Sobre mesa estava um cordeiro inteiro, assado no espeto. Uma cesta de pães asmos, uma travessa com ervas amargas, uma tigela com água salgada, outra com uma espécie de geléia de frutas e alguns cálices de vinho.
Ao redor da mesa a família esperava que a criança mais nova perguntasse o que era aquilo, pois sua pergunta iniciaria um ritual familiar em que a recordação do que celebravam era tão importante quanto a confraternização em si.
Era a celebração da Páscoa.
Feita a pergunta, a mãe tirava tudo o que estava sobre a mesa, e o pai - sem a comida para distrair as atenções - passava a contar a história do povo Judeu de modo que a criança que perguntou pudesse entender.
Textos como o de Êxodo 13 ou de Deuteronômio 26 e alguns salmos, inspiraram tal rito, que visava cumprir a promessa cantada no Salmo 78:3-4: "O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a nossos filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas que fez".
Depois de contada a história - ainda que resumidamente, mas sem esconder nenhum erro cometido pelos antepassados, e sem deixar de mostrar o quanto o Senhor tinha sido misericordioso com seu povo - as comidas eram trazidas de volta.
Com a água salgada relembravam as lágrimas derramadas no Egito e com as ervas amargas, a vida difícil e amarga que levavam lá. A geléia, quase líquida, relembrava a dificuldade da principal ocupação deles: fazer tijolos de uma terra arenosa. E os pães asmos relembravam a pressa com que saíram de lá sem tempo de esperar a fermentação a massa.
Entre uma comida e outra o vinho deveria lembrar que, daquelas dificuldades, o SENHOR os livrou. E, a cada cálice, orações de gratidão eram elevadas a Deus.
Por fim, o cordeiro mostrava que foram salvos porque uma vítima sem culpa ficou no lugar deles.
Eu nunca conseguiria, por mais que tentasse, exagerar a importância dessa celebração familiar para o povo de Deus. A família estava reunida relembrando o que Deus fez por eles desde seus antepassados. Isso os vinculava a muitas gerações anteriores: os vinculava a Moisés. Aliás, uma das frases que o pai deveria usar era: "... o SENHOR me fez, quando saí do Egito" (Ex 13.8).
Desse rito elaborado o Senhor Jesus separou o pão e o vinho e instituiu a Santa Ceia, com valor sacramental, para que a família maior - a Igreja - fosse obrigada a relembrar o passado, em sua morte, mantivesse a esperança do futuro até sua volta.
Deveríamos fazer rememorações semelhantes em nossas famílias menores. E, com esse mesmo sentimento, nossos filhos deveriam ser lembrados de seus antepassados e do que Deus lhes fez.
Porém, se já não recordamos mais do que Deus fez a nossos avós ou a nossos pais, e, até mesmo, o que ele nos fez há 10 anos atrás, como ensinaremos a nossos filhos os privilégios que eles têm como filhos da aliança?
Não é de admirar que seu ponto de referência seja o futuro. Um futuro incerto e mutável. Tão mutável quanto a moda ou as tecnologias que hoje nascem e amanhã desaparecem.
É natural esperar da geração vindoura um passo a frente da nossa. Sempre foi assim. Se dissermos que a aliança que temos com Deus é importante, mas não ligarmos para as conseqüências de desrespeitá-la, acaso nossos filhos a respeitarão também?
Uma refeição comum. Entretanto, recheada de memórias do que o SENHOR fez, e coberta por promessas daquilo que ele fará.
Não precisa ter o valor sacramental - aliás não deve pois isto é prerrogativa da refeição que tomamos na Igreja - mas precisa ser feita.
Por amor a nossas famílias precisa ser feita.
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