sábado, 30 de abril de 2011

Voltando a falar de pastores

Quando se lê as sete cartas do Apocalipse, partindo da pressuposição que elas foram escritas primariamente à pastores - o que espero que você tenha feito desde que comecei tratar deste assunto - muitas coisas mudam de aspecto.

Continuarei abordá-las depois, em outra fase. Porém, não posso deixar de falar no fim desta primeira sobre algo que salta aos olhos: o que os pastores pensam de si mesmos e o que Jesus pensa deles.

Talvez o caso mais claro seja o do pastor da igreja de Laodicéia: “...pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu”. Veja: Aos próprios olhos ele era rico, abastado e independente, mas o Senhor o via nu, cego, pobre e miserável. O coitado sequer sabia que era infeliz.

Mas nem sempre o texto é tão claro.

O pastor da igreja de Éfeso parece ter sido um homem íntegro que via na fidelidade às verdades recebidas, e a perseverança nelas a qualquer custo, a realização de seu ministério. Talvez fosse o que hoje chamaríamos de conservador. Jesus o elogiou por isso, mas o criticou por esquecer-se da razão pela qual isso deve ser feito: o amor. O primeiro amor. O amor que tinha quando começou a fazer tais coisas.

Invertido é o caso do pastor da igreja de Esmirna. Provavelmente diríamos hoje que ele tinha “baixa autoestima”, ou então que as condições em que vivia não o permitiam pensar muito além do que o horizonte humano deixava. Entretanto o diagnóstico do Senhor é diferente: “mas tu és rico”. A riqueza que o Senhor mede não é a que enche as carteiras, como a dos depositantes do gazofilácio, mas a que transborda de corações como da viúva ou desse pastor anônimo, que tinha de suportar blasfemos, falsos judeus e satanistas.

Sobre o pastor da igreja de Pérgamo, a despeito de conservar o nome do Senhor em meio a dificuldades inimagináveis hoje, mantinha uma postura pluralista inclusivista, pois permitia em seu rebanho balaamitas e nicolaitas. A ordem do Senhor era clara: deveria se arrepender. Isso pressupõe que ele se orgulhava de ser conciliador de opostos pois os pecados dos balaamitas eram exatamente levar seu rebanho à idolatria.

O pastor da igreja de Tiatira, a despeito de suas muitas obras, que o qualificariam hoje como um homem piedoso, tem seu pecado é claramente mostrado como o da tolerância para com o erro, pois permitia um verdadeiro “copastorado” de uma mulher que se dizia profetiza mas agia como a rainha idolatra Jezabel. A ausência de repreensão direta a ele (pastor) e a intervenção direta de Jesus no rebanho com ameaças terríveis, me dá a impressão que ele tinha o que chamamos hoje de “falta de pulso”. Talvez tivesse de si mesmo um conceito fraco. Era um trabalhador, mas era fraco como o rei Acabe. Quem sabe essa seja outra razão para o Senhor chamar essa mulher de Jezabel.

Triste sina a do pastor da igreja de Sardes, que pode ser resumida em poucas palavras. Ele se imaginava vivo, mas o Senhor o via morto.

Outro pastor misterioso é o de Filadélfia, mas pelo lado bom. Parece que ele pensava de si próprio com moderação. Sabia que tinha pouca força e o Senhor lhe atestou isso. Também era assolado por falsos judeus e satanistas, mas guardou a palavra do Senhor.

Sete pastores, sete avaliações e parece que apenas um pensava concordemente com o Senhor. Cinco pensavam de si mais do que deveriam e o Senhor os repreendeu. O de Esmirna pensava aquém e o Senhor o animou.

Ainda bem que o Senhor Jesus anda no meio das igreja e tem na mão cada pastor. Assim ele interfere em seu rebanho e no pastoreio do mesmo. Assim ele cumpre sua própria promessa: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência” Jr 3.15.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Vencendo a Morte

Uma explicação inicial

Este Blog coleciona as mensagens que escrevo às ovelhas que o Senhor me mandou pastorear. O André foi uma delas.

Quando o conheci em 2004 era uma adolescente magrinho de corpo, mas enorme de inteligênciae idéias. Meio escanteado como o gordinho Mateus, como todos os que são diferentes e todos os que confiam na graça.

Todos os anos, às vésperas da semana santa, escrevo sobre o sacrifício de nosso Senhor. Entretanto, neste ano os acontecimentos me carregaram e não consegui impor minha rotina. Pensei também em escrever sobre a tragédia do Realengo, mas me senti chovendo no molhado, pois o que eu via, alguém já tinha visto antes de mim. Agora o André me ofereceu esta pérola de texto falando da tragédia e através dela mostrando a esperança da ressurreição.

Que texto bom!

Leiam. Eu li e chorei. Chorei por que vi a graça que salvou o gordinho Mateus e a graça que conduz o André.

Folton (um pastor pela graça de Deus, que se alegra quando suas ovelhas cescem na graça divina também).

 

Vencendo a Morte

Por André Eler

"Relaxa, gordinho, eu não vou te matar." Parece piada, mas essa é a crônica que mais me emocionou nessa que foi, provavelmente, a maior tragédia em ambiente escolar no Brasil. Pode parecer específico demais, mas é válido ressaltar este aspecto: trata-se de um lugar de aprendizado e, por isso, qualquer ato, como o que matou as dez meninas e dois meninos em Realengo, toma proporções ainda mais dramáticas. Escolas, lares e igrejas deveriam ser os lugares onde qualquer pessoa - e especialmente pessoas em formação - estivessem mais protegidas na face da terra.

Deveriam. E é por isso que, por mais que se critique a espetacularização da tragédia, são esses episódios inusitados que mais causam comoção no espaço público. É exatamente por lares, escolas e igrejas serem lugares tão próprios da vida privada que um ato que lhes tira a paz plena torna-se o tema preferido da comoção pública. A família, o ensino e a fé são direitos intocáveis. É isso que mais espanta. Os escândalos nesses três âmbitos nos fazem desacreditar no mundo.

Daí, ocorre-me o testemunho de Mateus, um moleque que tem muito mais a dizer do que qualquer especialista em psicologia de psicopatas. Ele disse que o atirador do Realengo dava tiros nas cabeças dos colegas. Ele pensou que fosse morrer. Pediu a Deus para que não morresse. Começou a orar - e um pouco de atenção aos falantes brasileiros nos dá a dimensão de que Mateus foi criado em um ambiente em que a fé cristã é primordial, provavelmente um lar evangélico da Zona Oeste do Rio. E orando, ouviu sua sentença: "Relaxa, gordinho, eu não vou te matar." Só uma boa dose de monstruosidade explica um massacre de adolescentes em uma escola de um bairro pobre. Mas nada explica por que um monstro dispensa favor ao gordinho. Que monstruosidade é essa que se compadece de alguém quando o vê se entregar a Deus? Por outro lado, que fé é essa que julga e condena a todos, e se consuma com o sangue de inocentes? Que tipo de doença produzem nossos conceitos equivocados da pureza do sacrifício de Cristo?

Talvez eu tenha me identificado com o Mateus. Eu também cria, aos 12, 13 anos, que uma oração às vezes tem poder quando não há nenhuma saída. Eu era um dos poucos gordinhos da turma. E também me sentia impotente em relação ao mundo. Só que Mateus me encanta mais pela forma como o destino lhe devolveu a vida. De graça, sem explicação, num ato de misericórdia de um coração onde parecia não haver misericórdia alguma - e não se enganem achando que isso torna o atirador melhor. Para as famílias dos que morreram, para os adolescentes e pais traumatizados e para a maioria de nós, indignados, o único conceito que explica o nosso próprio Columbine é a desgraça. Alguns, no entanto, percebem que desgraçados somos todos - por sermos propensos a praticar atos selvagens como os do atirador, ou por sermos incapazes de reagir a eles, ou por reagirmos tarde demais e salvando dezenas de adolescentes, como fez o sargento Alves, carregarmos o peso de doze mortes. É a esses que percebem o quanto somos mesmo desgraçados que o testemunho e o olhar de Mateus devolvem a esperança.

sábado, 16 de abril de 2011

Pastores (2ª parte)

Um amigo observou sobre o texto anterior: a autoridade que o Senhor admite que cada pastor tenha é muito grande. E disse: “se eu tivesse metade dela, nenhum Balaão, Nicolaíta ou Jezabel sequer se aproximaria da Igreja”.

Às vezes sou propenso em concordar. Mas será que Jesus está dirigindo-se a um pastor só, ou a todos os que são pastores de determinada igreja? Veja:

A primeira carta é dirigida ao Anjo da igreja de Éfeso. Esta igreja foi fundada pelo apóstolo Paulo durante sua terceira viagem missionária. Nela permaneceu por quase três anos. Sofreu tanto ali “ao ponto de desesperar até da própria vida” (2Co 1.8).

Continuando sua viagem em direção à Macedônia procurou deixa-la em boas mãos e ao retornar, passou perto o suficiente para encontrar-se com os presbíteros dela e recomendar “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28). Repare: Ela estava sendo pastoreada, por um grupo de presbíteros a quem Paulo diz que o Espírito Santo constituiu bispos. Eles a pastoreavam coletivamente.

Anos depois, Paulo mandou Timóteo para lá: “Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé” (1Tm 1.3-4).

Ora, se Timóteo permaneceu lá, a carta é dirigida a ele. Entretanto, faz mais sentido, para mim, que ela seja dirigida ao mesmo grupo (não aos mesmos indivíduos) a quem Paulo exortou na praia de Mileto.

Sei de igrejas em que um só pastor é o verdadeiro dono até dos imóveis e sei de igrejas em que o pastor não passa de um empregado. Por isso, apesar de endereçadas aos pastores, as cartas sempre terminam com a frase: “quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz as igrejas”.

Nem o pastor pode dizer, “eu tentei resolver aquele problema, mas o povo é rebelde”. Nem o povo pode dizer, “o pastor nunca nos disse que o Senhor não queria que fizéssemos isso”.

O Senhor ordenou a ele com voz alta e clara para que fosse ouvida por todos, pois suas ovelhas ouvem sua voz.

Como exemplo veja a igreja de Tiatira - sobre a mulher que se dizia profetiza, mas agia como Jezabel - o que o Senhor diz: “Dei-lhe tempo para que se arrependesse; ela, todavia, não quer arrepender-se da sua prostituição. Eis que a prostro de cama, bem como em grande tribulação os que com ela adulteram, caso não se arrependam das obras que ela incita. Matarei os seus filhos, e todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e vos darei a cada um segundo as vossas obras” (Ap 2.21-23).

Notou? O Senhor a disciplinou diretamente. Não usou o pastor. E o fez como exemplo para todas as igrejas. Depois falou diretamente aos membros da igreja: “Digo, todavia, a vós outros, os demais de Tiatira, a tantos quantos não têm essa doutrina e que não conheceram, como eles dizem, as coisas profundas de Satanás: Outra carga não jogarei sobre vós; tão-somente conservai o que tendes, até que eu venha” (Ap 2.34-25).

Jesus é o Senhor. Anda no meio das igrejas e tem na mão os pastores.

sábado, 9 de abril de 2011

Pastores

Quando Jesus ordenou a João que escrevesse às sete igrejas, endereçou cada carta do mesmo modo: “Ao anjo da igreja em ...”. Quem é esse anjo?
A primeira hipótese é de que se trate de um ser celestial, pois no livro há pelos menos 73 menções deles. A segunda hipótese é a personalização dos defeitos e qualidades de cada igreja, como se dissesse “Ao espírito da igreja tal”. E a terceira hipótese é de que se trate dos pastores daquelas igrejas.
Contra a primeira hipótese há muitos argumentos fortíssimos. Mas, por enquanto, basta um: se fosse um ser celestial, jamais o Senhor teria sequer algo contra ele como explicitamente tem, contra o anjo das Igrejas de Éfeso, Pergamo e Tiatira. Bastaria o que disse ao anjo de Sardes: “Não tenho achado íntegras as tuas obras na presença do meu Deus” e isso faria dele um demônio.
Contra a segunda hipótese também há diversos argumentos, mas também destaco um: como se haveria de admoestar, repreender ou elogiar uma tendência ou qualidade? Alguns dizem que Jesus está admoestando a igreja! Então por que dirigiu sua carta ao anjo dela?
Jesus está se referindo aos pastores (ou como se diz hoje: líderes). E aqui há o que temer e tremer.
1. Pastores podem ser zelosos de seus deveres e perseverantes nos mesmos como o foi o pastor da igreja de Éfeso. Modestos como o de Esmirna. Fiéis diante de lutas como o de Pérgamo. Perseverantes como o de Tiatira. Suficientes como o de Sardes. Eficientes como o de Filadélfia. Porém, tristemente tortos, ao ponto de provocar ânsias de vômito no Senhor Jesus, como o pastor de Laodicéia.
Cada um tem - com exceção do pastor de Laodicéia - uma qualidade destacada pelo Senhor. Em alguns de forma tão sutil, como no de Sardes, que é até difícil de ver. Noutros ela brilha com tal força que a própria modéstia, como a do pastor de Esmirna, não é capaz de cobrir. É o Senhor, com olhos como fogo que perscruta e julga. Ao de Sardes sentencia: “tens o nome de que vives e estás morto”.
2. Pastores podem ser a pior desgraça de um rebanho. Eles podem ser tolerantes. Isso soa terrível para nossos dias, mas é um dos pecados dos pastores listados aqui.
O pastor da igreja de Pérgamo tolerava os seguidores de Balaão e os nicolaítas. Já o pastor da igreja de Tiatira tolerava que uma mulher “que a si mesma se declara profetisa, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos” (Ap 2.20).
O pastor da igreja de Laodicéia se julgava rico e abastado, mas era pobre, cego e nu. Morno, provocava ânsias de vômito no Senhor: deixava Jesus do lado de fora: excomungado.
Talvez o comportamento mais triste tenha sido o do pastor de Éfeso em quem a única qualidade que sobrou foi o ódio ao erro por ter esquecido de seu primeiro amor.
Deus abençoa sua igreja mediante muitas coisas e uma delas é o pastor que coloca para servi-la. Não é a toa que o apóstolo ordena: “Obedecei a vossos pastores e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossa alma, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil” (Hb 13.17 ERC)










sábado, 2 de abril de 2011

À Sombra do Onipotente

Ainda bem jovem, meu colega de serviço - mais velho do que eu - era um sujeito bem trapalhão. Boa pessoa, extrovertido e até bonachão, mas muito irresponsável. Certo dia fui a casa dele e fiquei surpreso com uma Bíblia aberta na mesa de centro. Ele me explicou que era uma simpatia que a esposa estava fazendo, antes que o ladrão, que entrara na casa do vizinho, entrasse na deles também.

A Bíblia estava aberta no Salmo 91. Segundo ele, pra ficar sob a sombra do Onipotente.

Anos depois, pastoreando em uma cidade pequena, após muita insistência, acedi aos pedidos de uma senhora e fui visitar seu filho quarentão, que apesar de ter sido criado na igreja, era mais conhecido pela vida devassa e blasfema. Estava internado e ia de mal a pior.

Logo que entrei no quarto fique surpreso com diversas manchas avermelhadas em seu corpo e um arranjo de almofadas na cabeceira da cama com uma Bíblia aberta, no Salmo 91.

Conversamos e concluí que eu não deveria ter visitado mesmo. Ele me ensinou a respeito do valor terapêutico de se repousar à sombra do Onipotente. E, como se eu não soubesse, se empenhou por me explicar que no Salmo 91, em hebraico, estão repetidos os quatro nomes de Deus. Sacrossantos! Discursava, para alegria da pobre mãe que o tinha por verdadeiro santo e dizia não saber por que seu filho padecia tanto na mão de uns médicos tão obtusos que não achavam a cura de seu mal.

Não saiu do hospital. Morreu lá mesmo.

Eu teria exemplos de pelo menos mais três outros usos bizarros do salmo 91.

Embora nos apropriemos indistintamente das promessas contidas neste Salmo ele foi cumprido em Jesus, e até Satanás sabe disso, pois ao tentar nosso Senhor, desafiando-o a saltar do pináculo do templo, ele citou os versículo 11 e 12 deste Salmo: “Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra”.

Não quero dizer que não devamos reafirmar nossa confiança em Deus mediante as belas e santas palavras deste Salmo, mas deploro o uso do mesmo como elemento de simpatias, magias, ou de fechamento de corpo como alguém que transcrevia o versículo 7 e o colocava por debaixo da roupa, sobre o coração, com medo de balas perdidas.

O segredo daquele que habita no esconderijo do Altíssimo está no versículo 14: Conhecer a Deus pelo nome e à ele se apegar com amor.

Conhecer a Deus pelo nome não é saber pronunciar IHWH, mas estar em Jesus Cristo, o verdadeiro Nome revelado de Deus e a manifestação completa de seu amor.

Neste Salmo há também uma figura que se realizou de forma notável em Jesus: Vendo Jerusalém, ele chorou e disse: “Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes” (Lc 13.34).

Percebeu? Sob as asas de Jesus!

Agora veja o que o versículo 4 de nosso salmo promete: “Cobrir-te-á com as suas penas, e, sob suas asas, estarás seguro”.

Percebeu? Ficar à sombra do Altíssimo não é ficar à sombra de uma Bíblia aberta no Salmo 91, é ficar à sombra de Jesus.