sábado, 30 de setembro de 2006

Professar a Fé

Hoje teremos o prazer de ouvir a Profissão de Fé de diversos irmãos com idades variadas.

A Profissão de Fé é a confirmação feita por quem cresceu na Igreja, e foi batizado ainda criança na fé de seus pais, de possuir a mesma fé na qual foi dedicado à Deus. É, também, para esses e para os que a graça de Deus alcançou já adultos, a oportunidade de dizer publicamente que são discípulos do Senhor Jesus Cristo.

Provavelmente, não haja outra ocasião mais propícia a alguém começar a subjugar seu “eu”. Explico.

Quando nos dispomos a estudar algo, seja nos primeiros graus, no terceiro ou em alguma pós-graduação, não nos arrogamos conhecer o assunto. Nos sujeitamos a professores ou orientadores, que exercem autoridade sobre nós.

Não há vergonha alguma em pedir a tais pessoas que nos ensinem algo, como não há vergonha alguma pedir ajuda a um colega, que teve mais facilidade de assimilar um determinado assunto. Curiosamente, não é assim que acontece na Igreja.

Mesmo aqueles que já se declararam simples alunos do Mestre Jesus através da Profissão de Fé, muitas vezes envergonham-se de perguntar a quem, pela experiência ou pela formação, conhece melhor as Sagradas Letras e não são poucas as vezes que até os afrontam.

Quando a Reforma Protestante do Século 16, estabeleceu como um de seus alicerces o livre exame das Escrituras Sagradas, não pretendia, de forma alguma, criar um rebanho de mestres, mas de discípulos. Discípulos, que, com liberdade de acesso às Sagradas Escrituras, procurassem, humildes, o significado delas e de como elas podem e devem ser aplicadas à suas vidas. Ou seja: O livre exame das Escrituras pressupõe humildade em relação ao que é examinado.

Os irmãos que fazem hoje suas Públicas Profissões de Fé, não estão se garantindo contra o pecado - aliás, é até provável que, uma vez confessado a todos o nome do Senhor como seu Mestre, passem a ser mais odiados como o mundo odiou a quem confessam – nem estão fazendo qualquer ato mágico que lhes garanta prosperidade ou coisas afins. Estão apenas declarando publicamente que são discípulos do Senhor Jesus e, confessando publicamente, recebem a promessa dele de confessar seus nomes diante do Pai e dos santos anjos.

Aprendamos com esses irmãos que querem aprender e oremos por eles e por nós mesmos para que sejamos aprendizes humildes das verdades do Senhor até que ele venha e possamos conhecer como também somos conhecidos.

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Tempero do mundo*

Quando o Senhor Jesus quis identificar os súditos de seu Reino chamou-os de sal e luz: "vós sois o sal da terra", "vós sois a luz do mundo".

A respeito da luz lembrou-nos que colocamos as lâmpadas em locais destacados e não debaixo dos móveis, e que é impossível esconder uma cidade edificada sobre um monte. Já a respeito do sal seu destaque foi o sabor.

Certamente todos já ouvimos muitas considerações sobre essas duas metáforas: O sal preserva, realça o sabor, e alguns chegam até a dizer que "dá sede de se beber da água da vida". Sobre luz, já ouvimos que além de dissipar a escuridão, ela dissipa medos e facilita a compreensão.

Porém a melhor compreensão das palavras de nosso Senhor e Mestre ocorre quando juntamos a duas metáforas que, por serem tão diferentes, só possuem um ponto em comum: falam de coisas que influenciam sem serem influenciadas. Nem o sal toma o sabor daquilo que salga, nem a luz é afetada pela escuridão. O Mestre está dizendo que os súditos de seu Reino influenciam aquilo com que têm contato sem serem influenciados.

Pois bem: partindo dessa premissa, a quantidade dos que hoje se declaram súditos do Reino, mas na realidade são influenciados pelo que deveriam influenciar, é enorme.

Recentemente a imprensa divulgou um caso que tenho por exemplar: um parlamentar evangélico, está sendo acusado de usar um carro emprestado por mais de um ano para transportar os integrantes de uma banda musical gospel chamada "Tempero do mundo". O tal empréstimo está sob investigação como parte do "escândalo das sanguessugas", em que outros carros (ambulâncias) eram superfaturadas.

Não deixa de ser uma grande ironia: o nome da banda não é sal, é tempero!

Verdadeira paixão dos portugueses, as especiarias usadas como tempero, não apenas por amor à boa mesa, mas principalmente para tornar saborosos os alimentos já em estado de deterioração - em uma época em que não se dispunha de refrigeração artificial - impulsionaram as navegações do século 16, e, até hoje, habitam profusamente nossos pratos.

Salvo melhor juízo, a banda gospel além de colocar em evidência a bondade e o "interesse evangelístico" do parlamentar, julgando pelo nome, parece que visava também tornar o mundo mais temperado e saboroso, como cheiro verde, coentro, açafrão, ketchup, mostarda (...) deixam mais saborosos (?) o que se come.

Quem deveria sentir o mundo mais saboroso? Dificilmente seria Deus, uma vez que ele mesmo declara que "o mundo jaz no maligno". Provavelmente seja alguém que, alimentando-se do mundo, pensa agradar a Deus, ou, ainda, alguém que precise da aprovação do mundo, como um cozinheiro que tempera bem seus pratos precisa da aprovação de seus fregueses.

Resumindo: Quem é que está influenciando quem? A qual reino o "temperador" está servindo?

Irmãos, é fundamental entendermos isso para não sermos levados "como meninos, pela astúcia daqueles que induzem ao erro". O mundo não se tempera: influencia-se. Se não pudermos influenciá-lo, ele fará isso conosco e perderemos nosso sabor. Então se cumprirá: "se o sal perder o sabor, para nada mais presta, senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens".

Deus nos livre de tal sina.

*Agradeço a idéia do Anamim e os dados da Ana na confecção deste artigo.

sábado, 16 de setembro de 2006

Semeadores Cegos

Neste fim de semana nossa Igreja está promovendo uma série de Conferências sobre a ação missionária.

Apesar da Igreja, desde seus primeiros dias, ter entendido que tinha de obedecer a ordem do Senhor e “fazer discípulos de todas as nações”, não foram poucas as vezes em que ela se desviou desse alvo ou que o executou de forma errada.

Logo nos primeiros séculos, amparada pelo Imperador Constantino, que a tornou Religião oficial do Estado, ela entendeu que todos os súditos dele deveriam converter-se ao cristianismo também. Foram todos batizados então.

É óbvio que tal pratica fortaleceu a idéia de que basta ser batizado para tornar-se cristão. Ou seja: o batismo, em si, tem o poder regenerador (em teologia se diz que o sacramento, no caso o batismo, age por si independente de quem o recebe: ex opere operato).

Esta prática prevaleceu à medida que o Império Romano sobreviveu pelos séculos.

Com a descoberta de novas terras no século 16, juntamente com os desbravadores, vieram também clérigos a fim de batizar a força, tornando cristãos, os selvagens das terras descobertas: as Américas.

Os colonizadores portugueses ainda tiveram um pouco de cuidado na catequese e ensinaram alguns “princípios cristãos básicos” que logo se misturaram com as crenças animistas dos indígenas brasileiros. Os espanhóis, mais rígidos, exterminaram povos inteiros quando os achavam resistentes à fé cristã.

Com esse resumo, que certamente carece de menos generalização e de mais detalhamento histórico, quero mostrar um erro que prevalece hoje especialmente nos meios evangélicos.
Acaso podemos considerar cristãos aqueles que, coagidos pela espada, receberam o batismo?

Como então consideramos cristãos aqueles que, coagidos por uma bela peça retórica ou por um show espetacular, acabam aceitando o batismo, mas, como maus discípulos, rejeitam a pureza dos ensinos do Mestre e os misturam com suas próprias crenças? Acaso não lhes serviria a advertência bíblica: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão”.

Não estou me esquecendo do meio cultural em que o Evangelho se expressa, porém alerto para o modo como este meio é usado: como espada para “conversões”, ou como joio para desvirtuar do bom trigo do Senhor.

“Missionar” é jogar a semente. E o Senhor Jesus é claro: a semente é a Palavra. Somos semeadores cegos, que, como aquele da parábola, joga a semente em pedras, em caminhos ou em espinheiros. Mas, exatamente por não vermos o coração de ninguém, é que jogamos em todos. Afinal, sabemos que algumas cairão em terra boa. Estas frutificarão.

Não nos foi dada a missão de converter ninguém, mas de anunciar a boa notícia: Deus proveu solução para os descendentes de Adão: o novo Adão.

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Púlpito deitado

Já haviam me falado dele, mas o conheci aposentado. Aposentou-se e dedicou-se a “plantar” igrejas. De vez em quando vinha passar uns dias com a família e sentava-se nos últimos bancos da Igreja que eu pastoreava. Não demorou muito para que nosso conhecimento se estreitasse em amizade e para que eu o convidasse a expor a Palavra de Deus.

Como era bom ouvi-lo! Os solecismos impostos pela gramática da vida, não eram barreira à exposição do Evangelho. Uma verdadeira correnteza de textos bíblicos ligados com propriedade, beleza e acerto deixavam suas palavras mais doces e mais fortes. Memória prodigiosa: as citações vinham sempre acompanhadas do assunto certo.

Me lembrava muito meu pai, só que era baixo e atarracado, mas tinha um sorriso fácil e palavras suaves. Atendia pelo nome de Fortunato. E apesar de já ter sido ordenado todos o conheciam como Seu Fortunato.

Era viúvo, pai de uma família bonita. Avô amoroso, mas firme. Respeitado por todos. À medida que os anos se sucediam ele vinha, cada vem mais, à capital buscando tratamentos para os males próprios da idade agravados por uma aposentadoria distante dos aposentos.

Conversávamos sobre amigos comuns, textos bíblicos, experiências do pastorado: alegrias, tristezas e cicatrizes.

Finalmente as doenças o retiveram em casa. Depois na cama. Seus filhos se rodiziavam nos cuidados. Uma vez, depois de duas semanas sem vê-lo, ele me disse: “hoje tenho certeza de que não verei mais minha Igreja. Recebi de Deus meu último púlpito: esta cama”.

Até hoje não sei se minhas lágrimas eram de dor ou de alegria. Daquele púlpito deitado ele falou a muitos. Foi amável com alguns e duro com outros. Especialmente duro com os pastores que estavam levando o Rebanho do Senhor para águas turvas e pastos secos.

Depois de alguns meses seu púlpito foi relocado para um hospital. Finalmente o enviado de Deus que aos poucos lhe tirava a lucidez, o levou. Levou sem impedir uma bênção sobre cada querido e um sorriso para mim. Sorriso significador, pois dois ou três dias antes ele havia se despedido de mim com a frase: “nos encontraremos na mesa do Senhor. Espero que ele me dê a honra de lhe apresentar Abraão, Isaque e Jacó, já que eu os conhecerei primeiro”.

Se o céu já era desejado, no ano de 1999 ficou mais.

Hoje sei que não é a aposentadoria nem a doença, nem o hospital, nem qualquer outra coisa que impede o filho de Deus de anunciar seu Evangelho, de elogiar os bons, de repreender os maus e de sentir alegria em meio a dores.

sábado, 2 de setembro de 2006

Mãos

Uma das figuras que a Bíblia usa com mais freqüência é a das mãos. Não são poucos os lugares em que as Sagradas Escrituras falam delas. Surpreendentemente, as usa não só em relação aos homens mas principalmente a Deus.

Em muitos lugares se diz que foi a mão do Senhor que deu forma a todas as coisas, e a todas fez com destreza. Moisés repete muitas vezes que Deus livrou seu povo com mão forte e com mão forte também o protegeu e os disciplinou no deserto. E não foram poucos os que se dispuseram a cumprir uma ordem do Senhor se sua mão estivesse com eles.

O salmista diz que a mão do Senhor o guiaria mesmo que ele, tomando as asas da alvorada, procurasse afastar-se de sua presença. O profeta garante que a mão de Deus não está encolhida de modo que não possa abençoar. E o próprio Senhor promete a seu povo os tomar pela mão.
Não bastasse tantas afirmações, feitas em uma linguagem tão simples, usando uma figura mais simples ainda, que até mesmo os mais simples entenderiam, o próprio Senhor, encarnado, usa concretamente as mãos a que se referira de modo figurado.

Com elas abençoou. Com elas teceu um chicote e limpou a casa do Pai. Com elas lavou os pés de seus alunos. E, enquanto por elas era traspassado, perdoou-nos mostrando-nos que não sabíamos o que estávamos fazendo ao pregá-las no madeiro.

Não duvide! Eu e você e todos os seus eleitos, estávamos lá pregando suas benditas mãos, através de mãos iníquas, tão pecadoras quanto as nossas.

Com suas mãos furadas instou a Tomé que cresse, e o advertiu que mais bem-aventurados seriam os que não precisariam desse testemunho terrível.

Finalmente somos informados que haveremos de reconhecê-lo por suas cicatrizes: certamente as das mãos serão uma delas.

Como precisamos desta bendita certeza.

De suas santas mãos recebemos tudo: desde o pão de cada dia até o consolo de que carecemos nas aflições. De suas santas mãos recebemos os sinais que nos orientam a fazer sua vontade.
“Como os olhos dos servos estão fitos nas mãos de seu senhor e os olhos das servas nas mãos de sua senhora, os nossos permanecem fitos nas mãos de nosso Deus”. Delas esperamos bênção. Delas esperamos orientação. Nelas nos abandonamos e sabemos que se ele deixou que elas fossem traspassadas por nós, elas não nos afligirão sem necessidade ou razão.

Mas nunca esqueçamos de que, por vezes, somos nós suas mãos. Algumas vezes, através de nós suas mãos alcançam nosso irmão necessitado ou se levantam contra o erro.

Nunca “abafemos” seu Espírito e estaremos consagrando nossas vidas, como instrumentos dóceis de execução de sua vontade: como se fôssemos verdadeiramente suas próprias mãos.