sábado, 28 de abril de 2012

Redes Sociais

Duas ou três vezes comecei a escrever algo e desisti, pois achei que os textos estavam muito pessoais. Desta vez, cheguei a conclusão que não há outra abordagem possível, pois, de tão novo, não há distanciamento suficiente para se assumir uma posição crítica, e me sinto obrigado a dizer algo ao rebanho que Deus colocou sob meus cuidados ou corro o risco de omissão.

Nunca fui e dificilmente serei um usuário aficionado. Mas tentei acompanhar quatro das maiores redes sociais. Fiz isso por achar que era extensão de minhas obrigações como pastor. Passei momentos gratificantes, fiquei decepcionado com a futilidade de alguns amigos e, sendo bem sincero, passei por momentos maus.

Começando pelos gratificantes: Encontrei pessoas cujo contato já havia perdido há muitos anos. Encontrei fotos de amigos e lugares que jamais encontraria. Recebi, em abundância, informações muito boas.

É uma fonte de atualização excelente tanto de notícias familiares quanto profissionais e culturais. Até agora, não sei (apenas desconfio) o que estimula alguns a compartilhar ou escrever coisas tão bonitas nas redes e não fazer o mesmo através dos e-mails, já que o trabalho é exatamente o mesmo, e possui a vantagem de se poder responder diretamente, ou não, ao remetente sem que ninguém mais veja, ao passo que a rede social é necessariamente intermediária e exibicionista.

Porém, devo falar também da parte má. E tenho de fazer isso com cautela, pois isso não pode ser generalizado. Aliás, que fique bem claro: estou relatando a minha experiência.

Primeiro: O tempo gasto. Eu raramente gastava menos de 3 horas por dia!

Pela manhã, só no FaceBook com menos de 150 amigos, (configurado para que no máximo os amigos de meus amigos lessem o que eu escrevi e apenas meus amigos pudessem me responder) eu gastava entre uma e duas horas lendo o que foi escrito depois de 23h, que era a última vez que eu o olhava na noite anterior.

Dependendo do dia, das polêmicas surgidas e de minha interação, facilmente gastava meia hora antes do almoço, meia hora à tarde e outra antes de dormir.

Um dia li a seguinte frase: “a maior virtude das redes sociais é que ninguém poderá escusar-se diante do Senhor de que não tinha tempo para orar ou ler a Bíblia”. É a mais pura verdade, pois dentro dessas três ou quatro horas diárias, poucas foram as produtivas de fato. Aquela em que percebi que meus conselhos valeram ou em que fui edificado.

Quem reprendi por boca suja continuou escrevendo palavrões e eu o deletei. Uma adolescente, de dócil trato pessoal, me deletou com um palavrão pior dos que falava antes, pelos quais eu a havia exortado.

Poucas vezes li algo edificante além de “hoje Deus vai me abençoar”, ou “Tudo posso naquele que me fortalece”. Na grande maioria das vezes se repetiram os comentários sobre partidas de futebol, ou sobre acontecimentos que a televisão já havia mostrado.

Curiosamente não é difícil agrupar alguns comportamentos característicos:

Os que escrevem o que não se comentaria pessoalmente. Que postam fotos desabonadoras. Que compartilham piadas sujas sem qualquer pejo. Frases que não cabe nas bocas que anunciam o santo Evangelho saem dos teclados. Ainda estou tentando entender a frase: “Êta joguinho ruim! Se eu tivesse ido a igreja tinha ganhado mais”.

Os que postam muitas coisas seguidas. Tive de bloquear uns que todos os dias postavam seis, dez, às vezes, quinze coisas (!) sobre os assuntos mais diversos. Desde receitas de omelete até fotos bobas que eles achavam engraçadas. A impressão que eu tinha é de que eles não viam a hora de compartilhar algo. E eu pensava: onde arranjam tanto tempo (e tanta besteira)?

Os que usam para publicar coisas boas. Tive acesso a diversas bibliotecas e a diversas obras em domínio público. Novamente eu pensava: Como conseguem navegar por tantas partes?

Apesar das coisas boas, cheguei a conclusão que as redes sociais são um meio vil. Contém verdadeiras pérolas, mas perde-se muito em privacidade e em boa imagem dos amigos. Nos encontros físicos os vemos bem vestidos e perfumados. Lá eles se mostram como são na intimidade.

Saí.

Certo dia, após repreender uma de minhas ovelhas por uso de palavrões, um amigo dos amigos dela (que teoricamente não poderia me responder, já que a segurança do site não permite isso) entrou em minha página e postou uma foto pornográfica que não consegui apagar. Copiei-a. Mandei para as autoridades competentes. Para a empresa proprietária do site com uma reclamação. Mandei também para todos os meus amigos com uma explicação do que estava acontecendo e encerrei a conta.

Ganhei 4 horas para estudar, orar e aproveitar a companhia de minha família.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Missões II

Eu já tinha dado este assunto por encerrado e cria piamente ter deixado claro que, como o Senhor Jesus recebeu todo o poder e ordenou a seus discípulos que pregassem o evangelho ao mundo inteiro não havia o que questionar. Pequei. Fui presunçoso.

O mínimo que aconteceu foi uma questão que está no blog, perguntando se há, de fato, diferença entre ter autoridade e ter poder.

Pois bem: ter autoridade não é a mesma coisa que ter poder. As vezes quem detém o poder não é quem tem a autoridade. Pense no caso de um sequestro de um avião ou de um motim. A autoridade foi usurpada por quem tem poder. De pouco adianta um magistrado ter autoridade se não tiver poder para exercê-la.

Recentemente fui hóspede de um que me contou que em uma cidade do interior um juiz de paz viu-se obrigado a dar voz de prisão a um coronel e aconteceu o seguinte diálogo:
- teje preso!
- Num tejo!
- Eu sou autoridade e tô dizendo: teje preso!
- Nun tejo. E quero vê quem é que vai me prender!

Entre o primeiro e o segundo “teje preso” os dois guardas que acompanhavam o juiz já tinham virado a esquina.

Então pra não ter uma ordem contrafeita o juiz deu outra:
- Então fique aí mesmo seu teimoso!

Percebeu? O Juiz tinha autoridade (aliás, nem sei se um juiz de paz tem tal autoridade. Décadas atrás talvez tivesse), mas o coronel tinha o poder de intimidar os guardas.

O Senhor Jesus não apenas tem autoridade como também poder para regenerar o coração daqueles que ele quer. Daquele que são seus. Do mesmo modo que ele chamou Lázaro para fora do túmulo e Lázaro atendeu, ele chama quem está morto em seus delitos e pecados e tal defunto não fica no túmulo.

Ora, defuntos não ouvem, portanto é forçoso admitir que a voz que atingiu os ouvidos de Lázaro é a mesma voz que no princípio de tudo disse “haja luz e houve luz”.

Mas alguns objetam que essa voz não fala hoje. Com a Fé Reformada eu creio que fala sim! Fala através da pregação do autêntico pregador que prega o autêntico evangelho. É a voz de Jesus, que via de regra é rejeitada, como sua própria voz, nos dias de sua carne, foi rejeitada também, ao ponto de ser crucificado. Porém, quando um verdadeiro filho de Deus a escuta... Não é necessário qualquer enfeite (que, aliás, só atrapalham): “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo 10.27-28).

Note bem: A fé arminiana, que deposita no homem a iniciativa de buscar a Deus, acha que Jesus tem a autoridade e o homem tem o poder, pois é o homem que decide se aceita ou não. Eles pregam que é o homem que possui a chave de seu próprio coração.

O evangelicalismo moderno, com o evangelho contextualizado, em que não se deve falar de pecado, ou se deve evitar coisas que pressupostamente quem ouve não compreende - ou a explicação é enfadonha, como sacrifício vicário - não nega a autoridade de Jesus, mas divide o poder: uma pequena parte está no ouvinte, que tem de se decidir, e a maior parte está no modo como o evangelho é apresentado: relevantemente ou não. Aí vale até se vestir de palhaço.

Curiosamente, quando o Espírito Santo tornou os discípulos de Jesus capazes de ir mundo afora e cumprir a ordem que receberam, os dotou apenas com duas coisas: intrepidez e capacidade de falar novos idiomas. Só isso! Lembre-se que naqueles dias o teatro e as seis artes já eram conhecidas!

Pregar o evangelho é apenas falar as grandezas de Deus. Só isso. O Espírito Santo faz o resto.

sábado, 14 de abril de 2012

Missões

Em 1557 Jean de Léry, um sapateiro, membro da Igreja de Genebra, selecionado pelo próprio Calvino, vagando entre os tupinambás, no que hoje é o Estado do Rio de Janeiro, viu horrorizado a tribo que o hospedava devorar seus inimigos que tinham sido mortos em guerra recente. Ele achou melhor ficar dentro da oca e aguardar a manhã seguinte quando livres da ressaca do cauim pudessem ouvir e entender o evangelho.

Tempos atrás em situação semelhante, tentou interromper o festim e um índio lhe ofereceu o pé de um inimigo ainda fumegante. Com medo de que o seu pudesse ser o próximo ele se enrolou na rede e registrou que nunca orou tão fervorosamente, durante o restante daquela noite.

Pela manhã, quando os falou do verdadeiro Deus, ouviu o que segue (Copiado de seu livro: Viagem à Terra do Brasil, escrito poucos anos depois quando retornou à França): “... muitas vezes ouvimos de nossos avós que há muito tempo, já não sei mais quantas luas, um mair como vós, e como vós vestido e barbado, veio a este país e com as mesmas palavras procurou persuadir-nos a obedecer a vosso Deus, porém conforme ouvimos de nossos antepassados, nele não acreditaram. Depois desse veio outro e em sinal de maldição doou-nos o tacape com o qual nos matamos uns aos outros; e há tanto tempo já o usamos que se agora desistíssemos desse costume as outras nações vizinhas zombariam de nós”. [...] “Matutei mais tarde sobre o que me haviam dito acerca do francês que, centenas de anos antes, lhes anunciara o verdadeiro Deus, e imagino que se trate de algum dos apóstolos”.

Léry não estava pensando algo inusitado. Calvino, e a maioria dos Reformadores, ensinava que os Apóstolos foram pelo mundo inteiro. Baseavam seu ensino na Bíblia:

Marcos 16.20: “E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram”. E Colossenses 1.23: “... e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro”.

Ensinava-se então que aquilo que hoje chamamos de “A Grande Comissão” já havia sido cumprida, mas era obrigação de cada crente mantê-la assim.

Defender esse tipo de visão hoje é quase uma afronta. O argumento básico é que pensar assim enfraquece os esforços missionários. Entretanto, uma pesquisa mostrará facilmente que a Igreja em que isso era claramente ensinado - a Igreja de Genebra nos dias de Calvino - chegou a sustentar cento e quarenta e dois missionários, e mandou uma expedição ao recém-descoberto Brasil.

Fazer missões é primariamente uma questão de obediência. Não sei por que estou indo, mas vou, pois meu Senhor mandou.

Fazer missões é também uma questão de fé. Como não conhecemos a qualidade dos terrenos, semeamos em todos, até nas pedras, pois alguma semente cairá em terra boa. Ou, como aconteceu a Paulo em Corinto: “E disse o Senhor, em visão, a Paulo: Não temas, mas fala e não te cales; porque eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (At 18.9-10).

Entretanto, obediência a Deus e Fé, foram trocados por “paixão pelas almas”. Se houver algum tipo de paixão (paixão, significando amar) deve ser paixão pelo Senhor, que fez disso a base para Pedro apascentar seu rebanho: “Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21.17).

Os argumentos em prol de uma contextualização maior da palavra de Deus, ou mesmo de sua apresentação, no fundo acabam, no mínimo, duvidando da capacidade do Espírito Santo aplica-la ao coração dos eleitos ou desobedecendo a ordem simples e direta de Jesus de fazer discípulos dele, não do que se julgue ser uma versão aceitável dele para o mundo moderno.

Surge então nossa falta de fé: Será que vai dar certo? Ora foi o próprio Senhor que mandou. E fez questão de garantir-nos que tinha poder para tanto: “É-me dado todo o poder no céu e na terra” (Mt 28.18 Edição Revista e Corrigida).

Aqui sou obrigado a fazer uma nota, pois há quem garanta que o termo grego (exousia) deve ser traduzido por autoridade e não poder. De fato, a Edição Revista e Atualizada prefere esta tradução nos evangelhos, mas não lhe confere exclusividade.

Em Lc 12.5 ela traduz o mesmo termo por “... tem poder para lançar no inferno”. Em Lc 22.53 refere-se ao “poder das trevas”. E em Lc 23.7 não há outra possibilidade de tradução além de “jurisdição”.

A essa mesma palavra João recorre para dizer que “todos os que o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus”.

Em Atos Ananias manteria poder sobre o terreno e Simão tenta comprar poder de transmitir o Espírito Santo.

Daí em diante, apesar de manter de vez em quando o sentido de autoridade, ou seus derivados como autorização, a polissemia aumenta muito: Em 1Co 8.9 “... esta vossa liberdade não venha...”. Em 1Co 9.6, e correlatos, “...não temos o direito de deixar...”. Em Ef 2.2, Cl 1.16, 2.10 e 1.15: potestade. Em Cl 1.13 e Jd 25: império. Percebeu? A versão Corrigida que usei é tão própria quanto a outra e a preferência por autoridade certamente não decorre da tradução.

Este poder total que Jesus recebeu do Pai está estritamente relacionado com sua ordem aos Apóstolos. Veja integralmente os versículos (ainda na Edição Revista e Corrigida): “E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.” (Mt 28.18-20).

Exatamente por ter todo poder é que ele determina: “Vão e façam discípulos em todas as nações”. Nesse sentido é que os Reformadores entendiam: Nada poderá deter a verdadeira obra missionária.

sábado, 7 de abril de 2012

Isaque

Em discurso feito alguns anos atrás, defendendo a pluralidade de crenças dos EUA, o então presidente de lá usou uma figura muito sugestiva: (cito de memória) “Quem de nós, se visse um pai, semelhante a Abraão - o pai da fé dos cristãos, judeus e muçulmanos - sacrificando seu filho no topo de um prédio, não chamaria a polícia?” E deixou implícito que o velho Abraão seria abatido pelos atiradores de elite.

O filósofo Kierkegaard, no livro Temor e Tremor coloca-se por instantes, na pessoa de Isaque ameaçado por seu pai de cutelo na mão, sobre o altar e escreve: “Então Isaac fremente e com grande angústia, gritou: Deus do Céu? Tem piedade de mim! Deus de Abraão, tem piedade de mim, sê meu pai, porque já não tenho outro na Terra!”.

Essas duas descrições são exemplos claros dos erros mais crassos que se comete quando se lê a Bíblia com os olhos de um homem moderno.

Para nós de hoje Isaque é um personagem meio obscuro, sempre relegado a segundo plano, quando na verdade seu nome sempre é lembrado pelosantigos quando se dirigiam-se verdadeiro Deus: “- Deus de Abraão Isaque e Jacó...”

Alguém já me disse que a natureza de Isaque era muito delicada pra seu gosto, pois a primeira tarefa de sua esposa foi consolá-lo pela perda de sua mãe (Gn 24.64-67) mesmo já tendo quarenta anos de idade (Gn 25.20). Ora esse é mais um exemplo de olhar alguém com olhos modernos.

A Bíblia não esconde que ele repetiu o erro de seu pai fazendo sua esposa fingir ser sua irmã (Gn 26.6-11) e foi enganado por seu filho Jacó (Gn 27), mas em si ele já era um verdadeiro milagre de Deus: 1) Nasceu de um casal de velhos: o pai já tinha cem anos e a mãe noventa, para que ficasse claro que ele era produto do poder de Deus (Rm 4.18-22); 2) Foi poupado da morte pelo próprio Deus que o substituiu por um cordeiro (Gn 22); 3) Gerou dois filhos, após vinte anos de casamento, apenas quando pediu a Deus que curasse a esterilidade de Rebeca (Gn 25.20-21).

Entretanto, nada disso tem importância quando lemos o que o escritor de Hebreus nos diz dele: “... aquele que acolheu alegremente as promessas… (Hb 11.7)”.

Confesso que nunca havia ponderado nessas palavras - como eu gostaria que você fizesse agora - antes que uma de minhas ovelhas, a quem sou grato, chamou minha atenção para elas.

A Bíblia não diz qual era a idade de Isaque quando Abraão o levou ao Monte Moriá. Geralmente imaginamos que ele era adolescente pelo fraseado do capítulo 22 de Gênesis, que se aproxima muito do modo como tratamos (pelo menos do modo que minha geração tratava) um adolescente. Josefo entretanto declara que ele já tinha vinte e cinco anos.

Observe o texto: “Chegaram ao lugar que Deus lhe havia designado; ali edificou Abraão um altar, sobre ele dispôs a lenha, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar, em cima da lenha; e, estendendo a mão, tomou o cutelo para imolar o filho” (Gn 22.9-10).

Adolescente ou jovem de vinte e cinco anos, o texto descreve alguém passivo, que concorda que um velho, com mais de 100 anos, o amarre, o deponha sobre o altar e o imole como era prática comum nas religiões dos povos vizinhos.

Se Isaque já era um tipo (no sentido de ser uma prefiguração) de Cristo por ter nascido do impossível, agora ele ganha maior destaque por aceitar submissamente o destino que o pai lhe reserva. Nesse sentido, é que as palavras “acolheu alegremente as promessas” ganham um significado mais profundo do que apenas o de “herdou a promessa que Deus fez a Abraão”. Ele assumiu as promessas (este é um dos sentidos possíveis para o grego de Hebreus).

Do mesmo modo que Jesus faria anos mais tarde e tomaria a cruz, ele percebeu que o cordeiro daquele sacrifício seria ele mesmo e se deixou amarrar e ser colocado sobre o altar.

Você já reparou que a atitude de Isaque “muda” o nome pelo qual Deus é chamado (eu também não havia notado isso até uma das mais preciosas palestras do Rev. Antony Curto no último Encontro da Fé Reformada)?

Os judeus receberam do próprio Deus o impronunciável IHWH, mas se referiam a ele como Adonai (Senhor), ou El (Deus), El-Shadai (Deus dos Exércitos), etc. Entretanto em dois lugares Deus recebe o nome de “O Temor de Isaque”: Em Gênesis 31.42 e 53.

Isaque temia a Deus sobre todas as coisas. Temeu tanto que se dispôs a receber seu destino das mãos de Abraão seu pai terreno e Deus o recompensou sobremaneira ao ponto de deixar-se ser chamado por algo ligado ao caráter dele.

domingo, 1 de abril de 2012

Novo mandamento vos dou

Pois, quando se muda o sacerdócio,
necessariamente
há também mudança de lei.
Hb 7.12

Houve três períodos sacerdotais distintos na história do povo de Deus. Cada um deles com suas peculiaridades, mas, acima de tudo, com legislação própria.

O primeiro foi o período dos patriarcas. Nele cada patriarca era o sacerdote dos seus. Como exemplos: Noé levantou um altar e ofereceu holocaustos sobre ele (Gn 8.20). Abraão ofereceu sacrifícios por si e pelos seus. Jó levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de seus filhos cada vez que eles faziam “uma rodada” de banquetes temendo que algum deles tivesse blasfemado (literalmente: abençoado) a Deus no coração (Jó 1.5).

E assim procederam, Isaque, Jacó, e quem viveu nessa era, até a época de Moisés, que estabeleceu um novo sacerdócio: O sacerdócio levítico.

Antes de falar sobre o sacerdócio levítico convém lembrar que ainda na época dos patriarcas Abraão encontrou-se com um homem em quem reconheceu sacerdócio superior ao seu. Rendeu-lhe homenagens entregando-lhe a décima parte dos melhores despojos do que havia tomado em guerra recente. Era Melquisedeque (Gn 14.18-20). O Escritor da Carta aos Hebreus nos ensina que Abraão estava diante de alguém que prefigurava Jesus, o verdadeiro Rei de Justiça (esse é o significado do nome Melquisedeque), que recebe os dízimos de sua Igreja. Aliás é bom repararmos também no que ele serve a Abraão: pão e vinho.

Estabelecido o sacerdócio levítico, Moisés normatiza o que já era exigência do sacerdócio anterior e cria uma legislação minuciosa e intrincada.

A normatização atinge basicamente a três coisas:

1. As penas: Devem ser proporcionais a ofensa. A um olho, apenas um olho e a um dente apenas um dente. Continua-se com a pena de morte estabelecida por Deus desde Noé.

2. Os dízimos: Não serão mais pagos a indivíduos e sim recolhidos à casa do tesouro, que atenderá às necessidades.

3. Os sacerdotes: Somente os sacerdotes poderão oferecer holocaustos. Os pais continuam com papel preponderante na educação de seus filhos ao ponto de serem obrigados a denunciá-los à comunidade em caso de insubmissão ou rebeldia.

As novidades introduzidas são tantas que é necessário nos limitar apenas às principais:

1. Introdução do sábado.

2. Divisão do holocausto em mais 5 (ou 6) sacrifícios, compondo um sistema cúltico que caracterizava-se por:

- Ser nacional e realizado em lugar determinado por Deus.

- Ser conforme um ritual minucioso sem lugar para improvisos ou manifestações emotivas (ao contrário das nações ao redor).

- Exigir que seus celebrantes vivam conforme muitos preceitos (613 segundo os judeus) que regulam deste as vestes, o preparo de alimentos, até a construção das casas.

Entretanto, tomando a normatização do que havia e tudo o que foi introduzido, nosso Senhor resumiu, com dois textos escritos pelo próprio Moisés: “Respondeu Jesus: O principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc 12.29-31).

Às vésperas de sua morte, depois de ter lavado os pés de seus discípulos e ter lhes ensinado a lição de que o maior deve ser o que serve. Depois de ter servido a Ceia, inclusive a Judas, que saiu para o trair, o Senhor disse aos onze: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo 13.34).

Chegou um novo sacerdócio e um nova lei se apresenta. Ela não é totalmente nova (neos). Está mais para uma normatização da antiga (kainos). O Senhor está livrando seus discípulos da subjetividade de um coração enganoso. Coração salvo, regenerado, mas enganoso, pois nele ainda habita o pecado.

Explicando melhor. Eu poderia dizer: Amei meu próximo tanto quanto me amo. Entretanto, Jesus mudou o parâmetro de comparação. Agora tudo deve ser comparado com o amor dele: “como eu vos amei”.

Paulo entendeu isso tão bem que escreveu: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou...” (Fp 2.5-7).

Queiramos ou não o mundo destaca esta semana (que deveria ser fonte de grande meditação para todos nós, afinal a maior parte dos evangelhos é dedicada a ela) e a mídia explorará as barbaridades e idolatrias que se repetem todos os anos. Porém, uma palavra deverá falar mais alto em nossos corações: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao nosso próximo como Jesus o amou!