sábado, 28 de junho de 2008

Tempos de refrigério

O clima ameno das últimas semanas trouxe noites frescas o suficiente para se tirar o cobertor do armário.

Em noites assim o sono parece ser mais profundo e o silêncio “mais audível”. Depois das dez é possível escutar o barulho das corredeiras, e, de madrugada, os trabalhadores que passam na rua, encolhidos pela aragem fria, não fazem algazarra, sequer falam alto. Dá pra dormir até as sete horas.

Um dia desses, curtindo o frio da manhã, me lembrei das palavras de Pedro em seu sermão do dia de Pentecostes: “vos sobrevenham tempos de refrigério”.

O que será que entenderam com essa promessa de Pedro?

Para um povo em que a vida no deserto era conhecida ao ponto de terem como esperança textos como “nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum” (Ap 7.16), certamente a palavra refrigério tinha muito a dizer.

Essa mesma palavra é usada pelo salmista ao descrever os cuidados do Bom Pastor. Veja: “Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma” (Sl 23.2-3).

Há outros textos em que a palavra refrigério não aparece, mas a idéia está presente, seja em promessa seja na esperança de dias melhores.

Aliás, você já reparou quantas vezes a palavra “sombra”, cujo sentido é muito semelhante, aparece como figura da proteção divina? Não é às sombras das asas do Senhor que nos escondemos e que o próprio Jesus queria agasalhar Jerusalém?

Lembro-me de uma vez em que atravessei a ponte com o sol a pino - ao chegar perto dos correios vi que o termômetro marcava quarenta e seis graus - como a ponte pareceu comprida! Pareceu bem maior do que de fato é. Era apenas desconforto físico, mas foi terrível. Imaginei então o ardor que atinge a alma sem Deus. É muito pior. A tais pessoas é que Pedro promete “tempos de refrigério”.

Não sei que tipo de refrigério é o mais ansiado por sua alma. Entretanto posso garantir que só o Bom Pastor pode lhe dar.

Mas não o procure com o interesse. Nenhum de nós se agrada de alguém que nos procura visando satisfazer um interesse. A tais pessoas costumamos chamar de interesseiros. Por que seria diferente a reação do Senhor?

Sei que ele é rico em misericórdia, mas isso não é desculpa para tratá-lo pior do que você trata a seu igual.

Procure-o por ele mesmo.

“Agrade-se dele e ele satisfará os desejos de seu coração”.

terça-feira, 24 de junho de 2008

No leito

No leito, enquanto dormimos, recebemos bênçãos superiores as que eventualmente viríamos a conseguir levantando-nos de madrugada, dormindo tarde e comendo o pão que penosamente granjearmos.

No leito “consultando o travesseiro” e, meditando na Palavra do Senhor, aguçamos nossa consciência, fortalecemos nossas convicções e nosso coração nos ensina.

No leito somos objetos da graça e misericórdia de Deus, que muitas vezes nos devolve a saúde, ou “afofa-nos a cama” quando é sua vontade que permaneçamos nela.

No leito sem mácula honramos o amor conjugal pactuado em nossos corações, a exemplo do bendito pacto eterno através do qual somos do Amado de nossas almas e Ele é nosso.

Mas, no leito também “nadamos nossas lágrimas e alagamos nosso pranto” ao perceber o quanto os perversos se multiplicam e o mal se alastra ao ponto de atingir aquilo que de mais precioso tentamos preservar.

Ainda no leito deprecamos nossa situação e, ao fazer o balanço do nosso dia, e, o encontrando em falta, recorremos ao único de quem podemos dizer “em paz me deito e logo pego no sono, pois tu SENHOR me fazes repousar tranqüilo”.

No leito os pecadores não encontram descanso de suas preocupações. E, mesmo dormindo, o que lhes vem é a obsessão em construir “novos celeiros” e garantir à própria alma: “tens muito em depósito: come, bebe e regala-te”.

No leito os perversos maquinam perversidade. Abjurando o discernimento e a prática do bem, estudam como podem atingir o justo e como podem ser mais eficientes em fazer o mal.

No leito os ímpios repousam o corpo e afadigam a alma. Pois sabem que se aproximam céleres do último leito reservado ao corpo - fechado escuro e frio - enquanto a alma, por leito, terá calor e trevas; choro e ranger de dentes.

No leito os escarnecedores maculam o pouco do bem que ainda poderiam conservar e, cobertos de nódoas, o que fazem “o só referir é vergonha”.

O leito pode ser lugar de bênçãos e de maldições. Mas certamente é lugar de teste. Lugar muito propício a nos conhecermos melhor.

domingo, 15 de junho de 2008

Ser ou não ser?

As Escrituras Sagradas fazem diversas referências a crianças com muitos significados diferentes. Algumas vezes fala de crianças mesmo, outras vezes elas são metáforas de muitas coisas.

Veja que simbologia rica.

Quando Jesus falou a respeito da salvação usou uma criança como modelo dos que são salvos e disse: “... se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mt 18.3).

Diferentemente, através do profeta Isaías, Deus ameaça seu povo com governantes infantis: “Porque eis que o Senhor, o SENHOR dos Exércitos, tira de Jerusalém e de Judá o sustento e o apoio. Todo sustento de pão e todo sustento de água, e [todo] o valente, o guerreiro e o juiz; o profeta, o adivinho e o ancião; o capitão de cinqüenta, o respeitável, o conselheiro, o hábil entre os artífices e o encantador perito. Dar-lhes-ei meninos por príncipes, e crianças governarão sobre eles. Entre o povo, oprimem uns aos outros, cada um, ao seu próximo; o menino se atreverá contra o ancião, e o vil, contra o nobre.” (Is 3.1-5).

E tais símbolos não param por aí. Pedro fala das crianças recém nascidas, como um modelo a ser imitado no desejar do genuíno leite espiritual. Como se dissesse: do modo como as crianças anseiam pelo leite da mãe, assim devemos ansiar pela Palavra de Deus.

O Escritor de Hebreus nos ensina que nosso desejo deve ser deixar de lado a infantilidade, que é alimentada de leite, e não consegue entender além dos rudimentos da fé – como imposição de mão e ensino de batismos – e prosseguir em direção a vida adulta dependente de alimento sólido e que “pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal” (Hb 5.14).

Ao censurar a igreja de Corinto pelo mal uso dos dons espirituais Paulo diz: “... não sejais meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo, sede homens amadurecidos” (1Co 14.20).

Há muitos outros ensinos. Mas finalmente, a respeito da missão dos oficiais doados por Cristo à sua Igreja, o mesmo Apóstolo disse que a principal tarefa deles é promover o crescimento do povo de Deus: “... para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4.14).

Há quem diga - e só menciono aqui por ter ouvido recentemente - que este tema só prova que a mensagem de Jesus é diferente da mensagem dos profetas e de seus apóstolos (que representam a igreja institucionalizada). Nada mais tolo - ou ficando dentro do mesmo campo semântico: nada mais pueril.

O que nosso Senhor e Mestre destacou como a virtude infantil que deve ser imitada é a mesma que Paulo destaca: a ausência de malícia. Lembre-se de que Jesus a destaca depois de ver seus apóstolos - os mesmos que deveriam ir pelo mundo afora como seus embaixadores - discutindo quem era, dentre eles, o maior. Isso é o que devemos evitar.

Nesse tipo de pensamento e comportamento devemos ser como crianças, pois quem não é já está atestando não ser filho do Reino de Deus, onde ninguém age assim.

Entretanto no juízo, no exame da Palavra de Deus, na ética cotidiana, no trabalho da Igreja devemos ser homens amadurecidos.

Hoje elegemos oficiais em nossa Igreja. Que o compromisso de todos seja com o amadurecimento contínuo do Rebanho aqui congregado e uma luta constante para afastar essas infantilidades - para não dizer absurdos - que rodeiam o povo de Deus e tanto causam descrédito a fé cristã.

Seja o desejo e o alvo de todos nós.

domingo, 8 de junho de 2008

“Vós não sois assim”

Algumas palavras de nosso Senhor e Mestre devem ressoar mais fortes aos nossos ouvidos nesses dias em que nos preparamos para eleger oficiais em nossa Igreja. Certamente a frase título deste artigo é uma delas.

Lucas nos informa que eles haviam acabado de participar da Santa Ceia quando começaram “uma discussão sobre qual deles parecia ser o maior”. Repreendendo-os, o Senhor lhes determinou como deviam ser.

Lembre-se de que nesta ocasião o Senhor lavou os pés de cada um, e lhes ordenou que fizessem uns aos outros o que ele havia acabado de fazer-lhes.

Sua repreensão inclui uma análise das relações sociais, na qual mostra a nossa conhecida “pirâmide social” em cujo topo estão os que exercem autoridade e poder e na base os que são conduzidos: “Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores” (Lc 22.25).

E então os instruiu.

Na organização de Jesus a “pirâmide social” está invertida: os que lideram e os maiores estão na base. É como uma família, onde o pai que a lidera é exatamente o que mais tem responsabilidades de serviço, e sobre a qual ela repousa.

Essa figura - a da família - orientará todos os textos do Novo Testamento sobre escolha de oficiais para a Igreja. Na verdade a família será o principal local de prova em que o candidato a oficial da Igreja deve ser examinado. Examinando-o como vive em família a Igreja deve atestar diante de Deus que vê nele as qualidades determinadas para ser um dos líderes, que a conduzirá à “pastos verdes e águas tranqüilas”.

Em que outro lugar poderemos saber se ele é esposo de uma só mulher, hospitaleiro, que governa bem sua própria casa, que cria seus filhos sob disciplina, etc., senão em sua família? Então, olhando para a família do candidato a oficial, teremos as informações necessárias para qualificá-lo conforme as determinações de nosso Senhor e Mestre e discernir se deve ser escolhido ou não oficial na Igreja do Senhor.

Estamos a uma semana do dia em que escolheremos 1 presbítero e 5 diáconos para nossa Igreja. É, portanto, a hora em que - volto a afirmar - essas palavras devem ressoar com mais força em nossos ouvidos, ao ponto de entendermos que, na Igreja, um bom Pai de Família preenche mais os critérios estabelecidos pelo dono dela, do que o melhor empresário, o melhor intelectual ou o mais rico e poderoso dos homens.

domingo, 1 de junho de 2008

A quem tem lhe será dado ...

Em poucas semanas os alimentos ficaram mais caros. Um gráfico noticiado mostrava que o arroz, tão corriqueiro em nossas mesas, se considerado internacionalmente, teve um grande aumento de preço. No relatório “The Rice problem” a FAO fala de mais de 100% de aumento.

Porém, mais interessante é a explicação dada pelas principais autoridades mundiais no assunto - a FAO inclusive: Os mais pobres estão comendo mais! E, quando a procura por um produto é maior do que sua oferta, é esperado que seu preço aumente.

Fico perplexo: será que em poucas semanas a quantidade de pobres que antes não comia - arroz, por exemplo - cresceu tanto assim? E, se cresceu, e passaram a comer mais arroz, o que comiam antes? Ou será que em pouco tempo nasceu tanta gente assim e já comendo arroz?

Que explicação canhestra, para não dizer perversa! Aquilo que finalmente podem comprar fica mais caro justamente porque mais pessoas podem comprar.

Tenho maior impressão de falta de alimentos do que de excesso de pessoas. E como aconteceu em pouco tempo desconfio mais da especulação do que de outra coisa.

Lembro-me o que aconteceu quando Israel voltava do cativeiro na Babilônia. Tão bem repreendido pelo profeta: “Ouçam, vocês que pisam os pobres e arruinam os necessitados da terra, dizendo: Quando acabará a lua nova para que vendamos o cereal? E quando terminará o sábado para que comercializemos o trigo, diminuindo a medida, aumentando o preço, enganando com balanças desonestas e comprando o pobre com prata e o necessitado por um par de sandálias, vendendo até palha com o trigo?” (Amós 8.4-6 - NVI).

Lembro-me também, assustado, das palavras de nosso Senhor e Mestre: “...ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”.

Estas palavras foram repetidas por ele em dois contextos e em ocasiões diferentes.

Contexto profético - Quando ele contou a Parábola das Minas/Talentos (Mt 25.14-30 e Lc 19.11-27), ensinando que quanto mais somos fiéis na administração daquilo que a nós é confiado por Deus, tanto mais ele colocará sob nossa administração.

Contexto de ensino - Quando ele contou a Parábola da Candeia (Lc 8.16-18), exortando seus ouvintes a serem atentos ao verdadeiro sentido de suas palavras. Ressalto a figura notável: “vede como ouvis”, e seu paralelo mais enfático em Marcos 5.21-25 “com a medida que tiverdes medido vos medirão também, e ainda se vos acrescentará”.

Essas palavras (a quem tem ser-lhe-á dado) sempre me pareceram a mais terrível das profecias feitas pelo Senhor.

Acaso não sabemos pela experiência que quanto mais posses uma pessoa tem, mas fácil é conseguir outras? Algum banco empresta dinheiro a quem não tem condições de pagá-lo? Parece que nessas poucas palavras o Senhor esboçou profeticamente o que chamamos de capitalismo.

Igualmente, não percebemos desde os primeiros anos de escola, que quando sabemos bem um determinado assunto torna-se mais fácil de aprender o assunto seguinte? Parece também que nas mesmas palavras está resumido o que sabemos sobre acúmulo do conhecimento e competência pessoal.

Porém, de repente, diante de nossos olhos, elas ganham novo sentido e mostram as disparidades alimentares do mundo.

A Bíblia fala de fome no passado. Lembre-se de José no Egito. Mas Jesus também fala dela como “sinal dos tempos”. E a pluraliza: “fomes” (Mt 24.7 e Mc 13.8).

No Passado, a fome atingia predominantemente o povo como um todo (como ainda acontece hoje nos países mais pobres e mais explorados, que, de certo modo, ainda vivem naqueles tempos). Se não fosse a providência divina usar José, todos os habitantes do Egito - ricos e pobres - passariam fome. Hoje parece que a fome também foi globalizada, pois com o aumento de preços dos alimentos, apenas uma classe social - em todos os países - será afetada: os pobres.

Cumprir-se-á então um aspecto terrível da profecia do Senhor, conforme o registro de Lucas 8.18: “... e ao que não tiver, até aquilo que julga ter lhe será tirado”.

Então o que devemos fazer? Ou, o que podemos fazer? Nosso próprio bom senso e as Escrituras nos alertam contra a especulação. Que esse não seja nosso modo de ganhar nosso pão.

Somos, também ordenados a discernir os tempos. Para tanto as palavras do Senhor são atualíssimas: “haverá fomes e terremotos em vários lugares; porém tudo isto é o princípio das dores. ... levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo. E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim” (Mt 24.7-14).