sábado, 22 de fevereiro de 2014

Fizestes distinção entre vós mesmos

Embora as opiniões a esse respeito não sejam unânimes eu prefiro datar a Carta de Tiago como tendo sido escrita nos primeiros anos da Igreja, logo depois da perseguição que veio após a morte de Estêvão: mais especificamente no ano 45. Situando-a nos primeiros dias fica mais fácil entender por que ele chama uma igreja local de sinagoga (Tg 2.2). Situando-a neste período também fica fácil de entender que ele a destinou aos perseguidos que se espalharam a partir de Jerusalém: “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se encontram na Dispersão, saudações” (Tg 1.1).

O Tiago que a escreve identifica-se com “servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Acho que é o mesmo Tiago lembrado por Pedro ainda de madrugada quando se viu livre da prisão (At 12.17). Esse Tiago era um dos mais destacados líderes da Igreja de Jerusalém ao ponto de Judas, em sua carta, identificar-se simplesmente como seu irmão (Jd 1). Foi ele quem apresentou o parecer acolhido pelo Concílio de Jerusalém (At 15.13) e dele Paulo declara que era tido como uma das colunas daquela Igreja (Gl 2.9).

No Novo Testamento encontramos quatro pessoas chamadas Tiago: o pai do apóstolo Judas (Lc 6.16 e At 1.13), o filho de Zebedeu, irmão de João (que foi morto pouco tempo antes dessa perseguição); o apóstolo que era filho de Alfeu; e este, que era um dos irmãos de Jesus, também filho de Maria e José (Mc 6.3) e foi chamado pelo Senhor após sua ressurreição (1Co 15.7).

O objetivo da Carta de Tiago é confirmar a fé (palavra repetida 15 vezes) de seus leitores, que, como já disse, passavam por provações. Certamente essas provações eram decorrência da perseguição que estavam sofrendo.

Sua primeira preocupação é mostrar que a provação deve ser recebida como uma oportunidade dada por Deus para nos tornar mais perseverantes. E, com este objetivo em mente, ele passa a discorrer sobre diversos assuntos presentes em tempos de dificuldades: a prática de boas obras, a oração, a fala, os planos futuros, etc.

Entretanto, o que selecionei como destaque foi a discriminação decorrente da posse de bens. Veja a hipótese proposta por Tiago: “Se, portanto, entrar na vossa sinagoga algum homem com anéis de ouro nos dedos, em trajos de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso, e tratardes com deferência o que tem os trajos de luxo e lhe disserdes: Tu, assenta-te aqui em lugar de honra; e disserdes ao pobre: Tu, fica ali em pé ou assenta-te aqui abaixo do estrado dos meus pés, não fizestes distinção entre vós mesmos e não vos tornastes juízes tomados de perversos pensamentos?” (Tg 2.2-4).

Tiago nos mostra que já nos primeiros dias da Igreja havia pobres e ricos entre seus membros e dificuldades de convivência entre eles. Aliás, isso também pode ser visto no pecado do casal Ananias e Safira, em que desejavam ser reconhecidos como desprendidos dos bens materiais e ao mesmo tempo mantê-los.

O ensino bíblico sobre riquezas sempre foi que Deus é o dono de tudo e nós somos seus administradores. Os que chamamos de ricos, na realidade são apenas administradores de mais bens e com mais contas a prestar. Portanto, tratar alguém que tem mais (apenas por ter mais), em detrimento de alguém que tem menos (apenas por ter menos), destinando-lhe o chão como assento, significa cometer, pelo menos, 3 pecados:

1º - Glorificar-se a si mesmo assumindo o papel de juiz da importância alheia.

2º - Julgar alguém pelo que ele tem! Não pelo que ele é. Deus, através de sua palavra, nos exorta continuamente a sermos juízes sobre a essência e, desprezando o mal, acolhermos o bem. Somos constantemente proibidos de julgar pela aparência.

3º - Fazer distinções no Corpo de Cristo. Ou, como diz o próprio Tiago: “fazer distinções entre vós mesmos” (2.4). Cristo morreu por cada membro de sua Igreja. Ao privilegiarmos um em detrimento de outro, pecamos.

A Carta de Tiago é um testemunho de que esse pecado sempre existiu na Igreja, mas também é uma exortação a que não o cometamos. Não ofendemos apenas a nosso irmão pobre, menosprezando-o por ele ter poucos bens sob sua guarda, pecamos também contra o rico destacando-lhe em função de algo que não lhe pertence. Porem principalmente ofendemos muito mais a Deus, que fez igual a todos e trata igualmente a quem diferençamos.

Não façamos isso.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Quando olho para os teus céus...

Quando Davi escreveu esta frase o que se via dos céus era pouco mais do que podemos ver hoje à olho nu. Pouco mais, pois os céus de então eram mais claros. Quero dizer: a atmosfera era menos poluída e a luz mais ofuscante era uma fogueira.

Muitos anos antes de Davi, desde o tempo dos patriarcas, os céus já eram observados. Em resposta a pergunta de Jó (9.9), o SENHOR lhe questiona sobre as constelações (especificamente a do Sete-estrelo e a de Órion (Jó 38.31). E, séculos mais tarde, sua palavra através de seu profeta Amós, exorta um povo idólatra buscar, não as constelações, mas o Criador delas (Am 5.8).

O mesmo Amós (5.25-27) nos informa que, apesar dos grandes milagres e certamente da ameaça constante de juízo, durante os quarenta anos de peregrinação pelo deserto, os céus os fascinava tanto que fizeram o “deus-estrela”. Estêvão lança isso na cara dos religiosos Judeus aferrados ao templo de Jerusalém (At 7.41-43).

Na Babilônia não podia ser diferente. Os céus eram perscrutados à cada instante e o entendimento do que supunham que eles revelassem era fundamental para alguém ser tido como sábio. Veja a primeira metade do livro de Daniel, especialmente o capítulo 2, versículo 27.

Hoje temos aparelhos que nos possibilitam ver muito mais longe e outros que nos “mostram” o que nossos olhos não enxergam: o infravermelho, o ultravioleta, os raios-x, os raios gama, etc.

Hoje sabemos que nos céus há mais do que estrelas. Já catalogamos planetas, luas, cometas, quasares, pulsares, supernovas, estrelas anãs brancas, negras e marrons ...

Chegamos ao ponto de colocar telescópios  fora da atmosfera de nosso planeta para observar o mais longe possível. O mais conhecido deles foi o Hubble.

Quando, por volta de 1580, Galileu Galilei olhou os céus o fez através de um telescópio que os aproximava 20 vezes. Foi o começo de uma nova era. Galileu nunca duvidou que os céus fossem os céus do Senhor. O que ele não concordava era com a imposição que as autoridades religiosas faziam sobre a verdade. Creio que ele podia dizer também (talvez até com maior propriedade): “Quando olho para os teus céus...”.

Hoje, quando eu olho para os céus não consigo ver muita coisa, pois o brilho das luzes da cidade ofusca e apenas as estrelas mais luminosas se destacam pálidas. Às vezes, em alguns dias de férias em Alto do Caparaó, afastado das luzes, a majestade da criação aparece. O que já brilhava, brilha com mais força e cada constelação parece adquirir relevo e saltar pra fora dos céus. A multidão de estrelas mostra seu caminho na Via Láctea. E como Davi, digo: quando olho os teus céus...

Dizer esta frase não significa apenas assentir que os céus são de Deus (foram feitos por ele), mas também deixar subtendido nosso êxtase diante de algo grandioso que não podemos perscrutar. Observamos, catalogamos, mas logo vemos que as próprias distâncias estão além da nossa realidade: ultrapassam nosso tempo de vida. Não são nossas (não enquanto estivermos sujeitos a esta condição de vida).

Quando olho para os teus céus, tenho uma pálida ideia  de quem tu és e logo penso: quem é o homem para que o visites?