundo grande mandamento”, que, nas palavras do Mestre, é semelhante ao primeiro, apresenta-nos diversas dificuldades de entendimento, pois temos de lidar com algo que a tradição cristã, no mínimo, evita examinar: o amor próprio. Se devemos amar nosso próximo como a nós mesmos, então devemos amar a nós mesmos.

Há muito tempo atrás ouvi de alguém, hábil em matemática, que devemos amar a Deus com 51% de nosso amor. Os 49% restante deveriam ser divididos igualmente entre nós mesmos e nosso próximo. Segundo seu raciocínio, a soma do amor que dedicamos a nós mesmos, com o amor que dedicamos a nosso próximo, nunca deve ser maior do que o amor que devemos dedicar a Deus. Tampouco o amor que dedicamos a nós mesmos deve ser maior do que o que dedicamos a nosso próximo e vice-versa.

Já escrevi aqui, que, dentro da cosmovisão bíblica, amor é fundamentalmente cuidado. Entretanto não é apenas cuidado. Se fosse a equação acima faria sentido: cuidaríamos daquilo que refere-se a Deus, com 51% de nosso tempo, esforço, capacidade, etc. e o restante dividiríamos igualmente entre nós e nosso próximo. Mas, como poderíamos conciliar tal entendimento com a ordem “amarás o Senhor teu Deus de TODO o teu coração”, que é o “grande e primeiro mandamento”?

Hoje – sem desconsiderar que amar é fundamentalmente cuidado – vejo mais como uma questão de atitude. Explico: Suponha que eu esteja diante de um dilema. Minha atitude deve levar em conta primariamente a vontade de Deus e em segundo lugar a vontade de meu próximo e a minha.

Observe que esta atitude pode ser aplicada tanto à mão direita quanto à fronte (tanto à ética quanto à doutrina). Vivemos em uma época em que a vontade e as oportunidades de se quebrar a lei de Deus são muito grandes. E não falo de grandes decisões. Falo do dia-a-dia. Falo de aborto, engano, relacionamentos e de tudo aquilo que se coloca em nossa frente a todo instante. O que fazer, ou o que pensar? Fazer e pensar em primeiro lugar aquilo que manda a lei de Deus e em segundo lugar aquilo que atenda ao meu próximo da mesma forma que me atenda.

Dois namorados me perguntaram sobre aborto. Precisei voltar atrás e mostrá-los que chegaram a esse ponto por não respeitarem primeiramente a lei de Deus sobre a castidade, e que estão pensando em eliminar a vida do próximo – o bebê – por não vê-la tão importante quanto a vida deles mesmos.

Como vou cultuar a Deus? Se o fizer do modo semelhante ao descrito na Bíblia, jamais terei um ambiente que agrade ao meu próximo, mesmo que ele tenha nascido na Igreja! Mas, para agradar meu próximo devo desagradar a Deus? Minha obrigação primária é agradar a Deus. Satisfeita, não posso impor ao meu próximo aquilo que agrada apenas a mim.

Nossa atitude concreta é o que conta ao falarmos de amor como cuidado. É exatamente disso que Jesus está falando quando mudou o segundo mandamento. Você notou que ele foi mudado? Veja: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo 13.34).

Acabou-se a ambigüidade. Deus foi satisfeito de modo pleno. Todas as exigências de sua justiça foram cumpridas em primeiro lugar. Agora, aquele que conseguiu fazer isso tornou-se o padrão: Amai uns aos outros como eu vos amei!

sábado, 8 de novembro de 2008

Resumos

Domingo passado vimos como Salomão resumiu a busca de sentido para sua vida debaixo do sol em “vaidade e correr atrás do vento”. Vimos também que, contrastando, ele resumiu o verdadeiro sentido da vida em “temer a Deus e obedecer os seus mandamentos pois esse é o dever de todo homem”.

Ao tentar resumir algo tão amplo Salomão não está inovando. O primeiro a fazer um resumo dessas coisas importantes foi o próprio Deus. Afinal, não foi ele quem nos mandou amá-lo sobre todas as coisas, e amar nosso próximo como a nós mesmos? O que são essas ordens senão resumos?

Não há como cumprir os quatro primeiros mandamentos sem amar a Deus e os seis últimos sem amar ao próximo.

Aliás, quando indagado sobre qual era o maior de todos os mandamentos Jesus respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”.

Observe que estão diante de nós duas formas diferentes de se ver o mundo. Duas cosmovisões. E todas as duas, além de serem profundamente bíblicas, são completa e totalmente contrárias aos nossos dias.

Vejamos:

Da primeira - que nos ensina que amar a Deus sobre todas as coisas é observar os quatro primeiros mandamentos, e amar o próximo como a nós é observar os seis últimos mandamentos – deduzimos que, para Deus, amar pode ser até um sentimento, mas acima de tudo é uma atitude.

Dos quatro primeiros mandamentos (Não terás outros deuses diante de mim, Não farás para ti imagem de escultura, Não tomarás o nome do teu Deus em vão e Lembra-te do dia de descanso para o santificar) vemos claramente que Deus está estabelecendo como devemos nos relacionar com ele:

1. Devemos adorá-lo. Não a outra coisa ou pessoa. Isso fala de nosso culto à ele, e somente a ele. Cultuar a outro que não ele, em toda Bíblia, é chamado de adultério espiritual.

2. Fazer qualquer tipo de imagem dele é degradar sua pessoa ao nível de criaturas e portanto blasfemar contra ele.

3. Usar seu Nome levianamente é degradar sua honra ao nível comezinho de nossas futilidades e portanto menosprezá-lo.

4. Não reservar um tempo exclusivo – santificado – para estar com ele é deixar de desfrutar sua presença e aprender como cumprir cada vez mais os três primeiros mandamentos.

Ou seja: amá-lo sobre todas as coisas não é ficar perdidamente apaixonado ou “transpirar” sentimentos pré-fabricados. É fazer, mesmo que não seja adequado ao nosso mundo, aquilo que ele determina que façamos. Amá-lo é adorá-lo como ele quer ser adorado! Sobre todas as coisas!

Da segunda – contida nas palavras de nosso Senhor e Mestre: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” – aprendemos que amar nosso próximo como a nós mesmos é simplesmente: Honrar nossos pais, Não matar, Não adulterar, Não furtar, Não testemunhar falsidades e Não cobiçar.

Seria ocioso repetir o quanto essas disposições são necessárias para podermos viver em paz com nossos semelhantes. Mas novamente convêm repetir: Amar nosso próximo não é forçar sentimentos que não existem, ou fazer declarações hipócritas. É fazer, mesmo que não seja adequado ao nosso mundo, aquilo que o Senhor determina que façamos a nosso semelhante.

Porém, por que a lei e os profetas dependem disso? Simples: A lei foi dada para garantir que isso seja cumprido e os profetas tinham como sua missão principal advertir o Povo de Deus, quando se esqueciam dessa obrigação.

Aí surge a diferença entre o que é e o que deveria ser: Como a lei foi escrita em nossos corações pelo Espírito Santo todos esses mandamentos deveriam ser para nós motivo de prazer, e jamais deveríamos precisar de alguém que nos lembrasse de cumpri-los pois os desejaríamos mais do que o ouro e teríamos nele maior prazer do que no mel.