quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Agulhas

O que é que leva alguém a enfiar agulhas no corpo de uma criança? Perguntaram-me diversas vezes nesses últimos dias.

E, como se não bastasse, para fechar o ano, já se tem notícia de outra criança e de uma mulher. O Estadão de 19/12 diz sobre a segunda criança: a polícia suspeita de que ela tenha sido “vítima de um ritual de magia negra”.

Eu não duvido da atuação dos demônios, porém duvido menos ainda da terrível maldade do coração humano. Explico:

A crença geral é a de que todos os homens possuem coração bom. Os maus fazem coisas assim por terem sofrido algum tipo de desvio na educação ou na socialização. Entretanto, não é bem isso que a Bíblia ensina. O que ela nos diz é que todos nascem com o coração “desesperadamente corrupto”.

Nosso pai Adão foi criado com o coração livre e sem qualquer tipo de propensão. Entretanto, após haver desobedecido a Deus, (desobedecido em uma exigência tão simples, que ele poderia perfeitamente ter cumprido, e que, de tão simples, mostrava apenas se ele obedeceria ou não, sem outro motivo além da própria obediência) seu universo se desequilibrou. Desequilibrou-se a tal ponto que se tornou propenso apenas para o mal.

Agostinho dizia que antes nele havia o “posso não pecar” e depois passou a existir o “não posso não pecar”.

Esta propensão para o mal atingiu também tudo aquilo sobre o que o Criador lhe colocara, e, como aconteceu antes do nascimento de seus filhos, tudo que lhe era sujeito e todos os seus descendentes herdaram tal propensão.

De tal modo que hoje, todos nós, descendentes de Adão, temos um coração tão propenso ao mal que, se não for a graça de Deus, qualquer um de nós pode espetar agulhas em um bebê sem qualquer tipo de remorso.

A Graça de Deus, a que faz “nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mateus 5.45), é a mesma que minora o mal e coíbe as mais perversas formas de bestialidade e imoralidade entre os seres humanos. Pois, na verdade, o coração do homem sem Deus não é muito diferente do coração dos demônios.

Quando neste “coração manjedoura” nasce o Senhor Jesus, ocorrem muitas mudanças. A primeira é uma verdadeira luta que se estabelece entre as propensões herdadas de Adão e a vontade do “novo morador da manjedoura”. E essa luta é fruto de uma graça que já não é mais comum a todos.

Porém, a mudança total do “coração manjedoura” só ocorrerá quando estivermos na presença do Senhor. Por isso, até quem possui essa nova natureza é também capaz de fazer coisas hediondas. Mas as faz por exceção, não por regra. Não permanece fazendo-as nem deixa de sentir a maior tristeza por ser capaz de fazê-las.

Estamos iniciando mais um ano e olhando para o que ficou. Temos muito do que nos arrepender. Mesmo que não tenhamos praticado coisas hediondas, bestiais e imorais, diante de Deus, qualquer pecado é mortal, pois exige a morte de seu filho. Arrependamo-nos confiados em sua graça e tementes do que nossa natureza ainda é capaz de fazer. Porém, não deixemos de ser gratos.

Sejamos gratos, primeiramente pelo sacrifício de seu Filho que nos assegura o perdão. E nos lembremos de agradecer pela sua ajuda nesta luta terrível, contra nossa própria natureza.

Sigamos a ordem do apóstolo: ”não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos” (Gálatas 6.9). O que é um bom conselho não apenas para 2010, mas para todos os anos a frente.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A região da sombra da morte



O povo que andava em trevas
viu grande luz,
e aos que viviam na região da sombra da morte,
resplandeceu-lhes a luz.
Isaías 9.2


Não sei se Isaías conhecia o Salmo 23. Talvez conhecesse, pois além da transmissão oral entre os músicos do templo, um dos trabalhos dos escribas de Salomão era registrar a história e os escritos do próprio Salomão e de seu pai, que muitas vezes chegou a especificar, quem devia cantar determinado Salmo, em que dia, com que música, com que instrumento e em qual afinação.
Também não sei se Isaías conhecia o Livro de Jó. Mas sei que a expressão “sombra da morte”, que foi escolhida no texto acima para designar o lugar em que o Messias haveria de nascer, também foi usada diversas vezes por Jó.
Antes de Isaías falar da “região da sombra da morte”, onde o Messias haveria de nascer, Davi já a cantava. E, do que impressionava pelo terror ao patriarca Jó, Davi dizia que não o amedrontaria, pois a Bom Pastor estaria a seu lado.

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À sombra da morte moravam os que viviam na região que foi repartida por Deus à Zebulom e à Naftali. A mesma região, que o Senhor tornou desprezível, testemunharia o aparecimento da verdadeira Luz.
À sombra da morte sofriam sob cetro opressor, curvavam-se sob jugo pesado e a vara lhes machucava os ombros. Viviam tão aflitos quanto seus antepassados viveram debaixo do jugo dos midianitas.
À sombra da morte se acostumaram ao tumulto da batalha, ao som medonho das botas dos guerreiros e às roupas ensangüentadas.
À sombra da morte as únicas alegrias eram as do trabalho honesto e árduo da ceifa ou da desgraça do despojo.
À sombra da morte estavam todos aqueles sobre quem o “zelo do SENHOR dos exércitos” ainda não tinha resplandecido sua maravilhosa Luz.
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Mas a região da sombra da morte é descrita hoje por todos os jornais e vista em todos os noticiários. Se faz presente nos lugares mais inesperados e amedronta a pobres e ricos.
A única luz que dissipa a sombra da morte é aquela que “vindo ao mundo, alumia todo homem”. Aquela que é característica do Maravilhoso Conselheiro. Que é indomável, pois vem do Deus forte. Perene, pois procede do Pai da Eternidade. Benfazeja, pois expressa o amor do Príncipe da Paz.
A luz que dissipa a sombra da morte “resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela”.
À sombra da morte ainda vivem aqueles, que, mesmo desfrutando das benesses das regiões mais ricas e nobres da terra ainda não viram a verdadeira Luz.
À sombra da morte também vivemos nós os que andamos pelo vale com o Bom Pastor. Entretanto, diferentemente dos outros, a verdadeira Luz brilha sobre nós e, sendo lâmpada para nossos pés, nos mostra o caminho para fora deste vale tenebroso.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O que senti e do que estou certo

Vi luzes feéricas, enfeites - os mais coloridos - vi presentes lindos. Vi papéis picados forrando o chão e algodão imitando neve. Vi árvores muito verdes - sempre verdes - e até um presépio animado. Mas não vi a menor recordação do quanto nosso Senhor abriu mão para se fazer um de nós.

Ouvi belas músicas - daquelas que enchem os olhos de lágrimas - ouvi outras feias, com letras absurdas e melodias tolas. Ouvi cumprimentos, discursos e até sermões. Mas não ouvi a menor lembrança de que o Senhor se encarnou para salvar-nos de nós mesmos fazendo-nos justiça de Deus.

Senti cheiros mais doces do que incenso. Cheiro de chocolate quente e de pães recheados de frutas. Experimentei frutas de que só ouvira falar e outras que só aparecem no fim do ano. Mas, só de falar em cheiro de estrebaria, quem estava ao meu lado me chamou de chato.

Apalpei tecidos macios, peles fofas e sedas lisas. Mas o que veio a minha mente foi o pano grosseiro das faixas que enrolaram meu Senhor.

Contemplei paisagens lindas: nevadas, radiantes e estreladas. Contemplei pinturas, gravuras e belos desenhos. Mas nenhuma delas tirou de minha mente a lembrança de que a noite que recebeu meu Senhor foi tão comum que Herodes teve de indagar sua data.

Muitas lendas e muitos contos. Pouca, ou nenhuma, verdade. O verdadeiro significado de separar-se um dia para se comemorar “Deus conosco”, partilhando de nossa natureza, foi soterrado pelos interesses mais sórdidos de ganância e lucro.

Seja feliz (dizem, escrevem, cantam), compre aqui! Como se comprar fosse o caminho da felicidade. Que embuste!

Quero trazer à memória o que me dá esperança: A Misericórdia do Senhor - sem a qual todos nós seríamos consumidos, e, da qual, todas as demais, que se renovam a cada manhã, são apenas figuras - nasceu numa estrebaria e foi deitado numa manjedoura: seu primeiro passo em direção a cruz.

Quero trazer à memória o que me dá a certeza de que juntamente com ele tenho vida na presença do Pai.

Quero trazer à sua memória a mais forte das lembranças que eu puder reavivar: não uma história qualquer, mas a notícia de que Deus se fez homem para que nós fôssemos feitos seus filhos. Não apenas filhos de seu poder criador, mas, filhos de seu amor.

Feliz Natal!

Ao adquirir nossa natureza
o Senhor foi preservado do pecado.

Porém, a natureza que ele adquiriu
não foi a de Adão antes de ter pecado,
muito menos a que Adão teria se não houvesse pecado.
Mas aquela natureza a que nosso pai foi reduzido
após rebelar-se contra Deus.
A mesma com que nascemos
e a mesma que nos faz inimigos de Deus.
Aquela da qual se diz: “éramos, por natureza, filhos da ira”.

Ele não hesitou tomá-la por amor dos seus,
como não se envergonha de ser chamado nosso irmão.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A manjedoura e a cruz

Entre a manjedoura e a cruz não houve muita diferença. As duas são os símbolos máximos da humilhação do Senhor: na manjedoura ele experimentou nossa natureza e dores análogas às que a maldição do Criador impôs à mulher. Na cruz ele experimentou os tormentos do inferno em favor daqueles que o Pai lhe deu.

A manjedoura fala de extrema pobreza. Pobreza que se contentou com o conforto que o lugar onde os animais se alimentam pôde proporcionar a quem saiu do aconchego do ventre materno e, de súbito, foi exposto a um meio hostil.

A cruz fala de maldição. Para ela iam os piores criminosos e os mais reles escravos: os malditos dos homens. Agrava-se, pois o Pai prometera que também consideraria maldito todo aquele que nela fosse dependurado.

A manjedoura fala do começo da vida comum a todos os descendentes de Adão. Vida maculada pelo pecado: biologicamente sujeita ao envelhecimento, às dores, à morte e à decomposição. Espiritualmente, sujeita àquele e àquilo que é mau. Pior: sujeita ao “eu” (tirano implacável de todos os descendentes de Adão). Porém, dessa sina desgraçada - a contaminação do pecado - ele foi preservado.

A cruz fala do fim da vida física comum a todos os descendentes de Adão: a morte. Vitória da entropia que a tudo desliga pondo fim a energia que anima o cérebro - expressão física da alma - ou cadencia o coração - responsável pelo transporte de alimento e pelo coleta do lixo de cada parte do corpo. Disso ele não foi poupado.

Mas a cruz também fala da separação da alma de seu corpo. E aqui está a maior diferença entre a manjedoura e a cruz, pois a esse respeito ele prevaleceu inaugurando uma nova criação, não sujeita a carne ou sangue, mas ao Espírito vivificante.

Na cruz está latente a manjedoura e na manjedoura já pode ser vista a sombra da cruz.

Como se não bastasse o homem já ser indesculpável perante Deus, ele ainda comemora o Natal. E provavelmente não encontraremos um que não tenha pelo menos uma idéia do que ele representa.

Mas, ao comemorar não comemora-se apenas uma possível idéia alegre anunciada pela manjedoura, comemora-se também as tristezas da cruz, que fazendo sombra sobre o menino envolto em faixas, faz bendita sombra também sobre todo aquele que nesse menino encontra o Pai e terrível escuridão sobre quem não a toma sobre si.

Ao encontrarmos a manjedoura esbarramos na cruz. Ao encontrarmos o menino que foi agasalhado no seio de Maria, encontramos também o homem que teve seu lado traspassado por nós.

Portanto, não nos alegremos com o Natal se não estivermos dispostos a receber a cruz que o segue.

 

Na manhã da ressurreição
um anjo convidou as mulheres
a entrar na sepultura em que o Senhor estivera.

Na noite de seu nascimento,
após a mensagem dos anjos,
os pastores se convidaram mutuamente: “vamos até Belém”.

Esses dois convites ainda são feitos
e constituem-se na essência do Evangelho.

Tão importante quanto ver o túmulo vazio
é ver a manjedoura habitada.
É impossível crer em um sem crer na outra.
Enquanto a manjedoura nos fala de Deus habitando conosco,
o túmulo vazio nos fala de nossa habitação com ele.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Orações pecaminosas

Você ficou chocado com o vídeo que mostra algumas pessoas orando agradecidos pelo dinheiro recebido no esquema que a imprensa está chamando de “O novo mensalão”? Apesar de já ter visto coisas semelhantes, eu também fiquei.

No início de meu ministério – no milênio passado – vi uma senhora, viúva há poucos anos, orar diante da igreja, grata pela grande bênção que havia recebido: só teve de gastar 500 cruzados (dinheiro de então) com gorjetas para regularizar o espólio de seu marido que não estava completamente documentado.

O que é que leva alguém a agradecer por algo ilícito? Eu não tenho certeza, mas desconfio que seja a grande importância que tal pessoa dá ao mundo. Para ela o mundo é seu objetivo. Para ela o importante é ter. E o matérial se torna tão importante que Deus lhe está obrigado a dar não apenas o de que necessita, mas também aquilo que vier a desejar.

Esse absurdo deixa claro uma das grandes dificuldades que os pastores sério enfrentam nos dias de hoje: Nenhum pastor desestimula a prática da oração. Entretanto, esse tipo de oração, que coloca Deus como servo, ou que está a serviço do pecado, pode ser muito danosa à vida de qualquer crente em nosso Senhor Jesus Cristo. Neste caso é melhor não orar.

Jesus foi claro ao determinar que nossas orações fossem breves, quando nos advertiu que não é pelo muito falar que seríamos ouvidos. Também deixou claro que não devemos orar em busca de reconhecimento, pois quem o faz já recebeu sua recompensa: ser reconhecido.

Em uma de suas parábolas - talvez a mais irônica delas - ele usa dois personagens: um fariseu (a maior autoridade religiosa de sua época) e um publicano (a pessoa mais odiosa que podia haver, pois cobrava imposto dos seus patrícios em favor dos invasores romanos), representando dois tipos de pessoas que buscam a Deus em oração. O fariseu aproveitava sua oração para elogiar a si próprio e o publicano, contrito, pedia perdão por sua vida errada. Jesus declara que o publicano foi ouvido e o alto religioso, cuja função era cuidar dos assuntos divinos, foi rejeitado.

O apóstolo Paulo explicou que, por não sabermos orar como convêm, o Espírito Santo nos ajuda, sofrendo conosco, nos mostrando pelo que devemos interceder e o que devemos pedir. Hoje isso é feito através da iluminação que ele nos proporciona pra entendermos as Santas Escrituras por ele mesmo escritas.

E a razão de tal cuidado que o Espírito Santo tem conosco é muito simples: Se nossas orações não forem acompanhadas pela leitura de suas Escrituras, corremos o risco de acabar decidindo nós mesmos pelo que orar. E nosso coração pecaminoso colocará na nossa frente necessidades tolas ou aberrações como a de agradecer pelo pecado cometido.

Não devemos orar sem ler a Bíblia. Ao ler sabemos quais são os valores de Deus e pelo que devemos nos empenhar. Só assim oraremos adequadamente e nossos pedidos em si mesmos já serão atos de louvor, pois serão feitos conforme a vontade de Deus. Então fará sentido a recomendação do Salmista: “Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração” (Salmo 37.4).

Alguém cunhou uma expressão que se tornou verdadeiro provérbio entre os evangélicos brasileiros: “Muita oração, muito poder. Pouca oração, pouco poder”. Poder pra quê? Pra ficar rico? Pra ganhar eleições? Pra oprimir o pobre? Só fará sentido termos poder para fazer a vontade daquele de quem somos servos. O poder que eventualmente possuamos deve ser colocado a seus pés e ser exercido de conformidade com sua lei.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A tempestade e os catecúmenos

A escuridão da noite escondeu as nuvens carregadas e o grande calor do dia nos fez mais gratos pelas gotas da chuva que chegava. Chegou com relâmpagos, trovões e muito vento.

As gotas esparsas ajuntaram-se e os relâmpagos rasgavam o céu bem acima e iluminavam rápido alguns detalhes que a luz artificial não dava conta de mostrar.

O vento atravessava as casas, janela a janela, batia as portas com força e sacudia as árvores como que acordando-as da modorra da tarde abafada e quente.

A tempestade formara-se sobre nossas cabeças e a gratidão pelo refrigério com que a noite era inaugurada começou a dar lugar aos sustos provocados pelos estalos rasgados dos raios seguidos do ribombar dos trovões rolando à distância.

De repente as lâmpadas piscaram. Piscaram mais vezes e se escurecem. A memória substituiu então a visão, e a conversa, entrecortada por estalos mais fortes, continuou no escuro.

Se, em uma casa às antigas, se buscaria - com a dificuldade do pouco uso - uma vela, em uma conversa com adolescentes a solução vem rápida e surpreendente: celulares acesos.

Mais acesa do que os celulares estava a fé dos jovens catecúmenos que era examinada pelos anciãos nos quais ela já fizera morada há muito tempo e que, responsáveis por mantê-la acesa, verificavam a existência dela naqueles que desejavam professá-la diante do povo de Deus.

Nunca, em meus muitos anos de pastorado, vi uma reunião de Conselho tão significativa.

A tempestade varria as ruas lá fora, enquanto adolescentes e anciãos conversavam calmamente.

A escuridão da noite era rasgada por raios e a escuridão das dúvidas era iluminada pela segurança de respostas solidificadas na fé de quem, tão cedo na vida, já tem o verdadeiro norte no coração.

O vento que sacudia as árvores era imitado pelas perguntas que sacudiam as convicções. E, como nas árvores só ficavam as folhas verdes, os corações adolescentes eram também varridos das convicções mortas pela Palavra mais escaldante do que o sol que matara as folhas.

Lá fora a tempestade que limpava os ramos que já não estavam tão ligados aos seus troncos. Aqui dentro, à sombra da Casa consagrada ao Senhor, outra tempestade testava os novos rebentos que desabrochavam para a vida.

Como colocar tudo em palavras? Não sou escritor tão destro, nem observador tão perspicaz. Mas, do mesmo modo que nunca me esquecerei dos rostos sorridentes - sorrisos que não eram vistos do outro lado da sala escura, mas eram sentidos na doçura das palavras e no frescor da fé que o hálito de cada sílaba trazia brilhando mais intensamente do que os relâmpagos - também não esquecerei da fé que neles era representada.

Que Deus as conserve brilhantes, mesmo debaixo das piores tempestades que assolam noites mais escuras e mais tempestuosas: as noites da vida.

sábado, 14 de novembro de 2009

Abel continua falando

Já chamei sua atenção para o paradoxo de Abel: Não há registro de qualquer palavra que ele tenha dito, entretanto o escritor da Carta aos Hebreus disse que ele ainda fala. Quem nos diz que ele ainda fala é também quem nos diz que a fé é o veículo através do qual ouvimos sua voz.

Porém Deus também ouviu sua voz: “A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim” (Gn 4.10).

Note: não é Abel que fala e sim algo dele. A nós, segundo o escritor da Carta aos Hebreus, sua fé. A Deus, segundo o próprio Deus, seu sangue.

Aqui é necessário fazer uma observação: a palavra sangue, no original hebraico, está no plural. Alguns acham que, para os Hebreus, a palavra sangue só tinha a forma plural (como, em português, lápis, férias, núpcias, óculos, etc.). Porém, quando Deus proíbe o uso do sangue como alimento (Gn 9.4) a forma usada é a singular.

Então, quais são os “sangues” de Abel que, da terra, clamavam ao Senhor? Pluralizar a palavra seria apenas uma figura de linguagem ou significaria algo que nosso idioma não nos permite ver?

Costumamos dizer - corretamente - que a morte entrou na terra após a queda. Dizemos também - erroneamente - que a primeira morte foi a de Abel e antes dela não se sabia o que era morrer. Há até quem diga que Caim não tinha a menor idéia do que aconteceria a seu irmão.

Porém a Bíblia é clara: a morte de Abel foi a primeira de um ser humano. A morte já havia sido introduzida no solo sagrado do jardim: o próprio Deus matou os animais dos quais tirou peles para cobrir a nudez de nossos primeiros pais.

Ao sacrificar um cordeiro Abel comete a segunda morte. E, fora do jardim, sangue é novamente derramado sobre a terra.

Se o sangue das vítimas que forneceram a Deus suas peles, já era um tipo do sangue de nosso Senhor derramado em favor dos seus, podemos entender melhor por que a palavra sangue está no plural: O sangue do próprio Abel, derramado por seu irmão e assassino e o sangue do sacrifício oferecido por Abel, clamavam ao Senhor.

Nenhum de nós, que tem a Bíblia como sua regra de fé, duvida de que o sangue derramado sobre a terra clama ao Senhor por justiça.

Os próprios glorificados, que aguardam o Dia do Senhor, testificam isso: “Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” (Ap 6.10).

Nosso Senhor e mestre é muito mais incisivo: “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar” (Mt 23.33-35).

Então fica clara a afirmação: “Mas tendes chegado a [...] Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel.” (Hb 12.22-24).

O sangue de Abel clama por justiça ao “juiz de toda a terra” e é tipo do sangue de todos os que foram martirizados por sua fé.

O sangue derramado por Abel clama, até hoje, testificando qual é o verdadeiro significado de uma fé obediente.

O Sangue de nosso Senhor, tipificado por ambos, fala de coisas superiores: perdão para os ‘cains’, que insistem em cultuar a Deus com o produto de uma terra corrompida pelo pecado, e, que, quando percebem que Deus não se agrada de suas obras, matam seus irmãos. Irmãos que, pela fé, cultuam obedientemente ao Senhor.

sábado, 7 de novembro de 2009

Depois de morto ainda fala

Na terça-feira passada a frase “mesmo depois de morto ainda fala”, prendeu minha atenção. Nem me lembro mais quem a disse, nem do que falávamos, mas ela ficou muito tempo martelando minha cabeça por um motivo simples: Não há registro de qualquer fala de Abel.

Minha primeira providência foi certificar-me de que a frase refere-se mesmo a Abel. Está.

Depois reli a história do primeiro assassinato e tirei a dúvida: ao contrário de Caim, seu irmão e assassino, que questiona o próprio Deus, Abel não fala palavra alguma.

Como então: “depois de morto ainda fala”?

Será que esse “ainda” foi acrescentado por nossos tradutores? Não. Não foi. Ele está livre de qualquer dúvida textual em todas as versões gregas que possuo.

Ainda fala! Como? Se nunca falou. Ou melhor: Como ainda fala, se não temos registro de qualquer palavra dita por ele?

Seu ato ainda fala!

Mas, veja bem: o único ato de Abel registrado foi um ato de adoração a Deus: Pela fé ele apresentou a Deus um culto mais excelente do que o culto de seu irmão. O qual, enciumado por Deus ter preferido o culto de Abel, o matou.

Observe que este é um dos poucos lugares em que Deus faz distinção baseado na qualidade da coisa em si. Geralmente, pela sua grande misericórdia, ele aceita nossas oferendas sem olhar para a qualidade delas. Em outras palavras: Aqui, a base para a aceitação do culto não está na misericórdia de Deus, mas na qualidade do culto.

A fé de Abel - aquela que o permite falar a nós hoje - o levou a oferecer a Deus um cordeiro. Caim tentou compensar sua falta de fé oferecendo a Deus um culto muito mais trabalhoso: teve, no mínimo, o trabalho de plantar, de colher e de transportar. Mas isso não comoveu a Deus.

A fé de Abel lhe mostrou que não poderia aproximar-se de Deus como seus pais o fizeram. O próprio Deus já cometera as primeiras mortes no jardim: os animais dos quais tirou peles. E será o próprio Deus que matará o verdadeiro cordeiro.

A fé de Abel lhe mostrou que desagradaria ao Criador se desconsiderasse seu ato.

Isso é contra o que popularmente se diz: “se for feito com fé Deus aceita qualquer coisa”. A assertiva correta é: “se for feito com fé, não faremos qualquer coisa!”

A falta de fé de Caim o fez repetir o gesto errado de seus pais, com o agravo de, inventando algo novo, oferecer os vegetais no altar. Note que Deus já os recusara como simples vestes.

A falte de fé de Caim levou-lhe a preferir a imaginação e a criatividade como substitutos para a obediência.

A falta de fé de Caim o levou a odiar a obediência na pessoa do obediente matando seu irmão. Do mesmo modo que os novos adoradores rotulam de mortos os que cultuam em espírito e em verdade.

Mas o texto destaca Abel. Seu ato e sua fé. Sem palavras, ainda nos fala: Deus não aceita cultos - por mais elaborados que sejam - inventados pela imaginação e criatividade dos ‘cains’, mas deleita-se quando, reconhecendo a Cristo, o verdadeiro Cordeiro de Deus, lhe cultuamos em fé.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Os perigos de se ver Deus face a face

Os mais velhos se lembram das aulas de Escola Dominical sobre Deus rejeitar o pedido de Moisés para vê-lo face a face, e alguns se lembram de um hino que usa como analogia nossa impossibilidade de olhar diretamente para o sol para explicar por que só podemos ver a Deus através das figuras que ele mesmo escolheu para se fazer conhecido.

No artigo passado mostrei como algumas correntes dentro do evangelicalismo brasileiro estimulam essa impossibilidade e adicionam toques eróticos a esse encontro da alma com Deus. Hoje espero deixar claro a impossibilidade do pecador, mesmo redimido, ver a Deus face a face. E, se conseguisse, o quão terrível seria para ele.

Em primeiro lugar, há o problema da finitude. Somos criaturas e Deus é o Criador. Somos finitos e Deus é infinito. Como abraçar o infinito? É possível colocar o oceano em um copo? Como nosso pequeno cérebro conteria aquele que o criou? Os místicos argumentam que é a alma que o recebe e que visão é apenas força de expressão. Mas o mesmo pode ser dito da alma. Acaso ela é infinita?

Em segundo lugar, estamos em rebeldia contra Deus. Nossos pais nos legaram tal estado: nascemos rebeldes. Aprendemos com facilidade a pensar, falar e fazer o mal. Como as mães testemunham: “se fosse coisa boa não fazia, mas como é ruim não precisou ser ensinado”!

Quando recebemos Jesus em nossas vidas somos declarados, pelo Pai, filhos amados. Totalmente justos diante dele que nos sela com o Espírito Santo o qual nos ensinará a renegar as paixões características dessa velha natureza e nos conduzirá em todas as decisões. Entretanto não perdemos nossa natureza pecaminosa. Ela nos acompanhará à sepultura.

Somos tidos por Deus como seus filhos, apenas por estarmos em seu Filho. E esse é o ponto ao qual eu queria chegar: seu Filho se fez um de nós para que fôssemos feitos um com ele!

Você já reparou que Jesus foi o único “pecador” que se encontrou com Deus face a face? Percebeu qual é o destino dos que vêem Deus face a face? Entendeu por que Deus não atendeu o pedido de Moisés? Ou será que você já esqueceu? “Respondeu-lhe: Farei passar toda a minha bondade diante de ti e te proclamarei o nome do SENHOR; terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer. E acrescentou: Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá” (Ex 33.19-20).

Jesus viu Deus face a face para não termos de fazê-lo.

Então nunca veremos a Deus? Veremos sim: em Cristo. Que além de ser a expressão exata do Ser de Deus é quem sustenta todas as coisas pela sua palavra. Também nele habita corporalmente a plenitude da Divindade. Leia Hebreus 1.1-4 e Colossenses 2.8-9) e nunca se esqueça de que Emanuel significa “Deus conosco”.

Esqueça o engodo de nossos poetas e as tolices que assolam nossos dias e escute as palavras do próprio Senhor: “Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras (Jo 14.9-10)”.

sábado, 24 de outubro de 2009

“... sadios na fé” (Tt 2.2)

Dentre as muitas correntes de pensamento e comportamento do evangelicalismo brasileiro, uma me impressiona há muito tempo. Ela diminui e cresce obedecendo a um ritmo que desconheço. Algumas vezes chega a tornar-se quase onipresente nos sermões, publicações e especialmente músicas. Costumo chamá-la (por falta de um nome melhor) de corrente místico/erótica.

Você já deve ter ficado incomodado, ou pelo menos pensativo, com declarações do tipo “estou apaixonado por Jesus”. É a esse tipo de coisa que me refiro.

Não é nova. Tem a idade dos movimentos místicos e, antes do protestantismo se instalar no Brasil, já se manifestava dentro do catolicismo romano.

De modo geral é possível dizer que os pensadores místicos usam esse tipo de expressões para caracterizar seu relacionamento com Deus. Parece que esse apelo erótico decorre da necessidade de se falar sobre um relacionamento mais íntimo com Deus. Como se a fé não bastasse.

Os relacionamentos mundanos, tidos hoje como os mais profundos, são usados como modelo do relacionamento que devemos ter com Jesus (ou para alguém, alardear o quanto se é íntimo dele). Dentro desse contexto é que essas expressões vulgares aparecem. Porém, não há maior incoerência do que fazer isso.

No contexto bíblico, especialmente no Novo Testamento, paixão é a total negação do Fruto do Espírito. Pathos (etimologia grega da palavra paixão, de onde também procede as palavras patologia ou doença) é a negação absoluta da falta de ordem esperada na fé e na prática. Especialmente no culto.

O apóstolo Paulo verificava, mesmo à distância, a “boa ordem” da fé da igreja de Colossos (Cl 2.5). Determinou a igreja de Corinto que se empenhasse por um culto feito com “ordem e decência” (1Co 14.40). Chegou a deixar Tito como seu representante em Creta para colocar “em ordem” o governo das igrejas de lá (Tt 1.5). Ordem é um valor cristão.

Essa tendência “erótica” foi documentada no meio protestante brasileiro desde seu início. O Dr. André Bieller, pensador reformado, fundador da Escola de Sociologia da USP, chega a se queixar, em seu livro “O Protestantismo Brasileiro”, da quantidade de vezes em que nosso hinário fazia referências a sentimentos em lugar da fé. Constantemente a fé era substituída pelo tocar, sentir ou gozar. Por exemplo: “ao sentir-te perto nada temerei”. E se não sentir? Temerá? Então para onde foi a fé?

As figuras bíblicas foram exageradas e levadas as últimas conseqüências. As “Bodas do Cordeiro com a Igreja” tornaram-se um encontro amoroso entre o fiel e Jesus. Na maioria das vezes é o fiel que pede a Jesus seu toque, carinho e palavras amorosas. O fiel é o sedento de amor e Jesus é o amante que precisa ser chamado e lembrado da carência do fiel ou dos fiéis. Neste caso não se hesita em pedir “incendeia a tua noiva”.

É um relacionamento tão complexo que às vezes se inverte: O fiel possui a Jesus ou Deus e aparecem declarações como “Deus é tão fofinho”. Ou a do bispo: “Deus é uma coisinha quentinha e gostosinha”.

Os ensinos bíblicos sobre os perigos de se encontrar face a face com Deus são postos de lado e a palavra de ordem é aproveitar que, como Jesus já pagou tudo, só nos resta celebrar carnavalescamente ou “gozar a intimidade no jardim”.

Não relevo a alegria que a alma do cristão desfruta na bondade do Senhor. Entretanto, deploro o uso de imagens eróticas, as vezes de mau gosto ou mesmo pornográficas, para descrever esse bendito sentimento.

Há que vigiar nosso vocabulário, nossos cânticos e o culto que oferecemos a Deus. Há que corrigir nossos hinos. Mas primeiramente há que pensar em nossos valores e examinar se não estamos trazendo valores mundanos para dentro da Igreja.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Olimpíadas 2016

Como brasileiro fiquei alegre ao saber que nosso país sediará os jogos olímpicos de 2016.

Concordo que deixamos muito a desejar na área de saúde, educação, e segurança, e em outras, mas creio que este evento possibilita alavancar recursos diretos e indiretos que beneficiem também estas áreas.

Concordo também com os que alertam para a grande oportunidade de desvios de verbas, corrupção e coisas do gênero. Entretanto, a possibilidade disso acontecer é semelhante a de acontecer em qualquer outro evento.

Porém, não concordo com a afirmação de nosso presidente que finalmente resgatamos nossa cidadania mundial. Aliás, pra falar a verdade, nem sei mais ao que a nossos políticos se referem quando usam a palavra cidadania. Muito menos cidadania mundial. Se com isso ele quis dizer que finalmente outros países nos vêem como um país que pode se responsabilizar por um evento de tal magnitude, fico mais triste. Preferia receber tal atestado da OMS ou da UNESCO, do que do COI.

Entretanto, como pastor, lamento algumas coisas.

Primeiro: Fatalmente o Dia do Senhor será profanado. Profanado por quem participará como atleta e por quem se envolverá como espectador ou telespectador. O deleite, que as Escrituras reclamam para tal dia, não será no Senhor, mas nas vitórias que certamente nossos atletas alcançarão.

Segundo: Por mais que vejamos nos jogos olímpicos apenas uma ocasião de congraçamento, eles são, na realidade, um soerguimento do velho paganismo contra quem nossos pais lutaram até a morte. A pira olímpica é um culto aos deuses do Olimpo. Isso é triste.

Terceiro: Desde já começará a haver debates dentro de nossos rebanhos sobre cancelar, adiar ou remarcar horário do culto que prestamos a Deus com o fim de não atrapalhar o acompanhamento das competições. E, pode ter certeza: seja qual for a decisão que vier a ser tomada pelos Conselhos de nossas Igrejas, isso trará amarguras para dentro do rebanho.

Conheço todos os argumentos que se usa a favor do apoio cristão aos esportes e até do envolvimento de Igrejas com eles. Conheço os textos bíblicos que se valem da disciplina dos atletas como modelo da disciplina que a vida cristã demanda. Até concordo com quem diz que o apóstolo Paulo devia ser apreciador dos esportes em sua época. E, embora eu não seja tão atlético, as vezes aprecio também algum tipo de competição. Entretanto, minha dor será pelo que elas acarretarão. Peço a Deus que nos faça sábio e ponderados de modo a resolvermos bem os problemas que chegarão aos nossos apriscos.

sábado, 3 de outubro de 2009

Dubiedade

Uma das coisas mais condenadas nas Escrituras Sagradas é a dubiedade ou a falta de clareza na conduta. Veja:

Mesmo antes de entrar na Terra Prometida, Josué já advertia o povo: “Porém, se vos parece mal servir ao SENHOR, escolhei, hoje, a quem sirvais: se aos deuses a quem serviram vossos pais que estavam dalém do Eufrates ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais. Eu e a minha casa serviremos ao SENHOR” (Js 24.15).

Nos dias do idólatra rei Acabe, o povo de Deus foi exortado pelo profeta: “Então, Elias se chegou a todo o povo e disse: Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o SENHOR é Deus, segui-o; se é Baal, segui-o. Porém o povo nada lhe respondeu” (1Re 18.21).

O profeta Isaías não deixa por menos: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo!” (Is 5.20).

O Senhor Jesus é muito claro: “Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno” (Mt 5.37).

O apóstolo Paulo nos adverte a respeito disso dizendo: “A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova” (Ro 14.22).

Tiago adverte que um comportamento resoluto é condição básica para Deus conceder sabedoria: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento. Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa; homem de ânimo dobre, inconstante em todos os seus caminhos” (Tg 1.5-8). Como também declara que isso é sujeira do coração: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração” (Tg 4.8).

Nos casos de Josué e de Elias o povo estava sendo conclamado a definir no que criam, para não chegar ao ponto em que chegaram: “De maneira que temiam o SENHOR e, ao mesmo tempo, serviam aos seus próprios deuses, segundo o costume das nações dentre as quais tinham sido transportados” (2Re 17.33).

Já o profeta Isaías e o Senhor Jesus falam de um comportamento perverso que leva a pessoa a chamar algo pelo seu oposto. Nosso Senhor é claro: isso procede do maligno.

O apóstolo Paulo nos adverte contra agirmos ao contrário de nossas convicções e Tiago fala do homem de “psique dupla” (ânimo dobre).

Esses exemplos mostram que, seja por má fé, tibiez, ou falta de resolução, o comportamento dúbio ou irresoluto é condenado. E, não é difícil encontrá-lo. Pior: precisamos vigiar a nós mesmos para não agirmos assim também, já que o pensamento de nossos dias nos empurra para isso.

Por exemplo: Há quem defenda a vida de um assassino perverso e ao mesmo tempo seja favorável a tirá-la dos que ainda estão no ventre de suas mães e é muito comum encontrar quem lute contra a corrupção política e defenda a corrupção sexual. Estou cansado de ver quem jurou ser a Bíblia sua única e suficiente regra de fé correndo atrás de revelações.

Há uns dez anos ganhei um livro ensinando esse tipo de conduta dúbia. Classificava-a “cientificamente” como um tipo de inteligência: a emocional. Segundo o livro a pessoa sábia é aquela que se conforma ao meio que vive. Como cristãos não podemos ser assim.

A ordem é clara: “não vos conformeis com este século”. E o diagnóstico é preciso: “Esta não é a sabedoria que desce lá do alto; antes, é terrena, animal e demoníaca ... A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem fingimento” (Tg 3.15-17).

sábado, 26 de setembro de 2009

Os últimos dias

Em seu discurso, na manhã de pentecostes, o apóstolo Pedro deixou claro que estamos vivendo os “últimos dias”. Ou seja: O período de tempo que estende-se do nascimento do Senhor Jesus à sua volta (o “último dia”).

O Senhor Jesus alertou-nos que esses “últimos dias” se caracterizariam por um aumento gradual das dificuldades com o surgimento de falsos cristos e falsos profetas operando milagres com o objetivo de enganar os eleitos de Deus. Tal período terá fim com eventos cósmicos notáveis e com sua volta.

O apóstolo Paulo, chama os “últimos dias” de tempos difíceis e explica que, egoísmo, avareza, vanglória, arrogância, blasfêmia, desobediência aos pais, ingratidão, irreverência, desafeição, falta de perdão, calúnia, desregramento, crueldade, inimizade ao bem, traição, atrevimento, vaidade, hedonismo, ateísmo e hipocrisia serão as marcas da sociedade desses dias.

Paradoxalmente o escritor da Carta aos Hebreus, afirma que nesses dias a revelação divina será a expressão exata do ser de Deus: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser... ” (Hb 1.1-3).

Não tenho espaço suficiente para escrever tudo o que as Escrituras dizem sobre este período. Que nós vivemos estes “últimos dias” não tenho a menor dúvida, mas estamos perto do fim deles ou não?

Todas as gerações que nos antecederam pensavam que seriam a última. O próprio apóstolo Paulo julgava-se tão próximo que esperava ver a volta do Senhor.

Mas nossa geração tem direito a algum destaque: Nunca a população de nosso planeta foi tão grande. As reservas de subsistência - água e alimentos - já foram ameaçadas diversas vezes, porém nunca de forma tão violenta. Sempre houve problemas de saúde, às vezes atingindo mais de um povo, entretanto nunca em escala planetária, muito menos na velocidade de propagação que vemos hoje.

Nunca o mundo esteve tão conectado. Não só pelos meios de comunicação como especialmente pela economia. E finalmente todos os países e nações passaram a ter um inimigo comum (talvez o primeiro passo em direção a um governo mundial): as mudanças climáticas.

Provavelmente nossa geração não seja a última, mas certamente é uma geração sui generis.

Fica-nos, ainda hoje, a advertência do apóstolo Pedro:

Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento. Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas.

Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão.

Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça (2Pe 3.9-13).

sábado, 19 de setembro de 2009

Obreiros da Iniquidade

Acaso, não entendem todos os obreiros da iniqüidade,
que devoram o meu povo, como quem come pão,
que não invocam o SENHOR?

Salmo 14.4

O termo “obreiros da iniqüidade”, usado acima pelo salmista Davi, é consistentemente repetido, dentro de contextos semelhantes, em dois outros Salmos: o 36 e o 53.

Nestes três Salmos o contexto geral é a humanidade perdida em rebeldia contra Deus, insensatamente duvidando até de sua existência.

No Salmo 14 Davi impreca contra os que devoram o povo de Deus como quem come pão. No Salmo 36 Davi os vê tombados e derruídos sem poderem se levantar. E no Salmo 53 o mesmo Davi altera apenas algumas frases do 14, de modo a estendê-lo também ao Povo de Deus que estava sitiado, pois no outro ele falava da linhagem dos justos sendo ridicularizada.

Em um Salmo os obreiros da iniqüidade ridicularizam a linhagem dos justos, no outro sitiam o povo de Deus e no outro Davi os vê derruídos.

Quando o Livro dos Salmos foi traduzido para o grego, o termo hebreu para obreiros da iniqüidade (que também pode ser traduzido por fazedores de tristezas, causadores de problemas) foi consistentemente vertido pelo que seria literalmente “obreiros sem lei”. Entretanto permite enxergar traços de outros sentidos: Os que investem na ilegalidade ou pessoas que praticam o que a lei proíbe. É claro que a lei a que se refere é a Lei de Deus.

Porém, o bem mais precioso que essa tradução legou-nos foi cunhar um termo que será repetido por nosso Senhor Jesus em um contexto prático: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.22-23): “Praticantes da iniqüidade”.

Observe que o significado tornou-se mais determinado. Davi, o primeiro rei de Israel segundo o coração de Deus, o usou para caracterizar aqueles que “metiam a ridículo a linhagem do justo” ou “sitiavam o povo de Deus”, e os via derruídos. Jesus, a Raiz de Davi, o último rei de Israel, o real Coração de Deus, usa o mesmo termo para referir-se àqueles que alegam merecer seu favor, por terem a capacidade de, em seu nome, profetizar, expelir demônios e fazer muitos milagres.

Observe que o Senhor Jesus não disse que eles não faziam o que alegavam fazer. Observe também que eles convenceram si próprios de que, por fazerem tais coisas, possuíam algum tipo de familiaridade com Jesus. Tanto é que não hesitam em lançar na face dele que agiram em seu nome. Porém para Jesus eles eram o que Davi já havia denominado: “obreiros da iniqüidade”.

Finalmente veja uma constante: em todos os textos é dito deles que são traidores do povo de Deus. Nos Salmos 14 e 53 são descritos como quem devora o povo de Deus com a naturalidade de quem come um pedaço de pão. No Salmo 36 são descritos como o pé insolente que procura calcar e a mão ímpia que tenta repelir. E no Sermão do Monte o Senhor Jesus os descreve como lobos que se vestem de ovelhas.

A conclusão parece óbvia: Os obreiros da iniqüidade estão dentro do povo de Deus. Dentro o suficiente para devorá-los. Acham tão natural as peles de ovelha que vestem, que enganam-se a si mesmos, alimentam-se do povo de Deus como alimentam-se de pão. Devoram as ovelhas do Senhor como lobos roubadores que são. A ordem do Senhor Jesus não podia ser mais clara: Acautelai-vos deles.

sábado, 12 de setembro de 2009

Tempo de plantar

Broto de Uva Setembro chegou e com ele o calor se anuncia e as chuvas já ameaçam cair. Aproxima-se o tempo de plantar.

Nesta época a terra, qual forno, aquece e quebra as sementes. As chuvas as refrescam e as fartam de nutrientes. Logo nascerão plantas novas. As mangueiras já estão florindo, breve as manguinhas, e as demais frutas da época estarão prontas para ser colhidas.

Os frutos podem ser consumidos in natura, ou preservados. Alguns serão secos, outros serão cozidos em compotas e outros ainda serão prensados, fermentados ou destilados, nos mais variados líquidos.

Para compensar o desconforto do calor muitos aromas invadem a noite e o sono e nos renova a certeza de que o Amado de nossa alma nos provê daquilo que não conseguiríamos mesmo levantando de madrugada, dormindo tarde e penosamente nos afadigando sob o sol.

Para compensar a noite mal dormida ele nos acordar ao som dos passarinhos que nos certificam - como a pomba certificou a Noé que as águas haviam baixado - que suas misericórdias se renovaram naquela manhã.

Essa bendita variação do tempo nos traz muito mais do que sabores, aromas e sons agradáveis: renovam a certeza de que, o Pacto feito com Noé ainda vigora e pode ser por nós desfrutado.

É a graça. Todas essas coisas são mantidas pela graça divina e sem ela nada se renova.

Dia desses vi diversas mudas prontas para formar um vinhedo - essas que estão na foto - e observei que algumas já estavam brotando. Lembrei-me da mangueira frondosa vizinha de meu quarto e que, no final do ano, marcava a passagem da noite com baques surdos das mangas mais maduras derrubadas pela brisa cálida vinda do rio e lembrei-me também das palavras de nosso Senhor: “todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele (o Pai) corta e o lança fora”.

A igreja de Antioquia - aquela que enviou Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária que as Escrituras registram - sofreu esta sanção. Dela hoje só temos uma caverna com ares de impostura para turismo. E as demais igrejas? Você já reparou que nenhuma igreja mencionada no Novo Testamento continua de pé? A menos que você considere de pé a igreja de Roma.

Aguardo ver um broto no tronco que sobrou da mangueira, como vi aquele broto da vinha. Entretanto, temo que os dias estejam mais para a missão de Isaías que ao se voluntariar com “eis-me aqui, envia-me a mim”, recebeu a dura missão de falar a santa mensagem até sobrar apenas o toco. Toco como o da mangueira de meu vizinho.

Temo que as palavras de João estejam se cumprindo “E também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo” (Lc 3.9).

É tempo de plantar. Tanto nos campos quanto em nossas vidas. Plantemos na confiança de boas colheitas de cereais e frutas, mas principalmente do único fruto que se entesoura para a vida eterna.

domingo, 6 de setembro de 2009

Por que a Igreja de vocês não se moderniza?

“Por que a Igreja de vocês não se moderniza?” Foi com esta pergunta que um senhor bem vestido e perfumado encerrou nossa conversa aborrecido por eu não consentir com a apresentação de “seu cantor” no culto de nossa igreja.

Eu já havia argumentado que em um culto cristão não há apresentações e sim louvor, ao que ele respondeu: “Mas é só louvor, ele não vai cantar música do mundo”. Tentei explicar que o louvor em um culto não significa apenas o tipo de música, mas principalmente a intenção com que ela é cantada. “Mas ele vai fazer apenas uma apresentação dos últimos sucessos para que os membros da Igreja possam cantar músicas novas depois”.

Cada argumento meu era rebatido por ele.

Mantive-me dentro dos elementos bíblicos do culto e ele enfatizou o quanto perdíamos não recebendo seu cantor: “ele canta bem, vai limitar seu repertório ao que é usual nas igrejas presbiterianas conservadoras, e ...”. Daí entendi que havia um repertório para outras denominações bem como para as presbiterianas não conservadoras.

E os 15 minutos pedidos por ele me pareciam uma eternidade. Seu último argumento foi: “O rapaz ainda é novo mas canta tão bem que o pastor dele já o ungiu ministro de música: um levita ...”.

Não me contive: “Um levita? Como no templo de Salomão?”

Diante da confirmação me esqueci dos 15 minutos, e do restante da rotina matinal. Tentei mostrar-lhe o anacronismo, - pra não dizer a bobagem - que ele estava falando. Tentei, mas não consegui, pois ele levantou-se furioso e soltou a pergunta que encabeça esta narrativa: “Por que a Igreja de vocês não se moderniza?”

Ele não referia-se a nossas instalações, ou a beleza de nosso templo, muito menos a funcionalidade das salas de aula ou de nosso escritório, do contrário eu teria respondido de pronto: “Por falta de recursos”.

Sua pergunta era retórica. Ele, na verdade, protestava contra uma organização que tinha por superada.

Depois, pensando no acontecido, imaginei que possa haver quem pense assim também. Alguns irmãos confirmaram que existe. Resolvi então tornar público o assunto e responder a tal pergunta.

Em um assunto como esse a Igreja não pode “se modernizar”, pois contrariará a Bíblia. Um exame na história do povo de Deus mostra que ele passou por fases bem determinadas. Houve o tempo dos patriarcas, o tempo dos juízes, o tempo dos reis e hoje o tempo do “sacerdócio universal”.

Nesses primeiros tempos os oficiais representavam os seus diante de Deus. Hoje cada um se representa diante de Deus. Ou seja: cada um é sacerdote de si mesmo, perante o sumo-sacerdote Jesus. Portanto o Povo de Deus presta culto. Não assiste, nem é mediado diante de Deus. Cultua. Cultua em Espírito e em verdade.

No culto cristão os cânticos apesar de importantes, não são essenciais. Na realidade não têm importância alguma diante de uma vida de culto. Mesmo que não se cante coisa alguma, se dois ou três estiverem reunidos em nome do Senhor Jesus ele garante que estará com eles. Entretanto o inverso não é verdadeiro.

Não é o cântico que faz o louvor. É uma vida de louvor que se expressa em cânticos.

O cântico sem respaldo de uma vida consagrada é abominação diante de Deus, e uma vida consagrada não precisa de cânticos, embora na maioria das vezes faz com que os lábios abram-se em cânticos, que, mesmo desafinados, são agradáveis a Deus por que procedem de quem o honra.

Mas, e a apresentação? Essas são apenas shows. Jamais alcançam um status de culto. Seja a mais bela cantata de Bach ou a performance mais leonina da mais conceituada artista. E, show por show, é melhor assistir aos profissionalmente bem feitos.


BH 6/9/2009

sábado, 29 de agosto de 2009

Nosso desafio centenário

... em nada considero a vida
preciosa para mim mesmo,
contanto que complete a minha carreira
e o ministério que recebi do Senhor Jesus
para testemunhar o evangelho da graça de Deus.
Atos 20:24

Neste fim de semana estamos alegres por relembrar que quinhentos anos atrás nasceu um homem que teve a coragem, de bradar bem alto: Deus é soberano! Conformemo-nos com isso ou continuemos lutando contra ele. Era João Calvino. Não poupou esforços e enfrentou os mais diversos empecilhos para praticar esta verdade, mas não se dobrou diante do deus deste mundo.

Da mesma forma por que, há cento e cinqüenta anos, chegou ao Brasil um jovem de vinte e seis anos que deixara o conforto de seu país trouxe-nos a Palavra de Deus. Morreu aqui poucos anos depois, mas deixou plantado e frutificando o santo Evangelho, o qual, até então estava limitado a colônias de imigrantes, e, no restante de nosso país semeava-se algo que de Evangelho tinha muito pouco ou quase nada.

Igualmente, por que cem anos atrás o Rev. Manoel Alves de Brito, enviado pela Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, recebeu por profissão de fé e batismo os primeiros crentes no senhor Jesus Cristo em Dom Cavati.

Hoje, agradecemos a Deus, e nos desafiamos a continuar proclamando que o Senhor é soberano sobre todos nós e concede a oportunidade aos que ainda estão rebelados contra sua vontade de reconciliarem-se com ele mesmo mediante o sacrifício de seu Filho na Cruz.

Em uma cultura que vende o santo Evangelho como um produto qualquer, nosso maior desafio é permanecer fiéis aos valores ordenados por Deus, pois ele ainda tem muitos escolhidos que não ouviram de sua graça e a “fé vem pelo ouvir”.

É com tal certeza que recebemos entre nós o Rev. Samuel Gueiros Vitalino, que, no canto da seara do Senhor, a que chamamos de Estado do Piauí, também se afadiga nesta mesma missão. Entretanto, perto de nós há lugares tão carentes do santo Evangelho quanto o sertão.

Como esses homens, e como o apóstolo Paulo, autor das palavras que encabeça este texto, nunca deixemos que a tranqüilidade de uma vida pacata nos impeça de cumprir as ordens de nosso Senhor Jesus e testemunhar o evangelho da graça de Deus.

sábado, 22 de agosto de 2009

Quando as circunstâncias falam mais alto do que as convicções

Esta semana vimos uma decisão de nossos governantes na qual as circunstâncias calaram as convicções. E as circunstâncias, que obrigaram tão excelentes senhores, não foram de vida ou de morte, mas apenas a manutenção do poder: para, não perderem o mando, mandaram às favas suas convicções decantadas ao longo de anos.

Para mim, que sequer sou adepto do ideário esquerdista, foi triste ver alguns desses homens, cuja imagem sempre me trouxe algum tipo de respeito, dizer que foram forçados a fazer o que lhes foi mandado.

Já vi casos semelhantes. Alguns por motivos maiores e outros por motivos menores, até risíveis.

Dentre os de motivos maiores, lembro-me de uma jovem mãe desesperada com o estado terminal de seu filho, pedindo ajuda de Deus ou do Diabo, aos gritos: - Ouviu pastor? Ouviu Siqueira? Siqueira era o presbítero que me acompanhava horrorizado. - Podem dizer ao Conselho: Faço qualquer coisa pra que meu filho não morra!

Dentre os menores, lembro-me de um ancião que passou a freqüentar um terreiro de candomblé, a fim de fazer um trabalho poderoso, para que seu inquilino, de quem ficou aborrecido, saísse do quarto e sala, sem ter de pagar multa.

Acho que não consigo fazer uma lista do que se poderia chamar “motivação maior”. Mas já possuímos em nossas leis certo abrandamento para quem rouba com fins de se alimentar, ou para quem mata em legítima defesa. E desconheço um condenado por palavras de desespero como as daquela mãe.

Sobre o ancião que passou a freqüentar o terreiro de candomblé, não o vi mais e não sei que rumo tomou, pois era meu último mês naquela igreja.

Mas, voltando ao abandono de convicções diante das circunstâncias, repare que isso está arraigado em nossa cultura. Não é isso que faz um estudante que cola na prova? Não está abandonando uma convicção (ser honesto é bom) diante da ameaça de ser reprovado?

Igualmente quem abandona o ideal da castidade, para evitar as chacotas. Ou se esquece “da mulher de sua mocidade”, como brada o profeta do Altíssimo, em busca de novos prazeres?

Não faz o mesmo o ancião encanecido por Deus, que não “dá-se ao respeito”, para ser admirado pelo espírito jovial?

Acaso é diferente a autoridade que prevarica no uso da espada, da qual é ministro sob Deus, por medo ou por outras ambições?

Diante de um quadro tão terrível, o que me mete mais medo é ver uma Igreja deixar de lado a maior de todas as convicções dos cristãos sinceros: “amarás ao Senhor teu Deus, de todo o teu coração de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento” e, com o objetivo de arrebanhar mais fiéis, abraçar os valores do mundo.

Não seja esse nosso destino.

domingo, 16 de agosto de 2009

Na casa do Pai

Nos tempos do Antigo Testamento nossos pais referiam-se a Deus por diversas formas, como Senhor, Senhor dos Exércitos, Eterno, ou outros tantos nomes, Jesus o fez principalmente chamando-o de Pai. Chegou a ordenar a seus discípulos que orassem chamando-o assim. E dentre as palavras que poderia usar escolheu a que uma criança usa para chamar seu pai. Provavelmente a que ele mesmo usou com José.

Porém, é digno de nota que ele tenha se referido também à “Casa do Pai”. Duas vezes ele usa essa expressão para referir-se ao templo: aos doze anos e ao purificá-lo. Mas, também serviu-se dela para falar de realidades maiores.

Ao despedir-se dos seus, ele garantiu que na Casa do Pai havia muitas moradas e ele ia adiante deles preparar-lhes lugar.

Para o Filho Pródigo a Casa do Pai era o lugar em que os servos tinham pão com fartura. Entretanto na própria parábola o Senhor Jesus a descreve mais generosamente: era lugar de alegria.

Lá o filho era aguardado com festa e com muito mais de tudo aquilo que despendera prodigamente. Mas, repare bem na própria Parábola: na Casa do Pai há certos procedimentos que devem ser observados.

As roupas que ele levou, e as dissipou, na Casa do Pai são necessárias para cobrir a nudez que um mero pano não consegue cobrir. Por isso são providenciadas pelo próprio Pai.

Na Casa do Pai o anel e os calçados certificam reabilitação filial. Com o anel ele está credenciado a assinar pelo pai. Calçado, ele jamais será confundido com um simples trabalhador - os quais têm pão com fartura - mas fica claro que ele também é Senhor.

Na Casa do Pai vestir-se é mais do que obediência a etiqueta. Sinaliza que o filho assumiu as obrigações decorrentes da filiação, mesmo que aos olhos de muitos tais obrigações pareçam ostentação, elas existem para a glória do Dono da Casa e seus filhos se comprazem, mesmo indignos delas, em recebê-las e usá-las.

Mas na Casa do Pai, não há lugar para picuinhas entre irmãos. O irmão, mesmo mais velho, que recusa a alegrar-se com a graça e misericórdia do Pai, ofende-lhe tanto quanto aquele que o considerou morto e lhe voltou as costas.

Portanto, na Casa do Pai, há certas normas de conduta. Há um modo de se viver lá. E esse é o sentido primário de ethos: palavra grega da qual deriva-se a nossa palavra ética, que poderia ser traduzida por “conforme os costumes da casa”. No caso da família que, tanto no céu quanto na terra, toma o nome do Pai Altíssimo, a ética de sua Casa. A ética vivida por seu Filho Unigênito. Ou seja: a Ética Cristã.

Em síntese: Na Casa do Pai, o filho é motivo de alegria e festa, mas não se faz o que se quer. Quem mora na Casa do Pai tem de seguir as normas que foram estabelecidas pelo Pai. Tanto as que regulamentam o comportamento em relação a Ele próprio, quanto o comportamento em relação aos irmãos, que nela também moram.

Aqui fica clara a diferença entre a ética cristã, muito mais estreita, pois revela a vontade do Pai para com seus filhos da ética comum, que para muitos não passa de normas convenientes ao bom viver.

Na Casa do Pai há muitas moradas, mas todas são regidas pela vontade do Pai.

domingo, 9 de agosto de 2009

Qual é a principal obrigação de um pai para com seu filho?

- Qual é a principal obrigação do pai para com seu filho? Foi a pergunta de uma amiga a todos nós que, falávamos sobre as dificuldades que tem para educar um filho nos dias de hoje.

É claro que uma pergunta dessas não pode ser respondida de pronto. Especialmente se ainda não pensamos nela. Mas é uma excelente pergunta para dar início a uma boa discussão sobre o papel daquele que homenageamos hoje.

Nesta mesma época do ano passado eu escrevi aqui sobre o privilégio da paternidade. Especialmente considerando o fato de que Deus a usa para falar de si. Ou seja: Deus se revela como um pai.

Certamente temos de entender que tal revelação não é exaustiva. Não explica tudo o que Deus é. Entretanto nos é a mais apropriada para que compreendamos o nosso relacionamento com ele e relacionamento dele conosco.

Ele é nosso pai.

Pai de todos por criação e pai dos remidos por adoção. Ou seja: há um “afunilamento” no conceito de paternidade de Deus, que se estreita ainda mais quando consideramos o modo como ele é pai de nosso senhor Jesus Cristo.

O que ele espera, como pai de todas as criaturas, é semelhante ao que um pai espera de seus filhos: obediência filial. Não a obediência implacável, embora inteligente de um soldado, nem a obediência automática das máquinas, mas a obediência amorosa de alguém que o louva com seus atos.

O que ele espera, como pai dos remidos, é que, cada vez mais, pareçamos com seu Filho Unigênito. Não apenas no nome, mas nos atos; no esvaziar-nos de nós mesmos; no assumirmos em nossa mão direita e em nossas frontes - ou seja: no agir e no pensar - a semelhança e os valores que orientaram a vida que seu filho levou entre nós.

O que é que nós esperamos, como pais Cristãos, de nossos filhos? A resposta será a mesma que teremos de dar a pergunta daquela amiga a que me referi no início desse texto, pois nossos filhos dependem de nós para serem o que devem ser. Em outras palavras: temos, para com nossos filhos, a obrigação de os tornarmos aquilo que esperamos deles.

Nossa hesitação em responder deveu-se exatamente a não havermos pensado antecipadamente no que esperávamos de nossos filhos.

Às vezes esperamos deles que sejam bons profissionais, bons cidadãos, bons esposos ou bons pais. É pouco! Devemos esperar que sejam bons Cristãos. Se forem bons cristãos serão tudo o que foi listado e ainda mais.

Então qual é a principal obrigação do pai para com seu filho? Eu não teria palavras melhores do que as dela: Nossa principal obrigação para com nossos filhos é mostrar o quanto eles são pecadores e o quanto precisam da graça de Deus revelada em Cristo.

Esta noite concluí que antes de tudo um pai é um evangelista (ou um missionário, como quiser) e seu campo de trabalho está bem determinado: seus filhos.

Feliz Dia dos Pais!

domingo, 2 de agosto de 2009

Encontros com Jesus

Você já notou quantos encontros com Jesus foram registrados nos Evangelhos? Já parou para pensar em cada um deles? Se o fez, deve ter percebido como foram diferentes entre si.

Deixando de lado, Simeão, Ana, os magos e os doutores que o encontraram ainda infante, o primeiro registro dos Evangelhos é o encontro com João Batista, que o identifica como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Entretanto, o que mais me atrai é pensar naqueles em que, diferentemente de João, as pessoas com quem ele se encontrou não tinham idéia de quem ele realmente era, nem de sua verdadeira missão.

O que falar daquele leproso que o adorando confessou “Senhor, se quiseres, podes purificar-me” e foi curado ao simples toque de sua bendita mão?

Além da doença que lhe afligia não há qualquer informação sobre ele. Mas o gesto do Senhor em tocar num leproso era inusitado. Nenhum Judeu faria isso, pois ficaria impuro para as cerimônias religiosas. Nosso Senhor o fez. Fez por ele e fez por nós. Fez-se impuro pelos seus, que, impuros, não podiam ter acesso ao Pai.

O quase encontro com o centurião de Cafarnaum, que, ao saber que ele viria a sua casa curar seu servo, mandou-lhe dizer não ser digno de receber sua visita; bastava que ordenasse e o servo ficaria bom.

Neste caso as informações não são sobre o Senhor e sim sobre o centurião. O centurião era um soldado romano, portanto um dos líderes da força de ocupação que subjugava Israel, mas era compassivo ao ponto de preocupar-se com seu servo. Era humilde ao ponto de reconhecer sua indignidade. E possuía a maior fé que qualquer um de Israel: isso foi atestado pelo Senhor.

Agora compare o encontro que ele teve com um príncipe, com o encontro que teve com uma adúltera: Nicodemos e a anônima do capítulo oito do Evangelho de João.

Nicodemos evita a pecha popular cobrindo-se com o manto da noite. A mulher é arrastada a sua presença diante de todos flagrada em adultério (mas o homem com quem foi flagrada não é trazido).

Nicodemos inicia a conversa, tentando ocultar sua real dúvida com elogios ao Senhor. A mulher só fala uma frase respondendo a pergunta do Senhor.

Jesus vai direto ao ponto que afligia Nicodemos afirmando que ele precisava “nascer de novo”, e compadecido da mulher demonstra que nenhum dos presentes estava isento de pecado.

Hoje provavelmente trataríamos Nicodemos com a deferência devida a um mestre, e advertiríamos a mulher da necessidade de nascer de novo. Afinal, não dizemos que fulano é bom pai, bom marido, tem excelente reputação, “só falta ser crente”? Não cumulamos de condenação pessoas flagrantemente depravadas?

O Senhor também condenava o pecado. Condenava veementemente. Entretanto, como conhecia o coração, sabia quem era “mais pecador” e a dose de repreensão que cada um poderia suportar. O profeta Isaías declarou que uma de suas características era não desprezar as pequenas qualidades dizendo que ele “não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega” (Is 42.3).

Nicodemos era um mestre em Israel. Tinha a obrigação de conhecer a necessidade de uma regeneração: um novo nascimento. A pobre mulher, humilhada, vilipendiada, por experiência própria - atestada pelo comportamento do Senhor - já sabia que precisava disso, por isso o Senhor apenas ordena “... vai e não peques mais” (Jo 8.11).

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Pai e filhos

Ainda criança, lendo a parábola do filho pródigo, minha atenção se voltava sempre para o pai: Por que ele não tentou dissuadir seu filho? Por que sequer lamenta sua grosseria em pedir sua parte da herança enquanto ele estava vivo?

Nunca foi assim com meus pais, e creio que não é assim com nenhum pai. Todos tentam dissuadir seus filhos de eventuais erros. Mas, por que o pai esboçado pelo Senhor Jesus nesta parábola - que simbolicamente representa o Pai Celeste - é diferente? Será que ele não liga pro que acontece a seus filhos?

* - *

A ênfase que damos ao filho mais moço - ao ponto de emprestarmos seu nome à parábola - desdiz o propósito principal do Senhor Jesus que era ensinar aos filhos mais velhos a receberem com alegria seus irmãos que retornam ao lar.

Entretanto, estude-a com calma e tenho certeza de que você concordará comigo de que o personagem em torno do qual tudo acontece é o Pai.

Agora, observe bem: Jesus esboça dois tipos de filhos e só um pai. Os dois filhos ilustram dois tipos de pecadores e o pai é único, pois é figura de Deus que é um só.

Há pecadores ousados e irreverentes, como o filho mais moço, a ponto de exigir de Deus aquilo que não lhes é de direito. Há pecadores que continuam morando na casa do pai, como o filho mais velho, e, sem coragem de enfrentá-lo, colecionam ressentimentos daquilo que chamam de direitos usurpados.

Há pecadores arrependidos que, caindo em si, voltam para a casa do pai. Há pecadores empedernidos e orgulhosos que não admitem que a casa do pai seja maculada pela presença do outro, mesmo que o outro seja seu irmão.

Há pecadores que reconhecem o erro e seu próprio estado, ainda que para isso tenham sido obrigados a comer comida de porcos. Há pecadores que, sempre desfrutaram da mesa do pai, mas não reconhecem que o ressentimento velado que possuem contra ele, é mais ofensivo do que considerá-lo morto. Entretanto, jamais admitem estar errados.

Há muitos tipos de pecadores, mas um só tipo de Pai.

Por sua própria natureza o Pai está disposto a perdoar o filho que volta. Por sua própria natureza o Pai está disposto a restaurar a filiação abalada pela maior ofensa daquele que o reconhece como pai. Por sua natureza o Pai é que é pródigo. Pródigo em amor. Pródigo em perdão. Pródigo em aceitação.

A única exigência inerente a natureza do Pai é continuar pai. Por isso ele não dissuade o filho que deseja virar-lhe as costas. O filho precisa ter consciência de que, até para virar as costas a seu pai, precisa do que ele dá: força, liberdade, ousadia, e meio de subsistir longe de sua casa.

Há muitos tipos de pecadores, mas há um só Pai. Imaginar que qualquer coisa escolhida como pai transforma-se no verdadeiro Pai é tão insensato quanto imaginar que a comida dos porcos é a mesma coisa que o pão da casa do Pai.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Esboço da vida de Calvino

Há quinhentos anos, precisamente em 10 de julho de 1509, João Calvino nascia na cidadezinha francesa de Noyon.

Seu pai esforçou-se para bem formá-lo esperando vê-lo padre e aos 14 anos foi admitido na Universidade. No Collège de la Marche em Paris fez o curso inicial de latim e no Collège de Montaigu as demais matérias. Formou-se aos 17 anos. Entretanto seu pai determinou-lhe buscar a carreira jurídica e ele foi estudar direito em Orleans, onde doutorou-se aos 21 anos. Nessa época foi alcançado pela graça de Deus.

No prefácio de seu Comentário dos Salmos, ele mesmo resume esse período assim: "Quando eu era ainda menino, meu pai destinou-me ao estudo de Teologia. Mas posteriormente, considerou que a profissão jurídica geralmente promovia seus seguidores à riqueza, ... visto que eu era tão obstinadamente devotado às superstições do papado, Deus,para desembaraçar-me facilmente de tão profundo abismo de lama, por meio de súbita conversão, subjugou e pôs na minha mente ... a disposição para aprender".

Logo começou a organizar seus pensamentos no que seria sua obra maior: Institutas da Religião Cristã, a partir do capítulo que conhecemos hoje: Da vida futura.

Aos 26 anos, passando por Genebra, recebeu a visita de Farel, líder do movimento de Reforma da Igreja de lá, que, após amaldiçoar sua idéia de procurar um lugar tranqüilo em que pudesse dedicar-se aos estudos, o convenceu a ficar em Genebra. Ele mesmo se lembra do acontecido: "Fiquei tão aterrorizado com essa imprecação que desisti da viagem que havia empreendido. Senti como se Deus tivesse lançado sobre mim sua mão poderosa para levar-me preso".

Em Genebra, logo sofreu oposição das autoridades da cidade, que concordavam com a doutrina reformada, mas não a praticavam. Tempos depois refere-se a essa época, em uma carta, dizendo que não passava um dia sem ansiar pela morte, tamanha era a aflição que lhe provocavam.

Negou-se a servir a Santa Ceia a esses chamados libertinos e, com uma manobra política o expulsaram de lá como persona non grata.

Foi viver em Estrasburgo, pastoreando os protestantes refugiados das muitas perseguições de então, onde, apesar de ter uma congregação numerosa, deu continuidade às Institutas e casou-se com Idelete com quem teve um filho prematuro que morreu ainda bebê.

Quase quatro anos depois, a situação em Genebra, tornara-se insustentável e seus inimigos enviaram uma missão pedindo que voltasse. Estavam autorizados a pagar o que ele pedisse, mas ele exigiu apenas que as autoridades submetessem suas vidas e a vida do que estava sob o poder deles à orientação da Palavra de Deus. Foi recebido com boas vindas pelas autoridades de Genebra na cidade vizinha de Versoix.

Entretanto, o ministério de 25 anos em Genebra, apesar de produtivo foi cheio de percalços: sofreu a morte de sua esposa; foi obrigado a restringir a celebração da Santa Ceia a 4 vezes por ano; tomou parte no processo que Levou Servetus à fogueira; e, traído por Villegaignon, viu a expedição ao Brasil ser desfeita e maioria de seus integrantes mortos.

Era de compleição doentia e seus biógrafos falam de mais de 30 enfermidades gástricas e reumáticas. Muitas simultâneas. Como a Igreja era de pedra e não possuía aquecimento, nas épocas de frio ele vestia com diversas roupas e cobria-se com sua beca de formatura. Não demorou muito para que seus muitos alunos, alguns já doutorados pela Sorbonne, passassem a homenageá-lo usando o mesmo tipo de manto.

Seus sermões, quase diários, anotados por seus ouvintes mais cultos, deram origem a Bíblia de Genebra e mais de 800 deles podem ser encontrados na íntegra nos 59 volumes do Corpus Reformatorum.

As anotações do secretário da Igreja e os livros que ele mesmo escreveu geraram os 45 volumes comentando quase todos os livros da Bíblia com exceção de Cantares e Apocalipse, que ele dizia serem profundos demais.

Morreu em 27 de maio de 1564. Seu túmulo pode ser visto no cemitério de Plain Palais ao lado da Cidade Velha em Genebra.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Mais uma conseqüência do Pentecostes

A igreja, na verdade,
tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria,
edificando-se e caminhando no temor do Senhor,
e, no conforto do Espírito Santo,
crescia em número.
At 9.31

Como podemos entender esta declaração? Como a Igreja podia ter paz se enfrentava tantos problemas? Veja quantos problemas (Lucas até alterna problemas internos e externos).

  • Pouco tempo depois de Pentecostes, Pedro e João haviam sido presos e só foram soltos após ameaçados pelo mesmo Sinédrio que havia condenado o Senhor Jesus.
  • Não demorou muito tempo para que Ananias e sua esposa Safira expusessem o maior problema que afligia e sempre afligirá todas as igrejas: mentir ao Espírito Santo!
  • Logo em seguida todos os apóstolos foram presos e açoitados por anunciarem o nome de Jesus.
  • Com o crescimento numérico apareceram os necessitados. Isso os levou à escolha dos primeiros diáconos.
  • Um desses diáconos que foi apedrejado, com o consentimento do fariseu Saulo, foi o estopim para uma grande perseguição que espalhou a Igreja de Jerusalém pelas cidades da Judéia e de Samaria. Enquanto isso Saulo literalmente “assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (At 8.3).
  • Como acontece hoje com os mercadores da fé, Simão, o mago, tentou comprar o poder de conceder o Espírito Santo mediante a imposição de mãos.

Como uma igreja, sujeita a todas essas circunstâncias - e provavelmente outras que não foram relatadas por Lucas - em cerca de 5 ou 6 anos, podia ter paz?

O próprio versículo nos dá a resposta: o conforto do Espírito Santo.

Quando Jesus prometeu o Espírito Santo aos seus discípulos ele o chamou de Consolador (em grego: Paracletos). Agora Lucas se serve da mesma palavra para descrever o que em português lemos “conforto”. Ou seja: A igreja tinha paz, ao ponto de crescer em número, mediante a “paraclesis” do Espírito Santo.

Nossa tradução por “conforto” não é ruim. Talvez a dificuldade de se entender esteja na mudança de significado que esta palavra sofreu.

Hoje, para muito de nós, o significado de conforto está entre aconchego e comodidade. Dizemos que cadeiras, casas e outras coisas, ou situações, são confortáveis, quando elas nos proporcionam sensação de bem-estar. Entretanto o primeiro significado desta palavra deriva do latin “cum+fortius” (com força).

Eles tinham paz mediante a força que o Espírito Santo lhes concedia, ao ponto de, com tantos, e tão grandes problemas, não comprometerem o viver na presença de Deus.

O mesmo Espírito, que os capacitou a falar nos idiomas das nações para as quais iriam, os capacitou também a viver em paz, apesar dos problemas pelos quais passavam.

Mas não esqueça: Essa paz não era desperdiçada. Eles a aproveitavam para edificarem-se caminhando no temor do Senhor e nessa “paraclesis” do Espírito Santo.

Não há melhor descrição dessa paz do que a que, anos depois seria feita por quem antes lutava contra ela: “... a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus (Fp 4.7).

terça-feira, 23 de junho de 2009

Outras conseqüências do Pentecostes

Ao formar o povo da Antiga Aliança Deus seguiu determinada ordem: 1) os libertou do cativeiro egípcio pelo sangue do cordeiro aspergido nos umbrais das casas, 2) em meio a fogo e vento outorgou-lhes, em tábuas de pedra, suas leis, transformando-os em um povo com identidade nacional, 3) conduziu-os pelo deserto até a terra prometida a seus pais, e 4) os assentou nela com ordens expressas de não fazerem contato com nenhum povo vizinho.

Ao formar o povo da Nova Aliança Deus seguiu ordem semelhante: 1) os libertou do cativeiro espiritual mediante o verdadeiro sangue derramado na cruz, 2) em meio a fogo e vento escreveu sua lei no coração de cada um, transformando-os num povo independente de barreiras nacionais 3) e até hoje os conduz por caminhos mais perigosos do que os do deserto, com ordens de contatarem as nações divulgando estes acontecimentos, antes de entrarem na verdadeira terra tipificada pela anterior.

Observe que o esquema é o mesmo, mas cada evento é mais profundo, pois na Antiga Aliança se trabalhava com as sombras do que de fato aconteceria na Nova.

- * -

A Igreja não foi libertada de um cativeiro comum, mas do “império das trevas”, da “potestade de Satanás”, das “forças espirituais do mal”.

Os acontecimentos do Sinai, selados com sangue de cordeiros, repetiram-se no dia de pentecostes (curiosamente, ainda hoje, os judeus, neste dia comemoram a entrega da Lei por Moisés). O vento e o fogo no cenáculo não foram tão terríveis quanto no Sinai, mas estavam lá também. E lá ao contrário do Sinai, eles apontavam para o mundo. O isolacionismo determinado no Sinai, que tinha por objetivo preservar a semente da qual nasceria o Redentor, foi completamente abolido. Isso fica claro quando o novo povo de Deus recebe a capacidade de falarem pelo menos 14 idiomas.

Há muito nas comparações entre o período no deserto e o período em que vivemos. O Apóstolo Paulo, destaca seis semelhanças do que acontece conosco com o que aconteceu no deserto: 1) todos foram batizados, 2) “todos comeram de um só pão” e todos “beberam da mesma fonte espiritual”. Entretanto, Deus não se agradou da maioria deles, pois, como acontece hoje, eles foram: 3) idólatras, 4) imorais, 5) murmuradores e 6) lhe desrespeitaram.

No deserto, pessoas que há quatrocentos anos eram escravos, cujo maior conhecimento tecnológico era fazer tijolos de terra arenosa, foram ordenados a erigir um Tabernáculo, onde o SENHOR seria cultuado, que demandava trabalhos em tecidos, perfumes, pedras preciosas, marcenaria, fundição de metais, desenhos, e outros trabalhos de artífices especializados. O que fazer?

Nesse contexto foi que o Santo Espírito capacitou a Bezalel e a Oliabe a fazerem tudo isso e a ensinar seus auxiliares. Observe a descrição no Livro do Êxodo em seus capítulos 31 a 38.

Na Nova Aliança, não precisam mais de um Tabernáculo, pois Deus fez morada no coração de seu povo, mas possuem necessidades materiais: saúde, socorro financeiro, capacidade de anunciar a Boa Nova a estrangeiros, etc. Quantas eram as necessidades não resolvidas normalmente, tantos eram os dons concedidos pelo Espírito Santo. Semelhantemente ao que fez a Bezalel.

E como aconteceu quando Jesus multiplicou os pães, não houve sementeira nem colheita; muito menos preparo. O Senhor “queimou etapas” e com pães já prontos, fez o que faz todos os dias, quando semeamos a terra: multiplicou o grão em espiga.

À uma multidão de peregrinos, sem recursos para permanecer mais tempo em Jerusalém, ele levantou homens como Barnabé que vendiam tudo o que possuíam e depositavam o valor aos pés dos Apóstolos. Ou credenciou o novo anúncio das grandezas de Deus mediante milagres, inclusive de curas.

E, quando a barreira era a língua, quem trazia as boas notícias era capacitado a falar das grandezas de Deus no idioma de quem deveria ouvi-las.

O Espírito Santo sempre acompanhará seu povo e suprirá suas necessidades. Entretanto não lhe imaginemos ingênuo ao ponto de levar alguém a falar coisas sem sentido a pessoas que usam o mesmo idioma que nós.

“Irmãos, não sejais meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo, sede homens amadurecidos” (1Co 14.20).

sábado, 13 de junho de 2009

Marcas da verdadeira Igreja

Não há dúvidas de que o dia de Pentecostes marcou uma nova era para o Povo de Deus. Alguns chegam a dizer que foi o nascimento da Igreja. Prefiro ver como um novo arranjo; reflexo da nova Aliança, em que as leis de Deus passaram das tábuas ao coração de seu povo, pois Estêvão em seu discurso, falando do êxodo, menciona a Ekklesia (Igreja) peregrinando no deserto (At 7.38).

Esse arranjo gerou novos valores e novas práticas no meio do povo. Algumas dessas práticas lembram o que aconteceu quando a primeira aliança foi firmada com Moisés por mediador. Por exemplo: O despreendimento dos bens materiais lembra muito o acontecido por ocasião da construção do Tabernáculo, em que Moisés mandou que parassem de trazer ofertas, pois já tinham o suficiente.

O som como de um vento impetuoso e o fogo em forma de labaredas (línguas) lembra-nos também os eventos terríveis que ocorreram no Monte Sinai.

Porém, mais importante do que as aparentes semelhanças são as diferenças. Primeiro: não houve sangue, pois o último e verdadeiro sangue - do qual todos os demais eram sombras - já havia sido derramado na cruz. Segundo: houve um sinal claro de que com esse novo arranjo o Povo de Deus deveria atingir as nações (ao contrário do Sinai em que eles deveriam abster-se de qualquer contato com os povos vizinhos): os idiomas.

A fala imediata proporcionada pelo Espírito Santo os capacitou cumprir o que Marcos registrou: “E eles, tendo partido, pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra por meio de sinais, que se seguiam” (Mc 16.20).

De todas essas práticas, algumas perduraram, e perduram até hoje, como marcas distintivas da Igreja. Não os sinais miraculosos iniciais, pois, credenciadores dos eventos que estavam acontecendo, cessaram tanto no Sinai quanto no Cenáculo.

Nem o despreendimento de bens materiais, pois tanto no deserto tal prática cessou ao ponto de terem de receber o Maná das próprias mãos divinas, como também a Igreja Primitiva, de tão despatrimonializada, precisou receber ajuda.

Só por intermédio do Apóstolo Paulo a Igreja de Jerusalém recebeu, pelo menos, duas grandes ofertas levantadas entre as igrejas gentias.

Além das alegorias, como a que o Apóstolo Paulo faz entre o peregrinar no deserto e a vida da Igreja (não deixe de ler 1Co 10), permaneceram três marcas que não se encontram - juntas - em nenhum outro lugar além da Igreja de Cristo: 1) A doutrina dos Apóstolos, 2) a administração correta dos sacramentos e 3) a disciplina.

As duas primeiras estão em At 2.42, onde a doutrina dos apóstolos está explícita. A administração correta dos sacramentos está implícita em “comunhão” (koinonia: paz com os irmãos), “partir do pão” e “orações” (paz com Deus).

A terceira marca, a disciplina, fica explícita em At 5. O caso de Ananias e Safira.

Esta doutrina (as marcas distintivas da Igreja) é de vital importância tanto para as diretrizes de um ecumenismo sadio e bíblico, quanto para qualquer um de nós que chegue a um lugar estranho e procure uma Igreja para cultuar a Deus.

Ao se perguntar: esta é uma igreja de Cristo, ou se degenerou em “sinagoga de Satanás” (Ap 2.9), ou finge ser igreja de Cristo? A resposta está na observação judiciosa desses três pontos:

1º - Essa igreja permanece na doutrina dos apóstolos (tem as Escrituras, de fato, como a única regra de fé e prática), ou também é dirigida por outras fontes de doutrina?

2º - Essa igreja administra fielmente os sacramentos, ou faz deles meios de fomentar a superstição ou engano?

3º - Essa Igreja preocupa-se em viver de acordo com a ética das Escrituras ou a ética do mundo impera em seu meio?

A manutenção dessas marcas depende de nós. Entretanto só podemos fazê-lo mediante a força que o Espírito Santo nos concede.