sábado, 22 de setembro de 2007

O papel dos porcos na vida de oração

Enquanto olhava os porcos comendo aquelas vagens sem sabor ele se lembrava de quando podia comer os pratos mais saborosos acompanhado das melhores companhias que o dinheiro podia atrair ou comprar.

A fome sentida era tão intensa que as alfarrobas pareciam apetitosas, ou pelo menos a voracidade com que os porcos as comiam dava essa impressão. Mas ele não podia come-las também. O patrão pagava muito por uma porção delas.
Provavelmente a algazarra do chiqueiro lhe tenha lembrado a algazarra que os servos de seu pai faziam no galpão em que ele raramente ia.

- Que qu’eu to fazendo aqui? Na casa de meu pai até os servos tem pão com fartura e eu aqui não posso comer a comida dos porcos? Vou-me embora! Vou pedir perdão a meu pai e me vender como escravo. Pelo menos a fome eu mato.

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Geralmente, como desculpa, ouço argumentos assim: “Se Deus sabe de todas as coisas para que orar?”

Adianta muito pouco dizer: oramos porque Deus nos manda orar e pronto. Embora isso seja verdade, essa resposta nos priva de uma grande lição sobre Deus e sobre nós mesmos.

Você já parou para pensar por que razão o pai deixou seu filho sair de casa? Está lembrado? Não há sequer uma tentativa de dissuadi-lo. O filho pede sua parte na herança e, sem discutir, o pai reparte seus bens. O filho transforma tudo em dinheiro e vai para uma terra distante e o pai permaneceu calado.

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Pelo caminho de volta o filho vem ensaiando a desculpa que daria ao pai. Tinha de ser boa. Precisava prometer algo que pudesse cumprir, pois o que ele havia feito era o mesmo que considerar morto seu pai.

A distância era tão grande que ele teve tempo de preparar mais do que uma desculpa. Ele preparou uma súplica: Pequei. Não sou digno. Aceita-me como um escravo.
Se o pai não o tivesse deixado na situação de desejar comer a comida dos porcos, ele jamais faria essa oração.

Essa oração demonstra que ele aprendeu a se conhecer. Nela ele confessa que havia afrontado o pai, que havia se tornado indigno de ser seu filho e que valia menos do que um escravo.

Essa oração demonstra também que ele aprendeu a conhecer o pai, pois apesar de tê-lo afrontado ele sabia que seu pai era misericordioso. Misericordioso até com os escravos.

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O maior beneficiado com nossas orações não é Deus. Ele não precisa nem gosta de bajulação. E ao contrário do que esses doidos de plantão afirmam, ele não está carente e sequer precisa de elogios.

Nós mesmos somos os maiores beneficiados com nossas próprias orações. Uma oração sincera é produto de um coração aberto. Uma oração verdadeira só é dita por quem conhece seu próprio estado e ao mesmo tempo confia na misericórdia de Deus: o pai.

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Resta-nos pensar: “será que Deus terá de permitir que eu, na minha insensatez, chegue a situação de desejar a comida dos chiqueiros para então aprender a orar”?

Não seja esse nosso destino.

sábado, 15 de setembro de 2007

No vale da sombra da morte

Ao referir-se ao vale da sombra da morte, Davi poderia estar falando de um lugar qualquer, famoso por sua periculosidade. Há quem pense que ele falava da estrada que liga Jerusalém a Jericó.

Conhecida como "Ladeira do Sangue", essa estrada era um caminho sinuoso e íngreme, que descia 1200 metros em apenas 27 quilômetros, com muitos vales estreitos de cujos lados, em cavernas escavadas, malfeitores espreitavam e emboscavam os viajantes. Foi o cenário que o Senhor usou na Parábola do Bom Samaritano.

Hoje, distante do deserto da Judéia, o vale da sombra da morte pode representar nossas aflições mais graves. Quantas vezes já passamos por esse vale ou vimos um de nossos queridos passar? Tantas vezes quantas a morte nos fez sombra.

Ao nos aproximamos desse vale, nosso primeiro sentimento ainda continua sendo o medo. Porém a visão do cajado - com que o Bom Pastor nos puxa para junto de si - e a visão de seu bordão - com que ele coloca os agressores em fuga - nos acalma.

No vale da sombra da morte é que aprendemos de fato a conhecer o Bom Pastor e o que ele pode fazer. Ele nunca fica longe de nós. Mas, apenas o terror que aquele lugar nos infunde, faz com que sintamos mais vividamente sua presença protetora. Dificilmente poderíamos dizer "não temerei mal algum, porque tu estás comigo" se já não tivéssemos alguma vez em nossa vida passado por esse vale.

O vale da sombra da morte fica antes dos pastos verdes e das águas tranqüilas às quais o Bom Pastor nos leva. Ele até poderia usar outro caminho, mas o que passa por esse vale terrível faz com que valorizemos mais o destino a que somos levados.

O vale da sombra da morte torna a maior bênção que uma ovelha recebe do Bom Pastor se, como Jó, ao sair dele, ela possa dizer: “...meus olhos agora te vêem”. E, tenha certeza: o vale da sombra da morte é uma passagem obrigatória para toda ovelha do Bom Pastor. Às vezes, a passos curtos, ele nos parece longo. Às vezes o vencemos correndo. Porém, dificilmente passamos por ele apenas uma vez. Ele é o caminho rotineiro dos que precisam aprender a permanecer bem juntos do Bom Pastor.

Não nos assustemos com o vale da sombra da morte se estivermos nele agora. Ao contrário, extraiamos dele todos as lições possíveis - mesmo que fiquemos exaustos - pois, ao sairmos, encontraremos refrigério para nossas almas e uma mesa posta.

sábado, 8 de setembro de 2007

Simplicidade

Caim estava abatido. O texto bíblico diz que suas feições estavam deformadas: caídas. Afinal ele tinha se esforçado: Havia preparado o terreno. Plantara. Cuidara. Colhera. Separara e levara as primícias de seu suor. Mas sua oferta fora rejeitada! Por quê?

Por que a de seu irmão foi aceita. Ele pouco fez. Sequer teve o trabalho de carregá-la!

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Naamã estava furioso. Havia retirado seus exércitos de Israel devido a um acordo vantajoso para a Síria e agora voltava humilde, guiado pela informação de uma menina escrava, esperando ser curado de sua lepra. Trouxera consigo uma carta de seu rei endereçada ao rei de Israel, 350 quilos de prata, 700 quilos de ouro, 10 roupas de festa e Eliseu sequer o recebeu. Enviou um mensageiro dizendo que se banhasse no Jordão.

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Esses dois exemplos bíblicos, de muitos que poderiam ser dados, ilustram bem um sentimento comum a todos os homens: só valorizamos o que nos custa.

Pouco nos adianta hoje o ajuntamento de 2 ou 3 – ao qual o Senhor garantiu estar presente – pois nossa atenção estará sempre no ajuntamento de 3 mil.

Não nos interessa mais a oração feita no silêncio. Ela será melhor e “mais poderosa” se for feita aos berros, de preferência amplificada por enormes caixas de som.

Não nos interessa mais a oração simples. Ela terá de ser repetida, se possível muitas vezes – como elos de uma corrente – formando uma versão evangélica da novena romana. Melhor se for feita em uma língua que ninguém entenda – nem mesmo quem a falar – e melhor ainda se for muito comprida.

Não nos interessa mais as ordens claras do Senhor: “quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” Mt 6.6-7.

Não nos interessa mais a prescrição de sua Palavra: “Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras. Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias” Ec 5.1-3.

Correntes, línguas, repetições, gritaria ... o que mais? Rolar no chão? Já é feito há muito tempo!

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Em sua fúria Naamã ameaçou voltar leproso para casa. Seus oficiais então lhe perguntaram: se fosse algo mais difícil o senhor não faria?

Acho que é isso. Agora só nos interessamos pelo o que é difícil.

Agora o que nos interessa são reuniões muito programadas. As vigílias e os jejuns. Os votos embaraçadores. A espoliação dos bens e estelionato disfarçado de piedade.

O abandonar-se nos braços do Pai, como criança nos braços de sua mãe, a confiança, apenas e tão somente, em quem ouve as orações agora consideramos pouca coisa.

É como se precisássemos dar uma ajudinha a Deus, e atrair sua presença às nossas reuniões ou despertar seu interesse em ouvir nossas orações.

Já vi orações serem comparadas a flechas, que quanto mais se estica o arco mais ela sobe, e, portanto quanto maior for o fervor com que a oração for feita maior será sua eficácia diante de Deus.

“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” Mt 6.7.

Que Deus tenha misericórdia de nós!

sábado, 1 de setembro de 2007

A Aliança e a família

Sobre mesa estava um cordeiro inteiro, assado no espeto. Uma cesta de pães asmos, uma travessa com ervas amargas, uma tigela com água salgada, outra com uma espécie de geléia de frutas e alguns cálices de vinho.

Ao redor da mesa a família esperava que a criança mais nova perguntasse o que era aquilo, pois sua pergunta iniciaria um ritual familiar em que a recordação do que celebravam era tão importante quanto a confraternização em si.

Era a celebração da Páscoa.

Feita a pergunta, a mãe tirava tudo o que estava sobre a mesa, e o pai - sem a comida para distrair as atenções - passava a contar a história do povo Judeu de modo que a criança que perguntou pudesse entender.

Textos como o de Êxodo 13 ou de Deuteronômio 26 e alguns salmos, inspiraram tal rito, que visava cumprir a promessa cantada no Salmo 78:3-4: "O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a nossos filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas que fez".

Depois de contada a história - ainda que resumidamente, mas sem esconder nenhum erro cometido pelos antepassados, e sem deixar de mostrar o quanto o Senhor tinha sido misericordioso com seu povo - as comidas eram trazidas de volta.

Com a água salgada relembravam as lágrimas derramadas no Egito e com as ervas amargas, a vida difícil e amarga que levavam lá. A geléia, quase líquida, relembrava a dificuldade da principal ocupação deles: fazer tijolos de uma terra arenosa. E os pães asmos relembravam a pressa com que saíram de lá sem tempo de esperar a fermentação a massa.

Entre uma comida e outra o vinho deveria lembrar que, daquelas dificuldades, o SENHOR os livrou. E, a cada cálice, orações de gratidão eram elevadas a Deus.

Por fim, o cordeiro mostrava que foram salvos porque uma vítima sem culpa ficou no lugar deles.

Eu nunca conseguiria, por mais que tentasse, exagerar a importância dessa celebração familiar para o povo de Deus. A família estava reunida relembrando o que Deus fez por eles desde seus antepassados. Isso os vinculava a muitas gerações anteriores: os vinculava a Moisés. Aliás, uma das frases que o pai deveria usar era: "... o SENHOR me fez, quando saí do Egito" (Ex 13.8).

Desse rito elaborado o Senhor Jesus separou o pão e o vinho e instituiu a Santa Ceia, com valor sacramental, para que a família maior - a Igreja - fosse obrigada a relembrar o passado, em sua morte, mantivesse a esperança do futuro até sua volta.

Deveríamos fazer rememorações semelhantes em nossas famílias menores. E, com esse mesmo sentimento, nossos filhos deveriam ser lembrados de seus antepassados e do que Deus lhes fez.

Porém, se já não recordamos mais do que Deus fez a nossos avós ou a nossos pais, e, até mesmo, o que ele nos fez há 10 anos atrás, como ensinaremos a nossos filhos os privilégios que eles têm como filhos da aliança?

Não é de admirar que seu ponto de referência seja o futuro. Um futuro incerto e mutável. Tão mutável quanto a moda ou as tecnologias que hoje nascem e amanhã desaparecem.

É natural esperar da geração vindoura um passo a frente da nossa. Sempre foi assim. Se dissermos que a aliança que temos com Deus é importante, mas não ligarmos para as conseqüências de desrespeitá-la, acaso nossos filhos a respeitarão também?

Uma refeição comum. Entretanto, recheada de memórias do que o SENHOR fez, e coberta por promessas daquilo que ele fará.

Não precisa ter o valor sacramental - aliás não deve pois isto é prerrogativa da refeição que tomamos na Igreja - mas precisa ser feita.

Por amor a nossas famílias precisa ser feita.