sábado, 25 de abril de 2009

Noites e manhãs

Quantas vezes o Senhor Jesus deixou seus discípulos passarem uma noite infrutífera para logo de manhã lhes socorrer? Diversas.

Não foi assim quando ele os compeliu a embarcar após a multiplicação dos pães? Durante a noite inteira remaram apenas 5 a 6 quilômetros, contra o vento e as ondas, mas pouco antes do amanhecer Jesus os alcançou e os levou a bom porto.

Não foi assim quando Pedro, de longe, o via sofrer nas mãos dos sacerdotes, levitas e anciãos? Apenas, após o canto do galo, de madrugada, sob açoites, foi que o Senhor o “visitou” com seu olhar, e o levou ao porto das lágrimas, em que deveria abandonar sua valentia inconseqüente.

Não foi de madrugada que ele apareceu às mulheres que o procuravam no túmulo, após uma noite mais longa do que a noite comum, e capaz de envolver diversas noites com uma escuridão que cobre o sol e a alma?

Agora, muitos dias após sua ressurreição, Jesus estava sendo esperado por seus Apóstolos na Galiléia. Antes de ser preso pelos levitas, ele lhes marcara encontro lá, e os relembrara através das mulheres. Verdadeira noite de espera.

Muito mais aterradora do que a noite que envolveu o sábado, esta se alongou por vários dias e envolveu as almas de todos. Especialmente a alma de Pedro.

“O que será que o Jesus fará comigo?” Deveria pensar Pedro. “Ele lá apareceu às mulheres, à Cleopas - que nem é um dos Doze - e ao outro na estrada de Emaús. Mandou que Madalena me avisasse. Mas só apareceu a mim junto de todos. E nas duas vezes que me apareceu não me falou nada. Já apareceu até à Tomé, e fez questão de lhe mostrar seus ferimentos. Mas, comigo, nem uma palavra”.

“Eu prometi morrer por ele e o neguei. Menti. Praguejei. Jurei! Garanti que não o conhecia. E ele sabia o que eu estava fazendo. Aliás, sabia antes que eu o fizesse”.

O Salmo deve ter ressoado aos ouvidos de Pedro: “Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda”.

A angústia era enorme. Muito maior do que a angústia que ele sentiu naquela noite em que, com os outros, remara contra o mar encapelado. Agora ele estava só, e não sabia o que esperar de seu Senhor que tanto advertira sobre vigiar e que tantas vezes o corrigira.

“Vou pescar”. Disse então.

Estas duas palavras revelavam seu íntimo. Era como se ele dissesse: “Não agüento mais. Desisto”. Parece que os demais estavam angustiados também, pois foram com ele.

Era início de primavera e os dias ainda estavam frios. As noites mais frias ainda. E uma noite em um barco era gelada. Mas o esforço para afastar aquela angústia fazia com que Pedro trabalhasse mais. A ponto de, suado, tirar suas roupas.

Por alguns instantes experimentou os velhos sentimentos de liberdade que tinha antes de conhecer a Jesus: voltara a fazer o que sempre fizera sem depender das ordens de ninguém. Despreocupara-se da vida. Talvez percebesse que a noite passava sem qualquer pescado, mas, pelo menos, passava. Era melhor do que ficar remoendo as lembranças.

Aquela noite, que envolvia os dias, condensava-se em uma noite de trabalho infrutífero tão óbvio quanto remar contra as ondas. Mas nem mesmo ele percebia.

A claridade já mostrava a praia e nela um vulto. No silêncio, ouviram a ordem de jogar as redes do lado direito do barco. De repente aquilo que não conseguiram durante toda uma noite afanosa ameaçava romper as redes.

Quem fora chamado a ser pescador de homens não poderia mais resolver sua vida pescando peixes.

Pedro se vestiu. Era o Senhor.

Certamente lhe veio a mente o que acontecera dois anos e meio antes, quando, no mesmo lago, após uma noite de pesca infrutífera, dois barcos quase afundaram com tantos peixes após o Senhor mandar que jogassem a rede. Naquela ocasião, “prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador”. Mas Jesus respondeu: “Não temas; doravante serás pescador de homens”.

O Senhor, que tinha todo direito de repreendê-los - especialmente a Pedro - os recebeu com pães e peixes, prontos para ser comidos, como acontecera nas duas multiplicações, e os serviu como fizera na ceia.

A vez de Pedro havia chegado.

Sua repreensão foi a mais dura. Como sua negação fora tríplice seu amor foi questionado três vezes e depois de cada questionamento sua missão, dada há dois anos e meio lhe era relembrada: “apascenta minhas ovelhas”. Era como se Jesus lhe dissesse: não se ocupe de nada mais além de fazer o que eu estou mandando.

Na primeira ocasião em que, prostrado aos pés do Senhor, ele confessou-se indigno recebeu a missão de pescar homens. Agora confessando que o sabedor de todas as coisas - até daquilo que ainda não foi dito - sabia também o quanto era amado por ele, recebeu a missão de alimentar seu rebanho.

A noite chegou ao fim. A manhã, brilhante sobre o Mar da Galiléia era pálida diante da que brilhava no coração de Pedro.

Manhãs assim sempre brilham e sempre brilharão sobre aqueles a quem o Senhor chamou.

domingo, 19 de abril de 2009

Jesus apareceu ressurreto apenas a alguns

Depois que o Senhor Jesus ressuscitou apareceu a muitas pessoas mais ou menos na seguinte ordem: a Maria Madalena, a outras mulheres, a dois discípulos no caminho de Emaús, a Pedro, a dez apóstolos escondidos, aos dez e Tomé (no domingo seguinte), a sete discípulos que estavam pescando, a onze apóstolos, a mais de quinhentos discípulos, a Tiago (seu meio irmão), aos onze apóstolos por ocasião da ascensão e a Paulo (alguns anos depois).

O próprio Paulo resume assim: “... e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo” (1Co 15.4-8).

A Tomé o Senhor precisou apresentar provas de que “era ele mesmo”, mas não o deixou sem uma repreensão. Diferentemente, Lucas, médico, vários anos mais tarde, ficou tão impressionado com os relatos da ressurreição do Senhor que escreveu: “... depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis” (At 1.3).

Mas, por que o Senhor Jesus não apareceu a todos?

Quanto escuto alguém dizer que o cristianismo baseia-se em lendas, contos, ou relatos desvirtuados, ou que a existência de Jesus não passa de uma ficção, eu me lembro disso: ele apareceu apenas a alguns!

Explico: se tudo isso fosse uma história inventada, o final esperado seria Jesus aparecendo a todos, indistintamente, punindo os que tinham obrigação de zelar por seus interesses e em vez disso o condenaram à morte. Não é assim que terminam as histórias em cujo gênero literário querem encaixar as Sagradas Escrituras?

Replicam, entretanto, que, como apenas alguns o viram depois da ressurreição, é de se suspeitar da narrativa. Mas, como suspeitar de homens que mantiveram tal testemunho “inacreditável” mesmo ameaçados de morte?

Voltemos à pergunta: Por que Jesus não apareceu a todos?

Lucas nos dá a melhor resposta: “A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas destas coisas. Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.44-49).

Em síntese: Os novos filhos de Abraão não nascem “do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Nascem da fé. Que outro processo haveria de gerar estes novos descendente senão “a loucura da pregação”?

Crer, no que não se viu, disse Jesus a Tomé, é bem-aventurança. E, para garantir que apenas os que “crêem em seu nome” respondam a uma mensagem tão inusitada, o Senhor Jesus houve por bem divulgar sua ressurreição - sua vitória sobre a morte e nossa paz com Deus - através das testemunhas que ele selecionou.

Assim o Evangelho é pregado conforme sua natureza: “Escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.23).

O anúncio do evangelho decorre desse fato: Jesus só apareceu àqueles a quem enviou! E, por conseqüência, essa é uma das marcas dos falsos apóstolos: anunciar a verdade calcados em mentiras dizendo terem visto o Senhor.

Daqueles a quem ele apareceu, chegou a nós o santo evangelho. A esses ouvimos. E, em nós, manifestou-se a verdadeira fé. Fé que não depende de nada além do poder de Deus. Fé que subsiste a despeito de tudo.

Bendito instrumento que gera os novos - os verdadeiros - filhos de Abraão.

domingo, 12 de abril de 2009

O valor do Senhor Jesus

Assim como Judas passou a história com sinônimo de traidor, 30 moedas de prata também passaram a história como preço da traição. Mas o que isso significa financeiramente? É muito dinheiro? Sabemos pouco. Porém há alguns indícios que podem nos dar uma idéia.

Parece que esse era o preço de um escravo no Antigo Testamento: “Se o boi chifrar um escravo ou uma escrava, dar-se-ão trinta siclos (Shekels) de prata ao senhor destes” (Ex 21.32). Naqueles dias o siclo era equivalente a umas 10 gramas. Hoje o grama de prata está cotado em cerca de 55 Reais (valorizado pela crise que vivemos). Portanto: 30 siclos de 10 gramas vezes 55 Reais: 16.500 Reais.

Mateus fala deste valor com desdém: “Então, se cumpriu o que foi dito por intermédio do profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço em que foi estimado aquele a quem alguns dos filhos de Israel avaliaram; e as deram pelo campo do oleiro, assim como me ordenou o Senhor” (Mt 27.9-10).

Na época do Novo Testamento o siclo já não era usado e Judas recebeu “moedas de prata”. Cada uma era equivalente a uma Tetradracma (4 dracmas). Uma dracma (unidade monetária básica dos gregos) valia geralmente tanto quanto um denário. Portanto, trinta moedas de prata valiam o mesmo que 120 denários.

Grosso modo, poderíamos dizer que 1 denário seria o que pagamos hoje por dia a um faxineiro ou a um servente de pedreiro. Algo como 50 Reais. Portanto: 6.000 Reais.

Chegamos então a um valor que oscila entre 16 e 6 mil Reais. Sou mais propenso ao valor menor para os dias de Jesus, pois é natural que os metais preciosos baixem de preço em tanto tempo.

Curiosamente o seguro obrigatório (DPVAT) de hoje, indeniza um óbito com 10.300 Reais: valor médio entre os dois.

Não estou tentando dizer que uma quantia maior justifica a vida de alguém, muito menos a de nosso Senhor, apenas tentando mostrar a mesquinhez do ato de Judas. Especialmente porque Mateus e Marcos contam que na quarta-feira, à noite, em uma ceia na casa de Lázaro, uma mulher derramou sobre a cabeça do Senhor Jesus o equivalente a 300 denários de perfume.

Um denário (unidade monetária básica dos romanos, de onde vem nossa palavra dinheiro) era uma moeda romana também cunhada em prata, e não estaríamos muito errados se disséssemos que o perfume derramado sobre o Senhor custou o equivalente a 15.000 Reais.

O que o Apóstolo do Senhor lucrou com sua traição foi menos do que a mulher gastou apenas para perfumar o Senhor.

Tomando o relato de João, como paralelo, tenho a impressão de que quando Jesus saiu em defesa da mulher, que estava sendo criticada pelo desperdício, Judas sentiu-se “desautorizado publicamente” pelo Senhor.

João esclarece que Judas não estava pensando nos pobres, como declarou quando criticou o desperdício, mas que era ladrão. Faz sentido então ele sair daquele ambiente com raiva procurando vingar-se vendendo o Senhor que lhe criticara.

Que contrastes! Um Apóstolo e uma anônima. Uma traição vil e uma demonstração de amor abnegado. Um que lucra à custa do Senhor e a outra que derrama sobre ele o que tinha de mais precioso.

Não salta aos nossos olhos o quanto esta situação repete-se em nossos dias? Acaso não vemos tantos gananciosos traindo o Senhor e sua mensagem para os quais Jesus vale apenas o que podem lucrar com ele?

Graça a Deus! Ainda há alguns como aquela mulher - que onde o evangelho for pregado seu gesto será lembrado - que lhe entregam tudo o que possuem - até a própria vida - pois para eles o Senhor Jesus vale mais do tudo.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A estrada e o templo de Jerusalém

As diversas estradas que davam em Jerusalém se encontravam em determinado ponto depois do qual se avistava a cidade do outro lado do vale.

Desse lugar, ao vê-la, o Senhor lamentou seus erros e seu destino: Era a Jerusalém que apedrejava os profetas e que perseguiam os que Deus lhe enviara.

Por essa mesma estrada, trilhada diariamente por anônimos, no tempo dos reis, os exércitos de Israel, montados ou não, voltavam para casa depois da guerra. E por essa mesma estrada exércitos estrangeiros, invadiram Jerusalém e puseram contra ela tranqueiras e emboscadas.

Cheia de peregrinos, às vésperas de cada festa religiosa, essa estrada testemunhou a aflição com que a mãe do Senhor procurava entre seus parentes e outros peregrinos, seu filho de doze anos que permanecera no templo na primeira discussão que tivera com sábios de lá.

Bendita estrada em que a simples alegria de ser convidado à casa do Senhor transbordava em cânticos de louvor e a certeza de que nosso socorro vem do senhor que fez o céu a terra.

Agora ela testemunha uma multidão – segundo João, a mesma que testemunhara a ressurreição de Lázaro – recebendo Jesus, montado sobre um animal de carga.

Embora não usasse montarias esplêndidas, como os reis que retornavam triunfantes da batalha, o Senhor foi recebido com a mesma frase que eles eram recebidos: Bendito o que vem em nome do Senhor!

Mas Jesus não está vindo a Jerusalém para ressuscitar outros lázaros, ou para inaugurar uma nova ordem política, muito menos para revoltar a grande quantidade de peregrinos contra os invasores romanos. Seu primeiro ato foi investigar o local de culto. O local onde ele, a verdadeira vítima, seria oferecida no verdadeiro culto do qual todos os demais foram antítipos sombrios.

E, ao examinar este local consagrado a Deus, o amigo de publicanos e pecadores, tornou-se inimigo feroz dos que tiravam proveito daquele santo lugar e o transformaram em “covil de salteadores”.

Essa inimizade foi acirrada à medida que a semana passou e a conspiração que já havia começado há tempos atrás ganhou consistência. Materializou-se na cruz.

E irônico observar como ir à Casa de Deus, fazer a vontade de Deus, trouxe conseqüências terríveis. Porém, é mais assustador, quando observamos que isto se repete hoje, pois, como naqueles dias, a Casa de Deus é cada vez mais usada para propósitos particulares.

Disse o salmista: “Vi os infiéis e senti desgosto, porque não guardam a tua palavra” (Sl 119.158). Não é isso que sentimos, depois de trilhar a longa estrada que nos leva a Casa de Deus, e encontramos nela qualquer coisa menos a Palavra de Deus?

Sirva esta semana de ênfase para nossas meditações sobre o caminho que trilhamos até chegarmos, como Igreja, à Casa do Senhor. Sirva também, para nos questionar: Como Jesus se sentiria no local que consagramos a, em seu nome, louvarmos ao Pai?