sábado, 26 de julho de 2008

Yap os “Rahi” e nós

Querendo mostrar o quanto os valores dependem de nós mesmos e não das coisas em si, Peter Bernstein, em seu livro “O Poder do Ouro”, escreveu sobre uma das ilhas da Micronésia chamada Yap, e citou William Furness, antigo estudioso daquela cultura: “a comida, a bebida e as roupas dão nas árvores e são acessíveis a todos”. Os habitantes daquele pequeno lugar viviam com fartura: entre eles não havia opulência, mas também não havia miséria.

Porém não se sabe por que, partir de dado momento inventaram um modo de se destacar uns dos outros e criaram uma moeda. Na verdade um “objeto de valor”. Era uma pedra calcária extraída de uma ilha vizinha: os “Rahi” (ou Fei).

Em formato de discos, variavam em tamanho, desde o diâmetro de um pires, até outras que, de tão grandes, eram furadas ao meio para duas pessoas poderem carregar.

Quanto maior a pedra, mais rico era seu dono. E alguns eram “tão ricos” que tinham de deixar suas pedras próximas ao mar, onde eram feitas. Todos sabiam quem era o dono de qual. E, se as menores podiam ser usados como moeda de troca, as maiores representavam o patrimônio de uma família que podia ser deixado aos herdeiros. Mas nunca saíam dali. Roubá-los? Prá que? Alem de ser trabalhoso todos saberiam quem era o verdadeiro dono.

O mais interessante é que o “Rahi” da família mais rica não estava visível. Afundara em uma tempestade enquanto era trazido pelo dono que supôs ser melhor fazê-la na ilha de onde vinham as pedras, pois só teria de transportar o “Rahi” e não a pedra toda da qual ele seria esculpido.

Quando os alemães, na guerra, invadiram a ilha só conseguiram obrigá-los a construir uma pista de pouso “confiscando seus “Rahi”. Pintavam neles uma suástica - sem tirá-las de seus lugares - prometendo devolvê-las - apagar a suástica - logo que a pista fosse terminada.

Você deve estar pensando que esse pessoal de Yap era muito ingênuo, mas será que eles eram mais ingênuos do que nós?

O Apóstolo Pedro nos ensina que já nos foram dadas todas as coisas que conduzem à vida e a piedade. Temos a vida eterna e disso não duvidamos, mas somos piedosos? Ou seja: vivemos vidas santas?

Como os nativos de Yap recebemos de Deus os meios de vida. Eles receberam os meios de vida física e nós de vida espiritual. Temos tudo o de que necessitamos para viver a vida que Deus exige de nós, mas inventamos nossos “Rahi” para mostrar a todos o quanto somos espiritualmente ricos.

Não são verdadeiros “Rahi” algumas crendices que inventamos? E acaso conseguiremos ser mais ricos da graça de Deus usando nossas invenções? Acaso superaremos a abundância e a ordem com que ele nos sustém, fazendo pedras?

Ao criar essas coisas que não estão previstas em sua Palavra, a única coisa que fazemos é nos tornar mais orgulhosos e menosprezar nossos irmãos.

Correntes de oração, reuniões de poder, pactos ou votos embaraçosos, bênção de “irmãos poderosos”, copo de água sobre o rádio, Bíblia com o Salmo 91 aberto em direção da porta... o que mais?

Alguns anos atrás “quase bati” em um colega pastor que insistia em que eu batizasse o filho dele com água que trouxera do Rio Jordão.

Geralmente se diz: se não fizer bem, mal não faz. Faz sim! Em vez de receber com louvores a fartura com a qual Deus nos agracia, nossa atenção passa a ser desviada para confecção de pedras, às quais fatalmente daremos mais valor do que ao que vem das divinas mãos.

Examine bem sua vida. Veja se você está fazendo - ou já fez - alguns “Rahi”. E saiba de uma coisa: eles só servem para lhe prejudicar. Livre-se deles.

sábado, 19 de julho de 2008

Lembranças da adolescência

Quando leio o Salmo 23 sempre me lembro de que Davi estava falando do que conhecia bem. Afinal, quando adolescente, ele cuidava das ovelhas de sua família. Mas, repare bem: quando adolescente.

De fato, depois de ir levar comida a seus irmãos que estavam no campo de batalha contra os filisteus, não há mais indicações históricas de que ele tenha voltado para sua rotina de casa.

Chegando ao campo de batalha viu o pavor que Golias infundia nos soldados de Israel, inclusive em seus irmãos, e decidiu enfrentá-lo. O resto da história sabemos desde a infância.

Vitorioso, foi levado por Saul para seu palácio e lá ficou. Mesmo quando perseguido por Saul e refugiado em cavernas, desertos, ou nações vizinhas, não há relato de que ele tenha voltado à viver na casa de seu pai; muito menos de que voltasse a cuidar de ovelhas.

Para mim este Salmo está calcado sobre as reminiscências de sua adolescência. Aliás prefiro pensar que ele tenha sido escrito em sua velhice, pois sinto nas entrelinhas um cheiro de saudade próprio de quem já viveu bastante.

Aquele que, quando adolescente, fora pastor de ovelhas, agora é o “pastor de Israel”: E lembrando-se do que fazia às suas ovelhas, vê seu dever para com a nação sobre a qual reina. Nesse contexto é que entendo como ele percebe que o Bom Pastor é muito mais atencioso. “Nada me faltará”, portanto, é mais do que uma expressão: é sua constatação diária.

Nos cuidados de alimentar, pastos verdes e águas tranqüilas são retratos da suprema providência do Bom pastor. Providência tão especial que ele não conclui referindo-se simplesmente ao alimento físico, que poderia ser expresso por “sacia-me” ou “dessendenta-me”, mas com “refrigera minha alma” que fala muito mais de satisfação espiritual.

Nos cuidados de levar, fica ainda mais clara a preocupação espiritual. As veredas pelas quais ele é guiado não são descritas como gramadas, sem pedras, ou macias - como aquelas nas quais ele guiava seu rebanho - mas como “veredas de justiça”. E o vale perigoso, no qual a morte faz sombra, é enfrentado sem temor, pois o carinho do cajado que puxa pra perto e a prontidão da vara que afasta o perigo é verdadeiro “consolo”.

Nos cuidados de tratar, a mesa, o óleo e o cálice, as necessidade do espírito esclarecem totalmente que ele não refere-se a simples ovinos. A mesa, apesar de ser defronte, não é afetada pela presença dos adversários. O óleo não é usado para pensar feridas, mas para ungir a cabeça semelhantemente ao que se fazia a um sacerdote. O cálice, de abundante, transborda.

E, nos cuidados finais, ele sequer menciona o carnear ou a tosquia - finalidade primeira de uma ovelha - mas a habitação na casa do Bom Pastor, escoltado por sua bondade e sua misericórdia. Não por alguns dias, nem por uma temporada, mas para todo sempre.

O Salmo 23, por tudo isso, é um Credo em que as reminiscências do passado, falam do que ocorre no presente e apontam para a esperança no futuro. É também uma confissão da dependência divina de todos aqueles que conhecendo suas limitações de ovelhas confiam na graça do Bom Pastor.

Faça dele suas palavras. Eu já o fiz minhas.

sábado, 12 de julho de 2008

A alma redimida e seu Amado

As Escrituras Sagradas, em muitos lugares, nos exortam a progredir na fé: Jesus nos ordena a frutificar; o escritor da Carta aos Hebreus, igualmente, a que, deixando o leite, busquemos alimento sólido, pois atendendo ao tempo decorrido já deveríamos ser mestres; o Apóstolo Paulo deplora nossa meninice e exorta a que atinjamos a estatura de varão perfeito e em outro lugar a que desenvolvamos a nossa salvação. Progredir na fé não é algo opcional é uma obrigação.

Um belo exemplo de como progredimos na fé aparece no relacionamento entre os cônjuges do Cântico dos Cânticos, nas três declarações semelhantes da esposa:

Em 2.16: “O meu amado é meu, e eu sou dele”.

Em 6.3: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu”.

Em 7.10: “Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim”.

Essas afirmações retratam diversos estágios da maturidade do relacionamento conjugal. E, tomando os princípios de interpretação usados pelo Apóstolo Paulo no capítulo dez de sua primeira carta aos coríntios, podemos entendê-las melhor.

No primeiro estágio, com a avidez própria de quem encontra algo muito precioso - como aquela pérola de grande preço da parábola do Senhor - esse bendito relacionamento caracteriza-se por uma espécie de “egocentrismo” da esposa em que se destaca seu afã em afirmar posse sobre seu amado.

A mútua pertença está presente, mas note a ordem: “o meu amado é meu”. Só depois ela afirma “e eu sou dele”. Assim também ocorre ao cristão no início de sua vida.

Os que insistem em permanecer nesse estágio transmitem a impressão de que Deus lhes é propriedade exclusiva. E chegam a tratá-lo como servo, determinando e exigindo dele as coisa mais estapafúrdias e pueris. Se não chegam a negar a fé por palavras o fazem pelas obras.

Os que procedem amadurecendo chegam ao segundo estágio em que as relações de pertença ainda continuam mútuas, mas a ordem se inverte: “Eu sou do meu amado” e depois “o meu amado é meu”.

Pelo conhecimento maior e melhor de quem é o Amado de nossas almas as prioridades também se invertem. Muitas coisas então passam a fazer sentido. Como, por exemplo, as palavras do Amado: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros...”.

E a medida da estatura da plenitude de Cristo é expressa na última declaração: “Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim”.

Para que essa frase fique mais clara optarei por outra tradução, já que “saudades” dilui o significado do verbo hebraico.

A maioria das traduções usa o verbo desejar. E, de fato, a palavra hebraica aqui é a mesma com que Deus amaldiçoou o desejo da mulher logo após o pecado: “... o teu desejo será para o teu marido...” (Gn 3.16).

Neste estágio a Redenção aparece completa. A salvação foi desenvolvida ao limite do que é possível nesta vida. Já não é mais a mulher, que escravizada pelo pecado, tem seu desejo como propriedade do marido (o que ocorre até hoje aos que não foram redimidos por Cristo), mas é o marido que nutre desejos por sua esposa.

Dentro desse contexto é que se pode entender as ordens veementes da Escritura de que o marido deve amar a esposa como Cristo ama a Igreja.

Também, dentro desse contexto é que os redimidos, seguros, amadurecidos e firmes - quais cônjuges amados - desenvolvem sua salvação junto ao Amado de suas almas.

A vida conjugal redimida - de cônjuges redimidos - é um notável paralelo entre a vida cristã, até mesmo em seu desenvolvimento.

Por essa razão Deus detesta tanto o divórcio e a vida conjugal sem compromisso.

sábado, 5 de julho de 2008

Já não és digno de ser meu pai!

Sob nenhuma hipótese teríamos coragem de concordar com um filho que dissesse isso de seu pai. Porém, às vezes, agimos assim com nosso Pai celeste. E ele sabe! Não apenas sabe, como nos alerta, direta ou indiretamente, sobre o quanto isso o desagrada. Um desses alertas é a Parábola do Filho Pródigo.

Você se lembra? O filho caçula pediu adiantado a parte da herança a que tinha direito afrontando enormemente a seu pai, pois seu ato subentendia que o considerava morto.

Afrontou-o mais ainda quando vendeu tudo o que tinha, demonstrando que não pretendia mais voltar àquela casa e dela só queria levar o que pudesse ser gasto em outro lugar. E, aumentou a afronta dissipando o suor de seu pai dissolutamente em terra estranha.

Porém, longe da casa do pai, vendo-se reduzido ao destino de todos os que quebram o quarto mandamento - cuidar de porcos - quando tentou comer a comida deles, e não deixaram, percebeu o quanto aviltara-se. Lembrou-se então de onde era digno: a casa de seu pai.

Sua consciência pesada não o permitia ver a bondade do pai em toda sua extensão, mas tinha certeza de que, mesmo como reles patrão, seu pai era mais bondoso do que as pessoas com quem convivia.

Ensaiou um pedido de perdão cujo término era a frase “já não sou digno de ser chamado teu filho”. Nesta frase, que falta nos lábios do irmão mais velho, está expresso o verdadeiro reconhecimento da bondade de seu pai e de sua miserabilidade.

Nas queixas do irmão mais velho, e especialmente em recusar-se entrar na casa onde o pai recebera com festas o caçula, está presente a terrível inversão: “Já não és digno de seres chamado meu pai”.

Do mesmo modo que o caçula ele também recebeu adiantado a parte que lhe cabia dos bens: “... e lhes repartiu os haveres”. Mas, diferentemente do caçula, foi hipócrita e continuou em casa vendo no pai apenas um patrão: “... a tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos”.

Sua afronta ao pai tornou-se pior do que a afronta do caçula, pois ele obrigou o paia sair de casa tentando conciliá-lo.

Afinal, o que suas queixas e atitudes dizem senão que o pai tinha se tornado indigno dele? Não estava claro o pensamento de que ele era bom demais para ser filho daquele pai?

O comportamento do caçula parece-nos mais comum do que o comportamento do mais velho, mas, examinando bem, ele é apenas mais visível, e os dois são igualmente comuns.

Certa vez, explicando que, apesar de infinitamente amoroso, o Pai Celeste também é infinitamente justo e não deixará o ímpio sem castigo, alguém me respondeu: “... mas Deus não é assim. Se eu não guardo rancor de ninguém, imagine Deus”. Esta pessoa acabara de declarar que se achava mais digna do que Deus.

Quando rejeitamos a simplicidade do Evangelho e a verdadeira festa que o Pai faz ao receber de volta seu filho perdido, e, como o irmão mais velho, dizemos “não gostei”, não estamos cometendo o mesmo pecado?

“Já não és digno de ser meu pai. Vou procurar quem me satisfaça. Entrarei na casa onde eu seja valorizado” ... Como eu escuto, cada dia mais, frases assim!

Meus irmãos; desejo de todo coração, que atitudes assim estejam cada vez mais longe de nós. Especialmente considerando, que nossos quarenta anos como Igreja de Deus pressupõem, conforme as Escritura, que já “deveríamos ser mestres atendendo ao tempo decorrido”.