sábado, 28 de dezembro de 2013

Todos os dias do ano com o SENHOR

“… os olhos do SENHOR,
vosso Deus,
estão sobre ela continuamente,
desde o princípio
até ao fim do ano”.

Deuteronômio 11.12.

Parados defronte a Terra Prometida, Moisés instrui o povo a cerca da vida que terão ali. Não mais escravos, teriam de se voltar para a agricultura. Porém, não seria como no Egito, em que, do Nilo traziam águas para as plantações. Agora passariam a depender das chuvas. E a única certeza que poderiam ter era a promessa de Deus de estar com eles durante o ano inteiro.

Enquanto o sábado regulava a semana em um ritmo de sete dias e a lua regulava os meses a cada vinte e nove dias e meio, o ano era mais difícil de ser estabelecido, porém não menos importante.

O primeiro mês do ano era marcado pela Páscoa, o terceiro pela Festa das Semanas (mais tarde chamada de Pentecostes) e o sétimo pela Festa dos Tabernáculos.

O sétimo ano deveria ser de descanso para a terra: era o Ano Sabático. E o quadragésimo nono ano (o sétimo ano sabático) era o Ano Jubileu, quando tudo voltava a ser como antes.

Observe que era um verdadeiro teste de fé. Além de dependerem totalmente de Deus para receber chuvas na quantidade e na ocasião certa, enquanto o resto do mundo trabalhava sem descanso nem folga eles deveriam observar o sétimo dia como dia de descanso, o sétimo ano como ano de descanso e o quadragésimo nono ano como ano de descanso e do perdão de todas as dívidas. Neste ano todas as propriedades deveriam voltar a seus donos originais. Ou acreditavam e praticavam isso ou viveriam como pagãos.

Nosso calendário atualmente pouco tem de religioso. Mas podemos saber com certeza: do mesmo modo que Deus “desde o princípio até o fim do ano” estava com seu povo no passado, está também conosco.

Quer vivamos uma vida dependente das estações do ano, quer tenhamos artificializado tanto a nossa vida que as chuvas sejam motivo de preocupação... Quer comamos diretamente o que nossos campos produzam, quer dependamos  de um salário para ter acesso aos frutos do campo... Sua promessa persiste: Os olhos do SENHOR estão continuamente sobre onde vivemos.

Feliz Ano Novo.

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Os Anjos e os Pastores

Diferentemente da noite em que Jesus foi condenado a morte, a noite em que ele nasceu fez calor. Naquela, Pedro se aquecia junto a uma fogueira no pátio da casa do sumo sacerdote, nesta os pastores guardavam o rebanho durante à noite. A esses pastores Deus anunciou o nascimento de seu Filho.

Naqueles dias ser pastor de ovelhas não era uma das profissões mais nobres. Ao contrário, como viviam nos campos, assalariados para cuidar dos rebanhos, eram vistos como ainda hoje no interior de nosso país se vê os ciganos ou os trabalhadores de estradas (Peões de trecho). E, embora o talmude tenha sido escrito no Século 4, é tido como certo que se refira também aos tempos de Jesus ao listar as seguintes profissões como desprezíveis para um hierosolimitano: tropeiro, cameleiro, marujo, carreteiro, pastor, lojista, médico e açougueiro. A esses desprezíveis pastores o Senhor anunciou o nascimento de seu Filho de uma forma grandiosa.

Um anjo e depois “uma multidão” de anjos lhes apareceu. A aparição de um anjo já é uma coisa fantástica (a maioria das aparições causa grande terror de forma que a primeira coisa que o anjo diz é “não temas”), o aparecimento de uma multidão de anjos deve ser algo impressionante. Observe a ordem dos acontecimentos:

Primeiro, o anjo os tranquiliza: “não temais”. Segundo, comunica-lhes o nascimento e dá um sinal mediante o qual poderiam certificar-se (o menino estava envolto em faixas e deitado em manjedoura). Terceiro, “subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lc 2.13-14).

Geralmente se fala de um coro celestial, entretanto a melhor tradução é milícia mesmo. Ou seja: não o coro celestial, mas o exército celestial. E depois que o exército partiu eles decidiram procurar o menino e o encontraram com seus pais deitado em uma manjedoura como foi dito pelos anjos. Ou seja: os primeiros visitantes que o Senhor Jesus recebeu, foram pessoas humildes e até mal vistas. Quase dois anos depois é que ele recebe a visita de sábios.

O relato de Lucas complementa o de Mateus e nos mostra os detalhes do estado de humilhação do Senhor. Embora tenha sido gerado pelo poder do Espírito Santo, protegido pelo Altíssimo, e anunciado pelo exército celestial, ele assumiu nossa natureza e teve por mãe uma das simples filhas de Israel. Nasceu em uma terra que era conhecida dos profetas como “região da sombra da morte”. Teve como abrigo um estábulo; como berço uma manjedoura; como primeiras roupas faixas (tiras de pano) e como visitantes simples pastores desconhecidos.

Para nós também há uma grande lição: Como eles convidaram-se uns aos outros, digamos também: “vamos  até Belém e vejamos o que nos foi dado conhecer”.  

 
Imagino a reação dos sábios na Babilônia quando um deles contou que viu determinada estrela em determinada posição. Era o cumprimento de uma profecia feita há mais de quinhentos anos por um sábio que havia salvado da morte a todos os demais sábios de sua época e fora nomeado chefe de todos eles. Esse sábio fora trazido da Judeia após Nabucodonozor tê-la invadido. Seu nome era Daniel. Naqueles dias eles eram chamados de Caldeus (o nome magoi veio depois da invasão grega).

As discussões devem ter sido demoradas, pois poucos esperavam que uma profecia tão antiga se cumprisse. Ela dizia: “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia e para ungir o Santo dos Santos. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos. Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas” (Dn 9.24-26).

Imagino que após a discussão tenham escolhido alguns dentre eles para ir saudar esse novo rei com presentes valiosos. Deve ter sido uma caravana grande, pois além de guardar os presentes deveria atravessar o deserto.

Mateus nos informa que a chegada deles a Jerusalém deixou todos alarmados. Não era pra menos. Eles procuravam pelo “recém-nascido Rei dos Judeus” e Herodes, que tomara o poder com ardis e assassinatos, via conspiração por todos os lados. Poucos anos antes havia ordenado a morte da esposa e de um filho por suspeita de rebelião.

Herodes armou uma cilada imaginando que restava apenas descobrir em qual casa de Belém ele estava: “Ide informar-vos cuidadosamente a respeito do menino; e, quando o tiverdes encontrado, avisai- me, para eu também ir adorá-lo”. Ele havia nascido em Belém, mas seus pais eram de Nazaré e depois de cumpridos os preceitos levíticos de pureza da mãe e de resgate do primogênito, voltaram para lá. Para uma casa em Nazaré a estrela os guiou.

Imagino a ira de Herodes ao saber pela manhã que os magoi não foram para Belém, que ficava ao sul de Jerusalém, mas para o norte: caminho de volta para o oriente. Ele não deixou por menos. Como havia indagado, com precisão, a data em que a estrela foi vista, mandou matar todas as crianças de Belém e seus arredores que houvessem nascido a partir dessa data. Diversas crianças de até dois anos.

Nazaré, apesar de ser um entreposto comercial e receber gente de toda aquela região, era uma cidade pequena. Situada na encosta de uma elevação, vendo as fotos de hoje, penso nas casas fazendo um perfil contra o céu escuro e a estrela marcando uma em especial para quem vem pelo caminho do sul.

Imagino o alvoroço que uma caravana de camelos com os sábios e seu séquito, deve ter causado.

Ouro, incenso e mirra. Os três tipos de presentes não indicam que eram apenas três magoi. Podiam ser dois ou dez. Porém, lembram-nos a profecia de Isaías (mais antiga do que a de Daniel): “A multidão de camelos te cobrirá, os dromedários de Midiã e de Efa; todos virão de Sabá; trarão ouro e incenso e publicarão os louvores do SENHOR (Is 60.6)”. E finalmente a adoração! Isso impressiona. Homens sábios adorando uma criança de colo.

Dentre as muitas razões que Mateus tinha para narrar este episódio, creio que esta é a principal. O Rei dos Judeus foi conhecido pelos sábios de outros povos apesar de haver sido rejeitado pelo seu.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Os Evangelhos o Nascimento de Jesus

Dos quatro Evangelhos, apenas dois falam do nascimento de Jesus: Mateus e Lucas. Marcos inicia sua narrativa com o batismo. João, diferentemente de todos, inicia a sua falando do Verbo ainda na eternidade, antes da criação de qualquer coisa.

As narrativas do nascimento são complementares. Por exemplo: apenas Mateus fala dos magos e apenas Lucas fala dos pastores.

Mateus introduz seu relato com uma genealogia altamente elaborada em que os principais antepassados de Jesus são relacionados em três grupos, de catorze gerações, a partir de Abraão. Em seguida conta o drama vivido por José ao saber da gravidez de Maria, como planejava deixá-la e como um anjo do Senhor o dissuadiu.

Após um salto narrativo de quase dois anos, relata a visita dos magos, a subsequente fuga para o Egito, a matança das crianças e o retorno do Egito.

Diferentemente de Lucas, cujos paralelos são internos, Mateus faz com que o relato do nascimento seja paralelo ao da ressurreição: o começo da vida de Jesus é mostrado em contraste com o final. Veja, como exemplo, três partes do relato:

A genealogia, que é a primeira parte, é mostrada em correspondência com a Grande Comissão, que é a última: enquanto a genealogia nos fala do passado até os dias de Jesus, a Grande Comissão nos fala dos dias de Jesus até a “consumação do século”.

A segunda e a penúltima parte (o nascimento e a ressurreição) não se correspondem apenas no conteúdo: viver. Mateus não os descreve nem dá qualquer detalhe, apenas diz que ambos aconteceram.

A terceira e a antepenúltima parte (os magos e os guardas) são justapostas por terem em comum as riquezas. Os magos divulgaram o nascimento de Jesus e lhe trouxeram presentes. Os guardas receberam dinheiro para não divulgar sua ressurreição.

O relato de Lucas, logo em seu início, apresenta-nos a principal preocupação do escritor: “acurada investigação de tudo desde sua origem” (Lc 1.3). Certamente ele conversou com os protagonistas, especialmente com Maria, pois chega a narrar seus pensamentos: “Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou- se muito e pôs- se a pensar no que significaria esta saudação” (Lc 1.29).

Sua narrativa é iniciada com o motivo que o levou a escreveu o Evangelho e com a descrição de seu método de pesquisa. Começa então falando das origens próximas de Jesus, ou seja: seu precursor: João Batista. Mais especificamente, seus pais.

Em uma primeira etapa narra os anúncios. O anúncio a Zacarias, pai de João e a gravidez de Isabel. Então o relato dá um salto de seis meses e narra o anúncio a Maria e sua visita a Isabel (e seu cântico).

Em uma segunda etapa narra os nascimentos: O nascimento de João (e o cântico de seu pai). Depois o nascimento de Jesus e a visita dos pastores.

A narrativa é construída de forma paralela: João é anunciado a Zacarias, seu pai. Jesus é anunciado diretamente a Maria. A mudez de Zacarias, (decorrente de sua incredulidade) é contraposta ao cântico de Maria (decorrente de sua crença nas promessas) ao visitar Isabel. E, enquanto há uma óbvia correspondência entre o cântico de Zacarias (cantado depois do nascimento de João) e o de Maria (cantado antes do nascimento de Jesus), aparece outro paralelo: a alegria do pai que canta e a alegria dos pastores ao visitar o recém-nascido Jesus.

A narrativa de Lucas dá três saltos temporais: 0ito dias para narrar a circuncisão de Jesus, quarenta dias para narrar seu resgate no templo (onde acontecem os encontros com Simeão e com Ana) e doze anos para relatar o acontecido na viagem a Jerusalém, quando Jesus tinha 12 anos.

A genealogia feita por Lucas só aparece após a narrativa do batismo e não é elaborada como a de Mateus. Nela Jesus é filiado a Adão.

Se tradicionalmente Mateus visava leitores judeus (daí o estilo, as muitas citações proféticas e a filiação de Jesus a Abraão), e o Teófilo, destinatário de Lucas, era alguém importante no governo romano (apenas duas outras pessoas recebem o mesmo pronome de tratamento – excelentíssimo – e ambas são governadores), que interesse um leitor moderno poderia ter nestes relatos?

Pessoalmente eu tenho muitos. Porém, no mínimo, estes relatos nos instam a apreciar com reverência esse acontecimento tremendo – a encarnação do Senhor – sem perdermos a sobriedade. Enquanto Marcos e João, sequer ousaram a mencionar, Lucas, mais do que Mateus, chegou a detalhes íntimos. Porém, preferiu narrá-los indiretamente, com as palavras dos protagonistas:

- Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?

- Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.

O mesmo Espírito Santo, que à tudo dá vida, descendo sobre Maria e o Altíssimo, envolvendo Maria com sua sombra, levam Maria a conceber. O Verbo eterno torna-se um de nós (natureza da qual ele nunca mais se separará) para que voltemos a ser como ele é.