sábado, 7 de abril de 2012

Isaque

Em discurso feito alguns anos atrás, defendendo a pluralidade de crenças dos EUA, o então presidente de lá usou uma figura muito sugestiva: (cito de memória) “Quem de nós, se visse um pai, semelhante a Abraão - o pai da fé dos cristãos, judeus e muçulmanos - sacrificando seu filho no topo de um prédio, não chamaria a polícia?” E deixou implícito que o velho Abraão seria abatido pelos atiradores de elite.

O filósofo Kierkegaard, no livro Temor e Tremor coloca-se por instantes, na pessoa de Isaque ameaçado por seu pai de cutelo na mão, sobre o altar e escreve: “Então Isaac fremente e com grande angústia, gritou: Deus do Céu? Tem piedade de mim! Deus de Abraão, tem piedade de mim, sê meu pai, porque já não tenho outro na Terra!”.

Essas duas descrições são exemplos claros dos erros mais crassos que se comete quando se lê a Bíblia com os olhos de um homem moderno.

Para nós de hoje Isaque é um personagem meio obscuro, sempre relegado a segundo plano, quando na verdade seu nome sempre é lembrado pelosantigos quando se dirigiam-se verdadeiro Deus: “- Deus de Abraão Isaque e Jacó...”

Alguém já me disse que a natureza de Isaque era muito delicada pra seu gosto, pois a primeira tarefa de sua esposa foi consolá-lo pela perda de sua mãe (Gn 24.64-67) mesmo já tendo quarenta anos de idade (Gn 25.20). Ora esse é mais um exemplo de olhar alguém com olhos modernos.

A Bíblia não esconde que ele repetiu o erro de seu pai fazendo sua esposa fingir ser sua irmã (Gn 26.6-11) e foi enganado por seu filho Jacó (Gn 27), mas em si ele já era um verdadeiro milagre de Deus: 1) Nasceu de um casal de velhos: o pai já tinha cem anos e a mãe noventa, para que ficasse claro que ele era produto do poder de Deus (Rm 4.18-22); 2) Foi poupado da morte pelo próprio Deus que o substituiu por um cordeiro (Gn 22); 3) Gerou dois filhos, após vinte anos de casamento, apenas quando pediu a Deus que curasse a esterilidade de Rebeca (Gn 25.20-21).

Entretanto, nada disso tem importância quando lemos o que o escritor de Hebreus nos diz dele: “... aquele que acolheu alegremente as promessas… (Hb 11.7)”.

Confesso que nunca havia ponderado nessas palavras - como eu gostaria que você fizesse agora - antes que uma de minhas ovelhas, a quem sou grato, chamou minha atenção para elas.

A Bíblia não diz qual era a idade de Isaque quando Abraão o levou ao Monte Moriá. Geralmente imaginamos que ele era adolescente pelo fraseado do capítulo 22 de Gênesis, que se aproxima muito do modo como tratamos (pelo menos do modo que minha geração tratava) um adolescente. Josefo entretanto declara que ele já tinha vinte e cinco anos.

Observe o texto: “Chegaram ao lugar que Deus lhe havia designado; ali edificou Abraão um altar, sobre ele dispôs a lenha, amarrou Isaque, seu filho, e o deitou no altar, em cima da lenha; e, estendendo a mão, tomou o cutelo para imolar o filho” (Gn 22.9-10).

Adolescente ou jovem de vinte e cinco anos, o texto descreve alguém passivo, que concorda que um velho, com mais de 100 anos, o amarre, o deponha sobre o altar e o imole como era prática comum nas religiões dos povos vizinhos.

Se Isaque já era um tipo (no sentido de ser uma prefiguração) de Cristo por ter nascido do impossível, agora ele ganha maior destaque por aceitar submissamente o destino que o pai lhe reserva. Nesse sentido, é que as palavras “acolheu alegremente as promessas” ganham um significado mais profundo do que apenas o de “herdou a promessa que Deus fez a Abraão”. Ele assumiu as promessas (este é um dos sentidos possíveis para o grego de Hebreus).

Do mesmo modo que Jesus faria anos mais tarde e tomaria a cruz, ele percebeu que o cordeiro daquele sacrifício seria ele mesmo e se deixou amarrar e ser colocado sobre o altar.

Você já reparou que a atitude de Isaque “muda” o nome pelo qual Deus é chamado (eu também não havia notado isso até uma das mais preciosas palestras do Rev. Antony Curto no último Encontro da Fé Reformada)?

Os judeus receberam do próprio Deus o impronunciável IHWH, mas se referiam a ele como Adonai (Senhor), ou El (Deus), El-Shadai (Deus dos Exércitos), etc. Entretanto em dois lugares Deus recebe o nome de “O Temor de Isaque”: Em Gênesis 31.42 e 53.

Isaque temia a Deus sobre todas as coisas. Temeu tanto que se dispôs a receber seu destino das mãos de Abraão seu pai terreno e Deus o recompensou sobremaneira ao ponto de deixar-se ser chamado por algo ligado ao caráter dele.

2 comentários:

Jean Carlos Serra Freitas disse...

Caríssimo Rev. Folton... saudações. Acabei de ler texto e, de fato, também não tinha atentado para algo tão extraordinário. Obrigado pela instrução. Deus o abençoe.

José Francisco da Silva disse...

Reverendo, faço minhas as palavras do Jean - acima.
Que bom que neste seu artigo as portas de nosso entendimento se abrem para conhecermos mais e melhor esta figura tão singular, este que "acolheu as promessas" tendo o privilégio de ter uma de suas características de união a Deus utilizada pelo próprio Deus em Seu Nome.

Obs. Como moderador, corrija se assim o desejar, o texto de Hb 11:7 para Hb 11:17. Deus o abençoe ainda mais!