segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Feliz 2008

Ao desejar a você e aos seus queridos um bom ano de 2008, desejo, de todo meu coração, que seja realmente um bom ano. Porém, corro o risco de ser mal entendido, pois, como eu tenho muitos amigos, e boa parte deles têm horror a que se faça distinção entre dia e dia (mesmo que a façamos para o Senhor) especialmente se fizermos a tal distinção como conseqüência de algo arbitrado pela Igreja de Roma.
Mas, só de chamar o próximo ano pelo nome de 2008 já estou concordando com uma decisão de um Papa. Pior: Estou dizendo que estamos há 2 mil e 8 anos do nascimento do Senhor Jesus Cristo, quando na verdade já estamos, pelo menos, há 2013 anos.
Tudo começou em 531, com um monge chamado Dionísio (conhecido como Dionísio Exíguo, talvez, por ser baixinho). Ele observou que todos os documentos eram datados a partir do ano em que o Imperador Diocleciano assumiu o trono – ano que hoje chamaríamos de 284 a.D. Ele Escreveu: “Prefiro contar e indicar os anos a partir da encarnação de nosso Senhor, de forma a fazer a fundação de nossa esperança melhor conhecida e a causa da redenção do homem mais conspícua”.
Seus cálculos - não tão precisos - tiveram a enorme conseqüência de introduzir a idéia de “Antes de Cristo e Depois de Cristo” na datação dos anos. Mas, como ainda não se conhecia o ‘zero’, o primeiro desta nova datação foi chamado de ano 1 da era cristã.
Houve resistências:
1. O calendário dos judeus sempre foi lunar – não diz o Salmo 104 “Fez a lua para marcar o tempo”? – mas, a cada 3 anos, precisavam inserir outro mês antes de Nisan e periodicamente fazer outras correções para que houvesse correspondência com o calendário solar, pois, afinal é por este último que “se regula as estações do ano”.
2. Próximos às tradições dos judeus, os mulçumanos chegaram a fazer da lua crescente seu símbolo, e mantêm até hoje – a despeito de todas as complicações comerciais com o ocidente – um rígido calendário lunar
3. Como o Concílio de Nicéia determinou que a Páscoa sempre seria celebrada no dia seguinte ao equinócio da primavera - que é marcado pelo calendário solar (cujo ano é 11 dias maior do que o ano do calendário lunar) - até hoje a Igreja Grega, para quem a festa da Páscoa é de grande importância, usa também um calendário lunar. De fato: rejeitou novamente a troca pelo gregoriano em 1971.
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Mateus afirma que Jesus nasceu nos dias de Herodes. E sabemos que Herodes morreu no que seria o ano 4 do calendário de Dionísio.
Quando Lucas cita o censo feito por Quirino na Síria fornece-nos indícios de que Jesus nasceu no ano 6 ou 7, pois ele nasceu durante um recenseamento.
Até hoje há discussões. E os anos mais aceitos pelos estudiosos como prováveis para o nascimento de Jesus são 4 ou 5 a.C. Ou seja: não estamos 2.008 anos distantes do nascimento do Senhor Jesus, mas 2012 ou talvez 2015.
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Depois de muitos anos de aperfeiçoamentos os cálculos de Dionísio foram reconhecidos por Roma, o Papa Gregório XIII, que em 1582, decretou seu uso, após remover 10 dias (5 a 14 de outubro de 1582) do calendário então vigente. Entre 1582 e 1584 a maioria das nações ligadas a Roma passaram a adotar o Calendário Gregoriano.
4. Alguns reformadores menores hesitaram em aceitar esse novo calendário - exatamente por proceder de Roma - e a maior reação que se conhece foi de Scaliger (1540-1609), astrônomo calvinista famoso pela elaboração de uma cronologia histórica, que acabou tendo de basear-se no Calendário Gregoriano.
A Alemanha foi o primeiro país protestante a aceitá-lo (1700), mas gastou 75 anos para aceitá-lo em todo seu território.
A Inglaterra (e as colônia americanas) só o aceitaram em 1752. E para isso precisaram eliminar 11 dias. “Foram dormir em 3 de setembro e acordaram em 13 de setembro de 1752”.
Curiosamente o Japão só o aceitou em 1873, a Rússia em 1917, e a China em 1949.
Portanto, no melhor “estilo conciliar” ...
Considerando que:
1. O ano lunar é composto de 12 meses de 29 dias, 12 horas, 44 minutos e 2,9 segundos (mais ou menos 354 dias).
2. O ano solar (a volta completa da terra em torno do sol) é composto de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45 segundos (sendo que a cada século essa velocidade diminui em ½ segundo).
3. O ano atômico é igual a 290.091.200.500.000.000 oscilações de um átomo de césio (e padrão oficial da terra desde 1972).
4. Logo após a meia noite de 31 de dezembro de 2007 (sem a correção de 1 segundo que “tivemos” de fazer em nossos relógios na virada de 2005 para 2006) passaremos a nos referir, para todos os efeitos, ao tempo como 1 de janeiro de 2008, diferentemente do que se fazia há cerca de 300 anos, quando essa virada era no começo da primavera do hemisfério norte.
Decido que:
1. Quer você goste ou não, vou desejar que esse período seja todo passado por você, e por mim, na presença de Deus.
2. Quer você goste ou não, receba meus votos de Feliz Ano Novo.

Abraços, ou melhor Sala das Sessões ... ou melhor ainda quarto do computador de minha filha, 31 de dezembro de 2007.
Fôlton

sábado, 29 de dezembro de 2007

De geração em geração

“Senhor, tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração”. Quando leio esse texto penso que Moisés estava meditando em como Deus protegera a José - a quem sucedera como líder desse povo que agora ele conduzia pelo deserto - como protegera a Jacó, a Isaque e a Abraão através de tantos descaminhos. Um verdadeiro refúgio de geração em geração.

Talvez, antes deles, Moisés já tivesse isso em mente ao perceber que Abraão tinha mais de 50 anos quando Noé morreu. E Noé, por sua vez, conviveu com Lameque. O mesmo Lameque que nasceu uns 50 anos antes do próprio Adão morrer.

Às vezes penso nos registros que Moisés deve ter lido na maior biblioteca de então no Egito. Porém logo me lembro das palavras do Senhor Jesus: “Moisés ... escreveu a meu respeito” (Jo 5.46). Afinal, Moisés registrou detalhes da história que só o próprio Deus sabia.

Tudo o que aconteceu no Éden, o castigo de Babel, o dilúvio, o chamado de Abraão. Tudo isso, desfilava diante de seus olhos e ele escreveu: “Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite. Tu os arrastas na torrente, são como um sono, como a relva que floresce de madrugada; de madrugada, viceja e floresce; à tarde, murcha e seca”.

Agora a incredulidade daqueles que viram o mar se abrir os condenara a vagar pelo deserto. Uma geração inteira tinha de morrer no ermo. Todos os que nasceram no Egito, com exceção de Josué e Calebe, jamais poriam os pés na terra da promessa. E, meditando nisso ele escreve: “somos consumidos pela tua ira e pelo teu furor, conturbados. Diante de ti puseste as nossas iniqüidades e, sob a luz do teu rosto, os nossos pecados ocultos. Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos anos como um breve pensamento”.

Moisés, que já estava com mais de 90 anos, podia falar que depois dos oitenta o melhor de seus dias fora canseira e enfado. Estava cansado.

Estava cansado, mas não desanimava nem desacreditava da misericórdia do Senhor: “Volta-te SENHOR. Sacia-nos de manhã com a tua benignidade, para que cantemos de júbilo e nos alegremos todos os nossos dias. Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido, por tantos anos quantos suportamos a adversidade”.

Estava cansado, mas sentia vontade de ainda fazer alguma coisa: “Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos”.

E hoje? Não podemos ver com muito mais detalhes como o SENHOR tem sido nosso refúgio de geração em geração? Além da sarça, não vemos aquele que a fazia arder? Acaso Babel não foi invertida? Do dilúvio não fomos salvos? Acaso já não ante-vivemos a verdadeira terra da promessa?

Ah! Senhor; tem misericórdia de nós que esbanjamos muito mais prodigamente nossos dias e ensina-nos a contá-los com coração sábio. Ensina-nos a usar melhor o tempo que tu nos destes. Abençoa as obras de nossas mãos: hoje, em 2008, e até o dia eterno.

Amém.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Não sou ingênuo

Não sou ingênuo ao ponto de achar que Papai Noel representa o Natal, e que sem o Papai Noel não há como relembrar do Natal. Mas também não sou ingênuo ao ponto de achar que ele me impede de comemorar a encarnação do Verbo Divino.

Não sou ingênuo ao ponto de crer que com poesias, peças de teatro, festas, ou uma audição do Messias de Haendel - ou de outro oratório de natal qualquer - terei comemorado o Natal. Jamais! Eles podem até trazer a impressão de que me esforcei bastante. Mas se eu não me esvaziar de mim mesmo, como o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores o fez, mesmo que a manjedoura seja o prenúncio da cruz, jamais terei sequer atinado com o verdadeiro motivo que o trouxe ao tabernáculo que vivo.

Não sou ingênuo ao ponto de achar que em 25 de dezembro comemorarei 2007 anos do nascimento de Jesus. Sei que a data não é essa. Porém não sou ingênuo ao ponto de achar que, por não saber a data exata, tudo que eu fizer, alegrando-me pelo seu nascimento, será errado e incorrerei no seu desagrado.

Não sou ingênuo ao ponto de achar que ele ficará tanto mais alegre comigo quanto mais exageros eu fizer, mais trabalhos eu tiver, e mais - dos recursos que ele mesmo me deu - eu gastar, para presentear e festejar seu nascimento, e depois viver o ano todo como se ele não existisse.

Não. Não sou ingênuo.

Sou, na verdade, culpado. Culpado de levar meu Senhor a tanto para me resgatar. Porém, vou celebrar sim. Celebrar com gratidão ele ter adquirido minha natureza.

E, como sei que ele se agrada mais de um coração contrito, do que de qualquer outra coisa, no momento de maior alegria, terei cuidado de colocar aos pés da cruz, ou melhor, ao lado da manjedoura, toda minha gratidão. Então, ela será tão preciosa quanto o ouro, e tão especial quanto o incenso e a mirra.

sábado, 15 de dezembro de 2007

O natal e o nascimento de Jesus

Quem comemora apenas o natal, comemora a possibilidade de gastar um pouco mais. Afinal o tal “espírito natalino de generosidade” é apenas uma faceta a mais do velho e perverso consumismo.

Quem comemora o nascimento do Deus-Homem, comemora o inusitado, o inaudito: Deus fazendo-se semelhante à suas criaturas para, redimindo-as, fazê-las cumprir o propósito original para que foram criadas.

 

Quem comemora apenas o natal, completa o tal “espírito natalino de generosidade” entregando-se, com dissolução, a uma alegria efêmera vinda da comida e da bebida, ou de coisas piores. E declara, sem dar-se conta do que está confirmando debochadamente, que o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores - diante de quem se dará de toda palavra frívola (Mt 12.36) - nasceu.

Quem comemora o nascimento do “Deus-Conosco” alegra-se na esperança de que a maior festa que possa fazer será nada, comparada com a que celebrará, com ele e com todos os queridos que já estão com ele. Porém não deixa de ser um antegozo, se feita para seu louvor.

 

Quem comemora apenas o natal, degrada o sacrifício eterno, que não se limitou à cruz, mas começou na manjedoura, exatamente com um comportamento oposto às pompas, luxo, usura e devassidão com que uma mídia insensata e uma multidão supersticiosa a tratam.

Quem comemora o nascimento daquele que é a “expressão exata do Pai” dobra-se ajoelhado diante de tal mistério e de tal pessoa, e, sem saber como, mas crendo na promessa e na misericórdia - essência de seu proceder - oferta o ouro de suas posses, o incenso de seu louvor e a mirra de sua vontade alquebrada, aos pés de seu Senhor, ao dispor de sua vontade.

 

Quem comemora apenas o natal, faz sua própria vontade, atende seus próprios desejos, gasta para promover-se, presenteia para ser lembrado ou para receber outros em retribuição, ou, ainda, para acalmar uma consciência cheia de cicatrizes de remorso pelo que não fez de bom o ano inteiro.

Quem comemora o nascimento daquele em quem “habita a plenitude da divindade” esvazia-se de si mesmo, como ele fez, e presenteia mais com o coração do que com bolso. Mais com o amor mais do que com o interesse. Mais de si mesmo do que daquilo que o dinheiro pode adquirir.

 

Quem comemora apenas a natal, entrega-se a símbolos supersticiosos e comerciais de coisas que nunca fizeram parte daquele momento sublime e chega a idolatrá-las e as vezes a impô-las.

Quem comemora o nascimento daquele que “não se envergonha de ser chamado nosso irmão” - apesar de sermos menos do que nada, e muitas vezes desonrarmos sua amizade - tem os motivos certos para alegrar-se, festejar, e depositar tudo aos pés do Rei dos reis e Senhor dos senhores.

 

Que neste natal tenhamos a sabedoria de, nos momentos mais efusivos, manter nosso pensamento em seu real significado, e sermos gratos. Gratos, pelo grande amor como que fomos e somos amados.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Dois convites

Bem cedo um anjo do Senhor removeu a pedra que selava o sepulcro onde jazia seu corpo. Tão fantástica e tão assustadora era seu aspecto que os guardas romanos, apavorados, "ficaram como se estivessem mortos".

O anjo se dirigiu às mulheres, e sua primeira palavra foi "não temais". Depois de afirmar que o Senhor havia ressuscitado, lhes convidou a sanar a dúvida dizendo: "vinde ver o lugar onde ele jazia".

Cerca de trinta e quatro anos antes, um anjo do Senhor apareceu, tarde da noite, a uns pastores, que cuidavam de seus rebanhos nos campos. Sua primeira palavra a eles também foi "não temais". Porém continuou: "eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura".

Mal acabou de falar e uma enorme quantidade de anjos - literalmente: o exército celestial - respondeu em uníssono: "Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem".

Bradaram e desapareceram.

Atônitos os pastores concluíram "Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer".

Na manhã de sua ressurreição o anjo convidou as mulheres a entrar na sepultura em que o corpo do Senhor estivera. Na noite de seu nascimento, após a mensagem dos anjos, os pastores se convidaram mutuamente: “vamos até Belém”.

Esses dois convites ainda são feitos e constituem-se na essência do Evangelho. Tão importante quanto ver o túmulo vazio é ver a manjedoura habitada. É impossível crer em um sem crer na outra. Enquanto a manjedoura nos fala de Deus habitando conosco, o túmulo vazio nos fala de nossa habitação com ele.

Os pastores convidaram-se mutuamente, pois um nascimento é coisa corriqueira, já uma ressurreição é algo tão fantástico que o anjo mesmo insistiu no convite. Eles deveriam procurar pelo menino que estava lá. As mulheres deveriam constatar que aquele mesmo menino, agora crescido, não estava mais lá.

Entretanto os lugares que deveriam ser visitados eram notáveis: uma manjedoura e um sepulcro. No sepulcro ele deixa a vida conforme nós a conhecemos e inaugura um “novo e vivo caminho” para a vida mais plena. A vida da qual esta é apenas sombra. Na manjedoura, esvaziado de si mesmo ele torna-se um de nós. Em outras palavras: ele assume nossa vida em uma manjedoura e assume a vida celestial em um túmulo.

E como dizia o hino de Paulo sobre esse “grande mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” 1Tm 3.16.

Cabe-nos, certos de que o túmulo está vazio, nunca nos esquecer do convite: “vamos até Belém, e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer”. Tais acontecimentos que começaram naquela manjedoura, hoje, também vazia, têm repercussão eterna, pois nos convidam meditar na vida além do túmulo.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Dezembro chegou

Dezembro chegou, e com ele nossas esperadas chuvas - graças a Deus - amoleceram a terra que já preparava as sementes nela plantadas. As que o calor não esturricou recebem agora, pela água, os nutrientes de que precisam. A germinação não tarda.

Dezembro chegou, e o calor que cozinhou as frutas dessa época, agora, mais úmido, se encarrega de amadurecê-las e depurar-lhes a doçura e o aspecto. As mangas, por exemplo, ficam amarelas, rosas ou até roxas e seu perfume atrai a passarada.

Dezembro chegou, e o calor, bem-vindo de Deus, beira ao insuportável quando misturado a algazarra promovida pelos homens, que se imbuem do tal “espírito natalino”: desculpa para aproveitar o dinheiro extra de fim-de-ano.

Dezembros também chegam às nossas vidas. Sempre chuvosos. Mas, graças a Deus, chuvas de bênçãos. As benditas sementes que o Espírito Santo plantou em nosso coração nos dias de calor e aflição, germinam e desabrocham produzindo aquilo que o Senhor semeou.

Os eventuais frutos que já temos são amadurecidos nesses dezembros. E, trazendo refrigério à nossas almas, essas benditas e divinas chuvas com que o Pai celeste rega nossas almas, depuram a doçura de nossos relacionamentos e embeleza nossos desejos e anseios. Nossa alma, com alegria indizível e cheia de glória agradece humilde ao Pai Criador e Cuidador.

Entretanto esse bendito período de gestação atrai pestes e parasitas. As pestes tentam, como gafanhotos esfomeados, devorar os brotos tão logo nasçam e os parasitas agarram aqueles que escapam. Assim esses inimigos ferozes tentam nos destruir.

Do mesmo modo como a estupidez humana transformou a bela intenção de se comemorar o nascimento do Verbo em oportunidade para lucros escorchantes, bebedices e orgias – como se o Filho de Deus se alegrasse com isso – a insensatez de muitos de seus filhos os parasita de tal forma que pouco se dão conta da idolatria que cometem ao reduzir a expressão exata do Ser do Pai a uma ceia ou a um rito vazio.

Benditos dezembros. Algumas vezes quentes ao corpo, mas sempre aquecidos e ímpares de prazeres espirituais aos corações dos que meditam no amor inefável de Deus.

Benditos dezembros: época de despertar. Época de frutificar. Época de celebrar o maior gesto do amor do Pai manifestado em uma manjedoura.

sábado, 24 de novembro de 2007

Uma tradição antiga

Nossa Igreja está hospedando o IX Congresso da Federação das Sociedades Auxiliadoras Femininas do Presbitério Médio do Rio Doce. Hospeda com alegria. Para nós é uma honra ver este congresso ser realizando aqui.

Honra, pois temos o privilégio de ver o mesmo trabalho, que sempre foi feito, sendo atualizado.

Alguns tendem a menosprezar o trabalho feminino, mas um exame atento das Escrituras deve nos levar a outra postura. Veja, por exemplo, os evangelhos:

Lucas registra: “Depois disso Jesus ia passando pelas cidades e povoados proclamando as boas novas do Reino de Deus. Os Doze estavam com ele, e também algumas mulheres ... Maria, chamada Madalena, ... Joana, mulher de Cuza, administrador da casa de Herodes; Susana e muitas outras. Essas mulheres ajudavam a sustentá-los com os seus bens.“ (Lc 8.1-3 NVI)

Essas mulheres, que seguiam Jesus e seus apóstolos e “auxiliavam-nos” (o texto pode ser traduzido assim também) é o embrião das “Sociedades Auxiliadoras Femininas.

Repare que todas eram mulheres atarefadas. De Maria Madalena há pouco que falar face ao quanto já sabemos dela. De Joana, basta ver o encargo de seu marido para ter idéia de suas responsabilidades.

Sabemos pouco de Suzana (aportuguesamento da forma hebraica de açucena: a flor) que aparece apenas aqui.

Mas veja como elas estavam presentes até nas horas mais difíceis de nosso Senhor:
Mateus destaca: “Estavam ali muitas mulheres, observando de longe; eram as que vinham seguindo a Jesus desde a Galiléia, para o servirem; entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mulher de Zebedeu”.

Marcos enfatiza o auxílio que elas prestavam ao Senhor (inclusive em sua última viagem a Jerusalém): “Estavam também ali algumas mulheres, observando de longe; entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé; as quais, quando Jesus estava na Galiléia, o acompanhavam e serviam; e, além destas, muitas outras que haviam subido com ele para Jerusalém”.

Lucas nos dá a impressão de que eram muitas: “Entretanto, todos os conhecidos de Jesus e as mulheres que o tinham seguido desde a Galiléia permaneceram a contemplar de longe estas coisas. ... Era o dia da preparação, e começava o sábado. As mulheres que tinham vindo da Galiléia com Jesus, seguindo, viram o túmulo e como o corpo fora ali depositado. Então, se retiraram para preparar aromas e bálsamos”.

E João, o único apóstolo que testemunhou de perto a crucificação, enfatiza: “E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena”.

Também no dia da ressurreição, quando elas iam embalsamá-lo, embora Mateus e Marcos deixem-nos a impressão de uma ou duas, Lucas fornece-nos mais detalhes: “Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que haviam preparado. E encontraram a pedra removida do sepulcro ... Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; também as demais que estavam com elas confirmaram estas coisas aos apóstolos”.

Há um grupo que se destaca, mas há uma quantidade muito maior que auxilia anonimamente. No primeiro texto lemos “muitas outras”. No texto da crucificação Mateus diz “muitas mulheres”. Marcos diz “e além destas, muitas outras”. E as expressões de Lucas nos trazem a certeza de que eram muitas. Releia o texto.

Entretanto, as mulheres de nossos dias, não peregrinam mais com o Senhor pela Judéia. Peregrinam por todo Brasil, e, especialmente aqui, vemos as que têm por ambiente o vale central do Rio Doce.

Não trazem comida ou vestes para o Senhor, como suas antigas colegas faziam. Porém preocupadas com a situação que vivemos, trazem suas famílias – com os dilemas e dificuldades que sofrem – e os colocam aos pés do Senhor. Ou seja: consagram-nas ao Senhor como suas antigas companheiras faziam também.

Portanto, não é de menos importância hospedar quem tem uma tarefa tão difícil e quer cumpri-la da melhor forma possível.

Por tudo isso e pela preocupação em serem relevantes ao ponto de surpreenderem com a manutenção de uma tradição tão antiga temos a obrigação de orar por elas e com elas.

Que as sementes deste congresso frutifiquem para a glória do Senhor.

sábado, 17 de novembro de 2007

A propósito da eleição de Oficiais (Parte 3)

No boletim passado resumi os pré-requisitos que Deus estabelece para quem almeja ser presbítero em sua Igreja, os quais foram registrados pelo Apóstolo Paulo em suas cartas a Tito e a Timóteo. Entretanto, suprimi as razões pelas quais eles são exigidos. Vamos destacá-las hoje.

Na carta à Tito, lemos:

5Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi: 6alguém que seja irrepreensível, marido de uma só mulher, que tenha filhos crentes que não são acusados de dissolução, nem são insubordinados. 7Porque é indispensável que o bispo seja irrepreensível como despenseiro de Deus, não arrogante, não irascível, não dado ao vinho, nem violento, nem cobiçoso de torpe ganância; 8antes, hospitaleiro, amigo do bem, sóbrio, justo, piedoso, que tenha domínio de si, 9apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem. 10Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. 11É preciso fazê-los calar, porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt 1:5-11).

Este texto deixa claro porque os presbíteros devem ter tais qualidades e porque Tito deveria constituí-los.

Tito deveria constituí-los para “por em ordem o restante das coisas”, e devido a “existência de muitos insubordinados” que pervertiam “casas inteiras” apenas por ganância.

Isso já indica alguns aspectos da missão de um presbítero: Por em ordem e proteger a igreja de insubordinados gananciosos.

Porém, para isso ele deve ser irrepreensível como despenseiro (no original ‘ecônomo’ que significa também mordomo) de Deus e possuir uma lista de características pessoais (não arrogante, não irascível, etc.), que, pelo contexto exprime características de vida em família.

Na carta enviada a Timóteo lemos:

2... seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; 3não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de contendas, não avarento; 4e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito 5(pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?); 6não seja neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo. 7Pelo contrário, é necessário que ele tenha bom testemunho dos de fora, a fim de não cair no opróbrio e no laço do diabo” (1Tm 3:2-7).

Observe que a ênfase é colocada no desempenho familiar. O texto começa exigindo que seja “marido de uma só mulher” (bom esposo) e termina exigindo que saiba criar seus “filhos sob disciplina com todo respeito” (bom pai). E argumenta: se não souber “governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus”?

Daqui já pode-se concluir que a seleção dos presbíteros deve ser feita entre os pais. A casa é o campo de prova na qual a igreja pode reconhecer se alguém é apto, ou não, a ser um presbítero conforme os critérios de Deus.

Há muitos anos atrás vi alguém defender uma candidatura com as seguintes palavras: “Indico o irmão fulano, pois todos sabem de sua importância como empresário bem sucedido que começou do zero e hoje destaca-se dentre muitos, inclusive na dedicação à igreja”.

Se ele tivesse ficado na última frase – dedicação a igreja – restaria compará-lo com sua dedicação à família. Se fosse equivalente não haveria mais o que questionar.

Entretanto, cada vez mais os valores mundanos, sejam empresariais, sejam circenses, são vistos como pré-requisitos para quem assume a liderança da igreja: deve ser bom administrador ou bom animador. Ou seja: satisfazer aos eleitores e não necessariamente a Deus, contrariando o ensino bíblico que os eleitores devem escolher o candidato que mais atenda a prescrições divinas.

*

Um segundo assunto, específico da carta a Timóteo, é o perigo a que o presbítero está sujeito: a ação do diabo. Esta pode acontecer de duas formas: levando-o a se orgulhar da posição a que foi elevado e incorrendo no mesmo erro que o diabo incorreu, ou, nas palavras de Calvino: “exposto à reprovação pública, endureça cada vez mais o coração e se entregue mais livremente à toda iniqüidade, o que equivale a colocar-se debaixo das armadilhas do demônio. Pois, que esperança resta a quem peca sem sentir vergonha?”

*

Excelente obra é o presbiterato, porém de tão pesada só pode ser desempenhada na dependência total da graça de Deus.

sábado, 10 de novembro de 2007

A propósito da eleição de Oficiais (Parte 2)

Paulo promoveu eleição de presbíteros mesmo em circunstâncias adversas, como quando foi apedrejado ao ponto de ser dado por morto, pois entendia que a existência deles era vital: um presente de Deus à sua Igreja como ele escreveu aos efésios: “para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.”

Além de promover, ordenou que se fizesse. Essa foi a missão específica de Tito em Creta: "Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros...”.

Porém, veja os pré-requisitos, “... Conforme te prescrevi”: 1) Irrepreensível, 2) marido de uma só mulher, 3) que tenha filhos crentes que não são acusados de dissolução, nem são insubordinados, 4) não arrogante, 5) não irascível, 6) não dado ao vinho, 7) nem violento, 8) nem cobiçoso de torpe ganância, 9) hospitaleiro, 10) amigo do bem, 11) sóbrio, 12) justo, 13) piedoso, 14) que tenha domínio de si e 15) apegado à palavra fiel.

Timóteo também tinha o mesmo dever com pré-requisitos semelhantes: 1) irrepreensível, 2) esposo de uma só mulher, 3) temperante, 4) sóbrio, 5) modesto, 6) hospitaleiro, 7) apto para ensinar; 8) não dado ao vinho, 9) não violento, 10) cordato, 11) inimigo de contendas, 12) não avarento; 13) que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito, 14) não seja neófito e 15) tenha bom testemunho dos de fora.

Podemos resumir os pré-requisitos em obrigações e proibições:

Obrigações:
1º. Irrepreensível aparece nas duas listas e diz respeito ao modo como vive depois da conversão.
2º. Marido de uma só mulher também aparece nas duas listas e diz respeito a uma vida casta e monogâmica.
3º. Bom pai (item 3 na lista de Tito e 13 na de Timóteo), fala do exercício da boa paternidade, bem como da boa chefia da família.
4º. Hospitaleiro aparece nas duas listas.
5°. Amigo do bem aparece na lista de Timóteo como inimigo de contendas. Diz respeito a uma atitude pacífica diante de confrontos.
6°. Sóbrio também aparece nas duas listas e significa mais do que “não bêbado”: sobriedade no falar, no vestir, no gesticular ... etc.
7º. Justo e piedoso aparecem apenas na lista de Tito, embora estejam latentes na de Timóteo. Justiça caracteriza quem sabe distinguir as diferenças e tratá-las correspondentemente, e piedade caracteriza quem quer viver de modo santo (não confunda com o derivado “ter piedade”).
8º. Domínio de si aparece em Timóteo como temperante. Embora não seja a mesma palavra grega (em Tito significa literalmente “dominar o eu” e em Timóteo “vigiar os próprios desejos”), refere-se mais ou menos a mesma atitude.
9º. Apegado a palavra fiel aparece em Timóteo como apto para ensinar. Apesar de as expressões sequer serem as mesmas, o objetivo é. Transmissão de conteúdos doutrinariamente sadios.
10º. E finalmente em Timóteo aparece modesto, cordato, e bom testemunho dos de fora.

Proibições:
1º. Arrogante (literalmente: “auto-bastante”).
2º. Irascível. Conhecemos hoje como “estourado” ou “pavio curto”.
3º. Dado ao vinho. Proibição comum às duas listas.
4º. Violento. Proibição comum às duas listas.
5º. Cobiçoso de torpe ganância, que na lista de Timóteo é mais ou menos equivalente a avarento.
6º. Novo na fé (neófito).

Tais pré-requisitos, dificilmente podem ser totalmente encontrados em uma só pessoa. Uma mesma pessoa pode possuir alguns em maior quantidade e qualidade do que de outra. Porém isso não é motivo para que deixamos de escolher alguém. Devemos comparar quem almeja o ofício – lembre-se: excelente obra almeja – e escolher aquele que melhor atenda os pré-requisitos de Deus.

Tampouco é motivo para mudar os pré-requisitos estabelecidos por Deus. Tenho visto que outros pré-requisitos estão gradualmente substituindo esses. Mas isto é assunto para outro artigo.

domingo, 4 de novembro de 2007

A propósito da eleição de Oficiais

Quando, como cidadãos, votamos em alguém para o exercício de algum cargo público, esperamos que ele se comporte, decida ou legisle de acordo com nosso ponto de vista. Afinal de contas ele é nosso representante.

Tal acontece porque vivemos, como cidadãos, em um país onde prevalece o texto constitucional: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ...”. Por definição o estado brasileiro deve ser um “espelho” da sociedade brasileira.

Os pré-requisitos para que alguém seja eleito no Brasil, são os mínimos: nacionalidade, alfabetização mínima, regularidade eleitoral, filiação partidária, e idades mínimas (35 anos para Presidente e Senador, 30 para Governador, 21 para Deputado, Prefeito e Juiz de Paz, e 18 para vereador).

*

Quando, como ovelhas do rebanho de Deus, votamos em alguém, devemos esperar que ele se comporte, decida ou legisle, de acordo com o ponto de vista de Deus. Afinal de contas ele é, “lato sensu”, representante de Deus.

Tal acontece porque, vivemos, como ovelhas do Senhor, em um rebanho comprado por seu sangue. Por definição a Igreja deve ser espelho da vontade de Deus.

A priori, há tantos pré-requisitos para alguém ser eleito à algum ofício na Igreja, que é praticamente impossível encontrar alguém que atenda plenamente a todas as exigências. Curiosamente, todas essas exigências dizem respeito a sua vida familiar (mais tarde escreverei sobre esse assunto).

*

Dessas observações conclui-se que:

1. O voto civil é totalmente diferente do voto na Igreja. Enquanto o voto civil expressa nosso gosto, nossa vontade, nossa ideologia, o voto na Igreja deve expressar as determinações do Senhor da Igreja.

2. O eleito para algum cargo público está preso a vontade de seus eleitores ao passo que o eleito para um ofício na Igreja está preso às ordens do Senhor da Igreja (muitas vezes contra seus eleitores).

3. Os eleitos na vida civil são representantes do povo para fazer o que lhes foi delegado pelo voto popular. Os eleitos na Igreja são representantes do povo diante de Deus. Ou seja: são, os que mais se aproximam - dentre os que se congregam naquele rebanho local – do padrão estabelecido por Deus.

*

A pergunta obvia é: por que razão Deus delega as ovelhas de seu rebanho a tarefa de escolherem alguém que cumpra a vontade dele e não, necessariamente, a vontade delas?

A resposta é dupla:

1) Devido a docilidade do rebanho e sua natureza fácil de ser manipulada (como vemos ser manipulada por auto-intitulados bispos, apóstolos, profetas e que tais), Deus não permite a Igreja outro meio de escolha de seus oficiais regulares, que não o voto.

2) Para que o Rebanho seja responsabilizado, diante de Deus, por um eventual descaminho - mesmo que tenha sido seduzido por líderes maus - por não ter obedecido os critérios divinos para escolha.

*

Ao votar, portanto, a ovelha está dizendo: reconheço que fulano é o que mais se aproxima do que Deus determina como padrão para tal ofício.

Tenho certeza de que aqui está a maior razão da falta de identidade das Igrejas de nossos dias: o oficial porta-se como um político pressuroso em atender as exigências de seus eleitores e não como um servo de Deus em que a maioria das ovelhas viu e atestou a existência do chamado divino para o exercício do ofício que lhe foi confiado.

sábado, 27 de outubro de 2007

A Reforma Protestante e o movimento missionário

O primeiro modelo de evangelização praticado pela Igreja apareceu depois do pentecostes, quando muitos daqueles sobre os quais o Espírito Santo havia sido derramado, voltaram para suas cidades de origem e organizaram igrejas locais: Roma, Antioquia, etc.

Um segundo modelo foi implantado através de viagens com o fim específico de anunciar o Evangelho. Paulo e Barnabé foram seus pioneiros.

A Igreja precisou esconder-se de perseguições, mas três séculos depois, Constantino, percebeu o grande número de cristãos em seu império e aderiu ao cristianismo. Isso levou ao processo de torná-la igreja oficial e favoreceu um terceiro meio: a guerra.

Em nome de se pregar o Evangelho ou cristianizar um povo, se fazia guerra e obrigava o rei deles a tornar-se cristão. Então todos os seus súditos eram obrigados ao batismo.

Não se sabe quando o estado fazia guerra para que a religião fosse disseminada ou quando a religião fornecia o propósito, e os guerreiros, para que o estado, guerreando, crescesse mais ainda pela anexação de territórios.

E assim continuou pelos tempos. Assim chegaram às Américas. Assim dizimaram povos e levaram enormes riquezas a seus países de origem. A religião justificava saques, mortes e a escravidão.

Padre Vieira dizia ser preferível ao africano ser escravo no Brasil, onde podia conhecer o evangelho, do que ficar na África onde fatalmente morreria pagão.

É claro que sempre houve também a presença de missionários abnegados, que, muitas vezes por conta própria, dirigiam-se a outros povos com o fim de anunciarem as boas novas de salvação.

Porem, poucos foram os casos em que tais missionários não acabaram logo trocados ou “auxiliados” por tropas militares.

Enquanto as Américas eram descobertas, a Reforma Protestante grassava a Europa. Com a Reforma vinha a idéia da conversão individual, e, apesar de Países serem declarados de “Fé Reformada”, tal só acontecia mediante a adesão de seu rei ou de seus governantes, muitas vezes para fugir a tirania de Roma.

Com a reforma também voltou-se a pratica do missionar com o único interesse de se divulgar o evangelho. A idéia missionária foi tão forte que a Igreja de Genebra chegou a sustentar 280 deles. Não só na Europa. Quatorze chegaram ao Brasil.

Não sou ingênuo ao ponto de dizer que a partir da Reforma Protestante o ato de missionar tornou-se impoluto. Não. De forma alguma. Muitos problemas acompanharam e ainda acompanham os missionários e as missões, e são transportados ao povo alvo daquela missão junto com a santa mensagem de Salvação que o Senhor nos mandou levar ao mundo inteiro.

O que estou tentando mostrar é que o mal de um missionar feito a partir de uma igreja imperial tornou-se, pelo menos, mais simples. Os missionários perderam a obrigação de levar também os interesses do grupo que os enviava.

Não há dúvida que o anúncio do Evangelho pressupõe um mínimo de anúncio de valores típicos da cultura na qual ele manifestou-se e da integridade da cosmovisão bíblica do que é o homem e de quem é Deus. Porém, não pode ser acompanhado de segundas intenções de dominação daquele território ou das riquezas contidas nele.

Porém, graças Deus, hoje após a Reforma Protestante a luta do missionar é levar o Evangelho, simples como ele é e como deve ser anunciado, ao homem como um todo. Os missionários após exaustivo treinamento teológico, cultural, lingüístico, sociológico – e do que necessário – visando a conseguirem distinguir cada vez mais os conteúdos humanos e divinos da santa mensagem.

As agências e organizações missionárias pesquisam e buscam informações sobre os povos e etnias, suas línguas e costumes a fim de atingir do melhor modo possível os que ainda não possuem a Bíblia em seu idioma.

A Reforma Protestante fez ressurgir o espírito missionário dos primórdios da Igreja.
Nós, como igreja local, devemos nos imbuir desse espírito e buscar do Senhor seu plano de ação missionária para a nossa igreja.

Oremos, pedindo-lhe instrução, capacitação e direção e, se necessário, correção.

Rev. Fôlton Nogueira
Rev. Marcos Agripino

sábado, 20 de outubro de 2007

Uma "fé razoável"

A mesma razão - nossa principal diferença dos animais, que, aliás, chamamos de irracionais, por serem desprovidos de razão - pode ser exercida de dois modos diferentes se considerarmos parte das informações que recebemos ou a totalidade delas.

Quando consideramos parte, nos limitamos àquilo que atinge nossos sentidos, ou que possa ser repetido, deliberadamente sob condições controladas, de qual repetição possamos extrair conclusões mesmo que não atinjam nossos sentidos.

Quando consideramos o total, levamos em conta que o mundo em que vivemos foi criado e quem o criou não está sujeito a ele. Além dos processos repetitivos, dos quais extraímos conhecimento, há possibilidades infinitas de intervenção do Criador em qualquer coisa que ele tenha criado.

Tais intervenções, como fogem da rotina de causa e efeito, são vulgarmente chamadas de milagres. Entretanto, se chamamos de milagre algo que ocorre esporadicamente, mas foi feito pelo Criador, por que não chamamos de milagres ao que ocorre dia-a-dia, e que igualmente foi feito por ele?

Semeamos três grãos. Deles nascem várias espigas com muitos grãos dos quais podemos fazer muitos pães. A essa multiplicação, que se repete, chamamos de ação natural.

Nosso Senhor, o Criador habitando conosco, tomou 5 pães e os multiplicou. Ele queimou etapas. Não semeou. Não colheu. Não os panificou. Porém os multiplicou como sempre faz. Não devemos ver a presença do Criador apenas no segundo evento. Ele está presente também no primeiro. É por causa dele que há germinação de tudo o que é plantado.

Repare bem que sobre os dois processos, podemos igualmente arrazoar, e apenas quando consideramos os dois sob uma mesma perspectiva é que aprendemos mais. Do primeiro podemos aprender o mecanismo mediante o qual as sementes se multiplicam. Do segundo podemos aprender o porque delas se multiplicarem.

Este é o limite de quem usa a razão apenas sobre parte das informações de que dispõe: jamais fica sabendo o porque!

Nosso Senhor e Mestre sempre usou a razão. Há muitos contextos em que ela aparece nitidamente. Porém, um contexto surpreendente ocorre quando ele quis incentivar seus discípulos a terem fé.

Você se lembra? Ele mandou que arrazoassem como o Criador cuida de coisas insignificantes e concluiu: se o Pai cuida dos pássaros e das flores, não cuidaria deles também?

Isaías, no Antigo Testamento, já convidava: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã.” (Is 1.18)

Paulo, no Novo Testamento, pregava o evangelho assim: “Tendo passado por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras, expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio.” (At 17.1-3)

Assim também somos obrigados cultivar a fé daqueles que ainda estão se iniciando nela: “Quanto aos moços, de igual modo, exorta-os para que, em todas as coisas, sejam criteriosos.” (Tt 2.6).

De igual modo devemos tratar os que são maduros na fé: “Ora, o fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações.” (1Pe 4.7).

Essa abordagem da fé, via razão, parece hoje em dia algo fora de propósito, pois para muitos a fé se opõe a razão. Isso não é verdade. A fé vem do entender (raciocinar, exercer a razão) as Promessas e o Poder do Criador. É impossível uma fé sadia sem o exercício da razão naquilo que o Criador revelou sobre si mesmo.

“Não pense! Creia!” É o que mais se ouve a título de Evangelho. É o que menos respeita a mensagem do Evangelho, que hoje pode ser ouvida em poucos lugares.

Necessitamos viver mais comprometidamente com os valores cristãos. Necessitamos falar cada vez mais que “Deus não é Deus de confusão”. Ou como já disse a muito tempo John Stott: Crer é também pensar.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Os ímpios não são assim

Por ser feliz ele não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores.

Mas os ímpios não são assim: Pelo contrário, aconselham-se e seguem seus próprios “macetes”. Não apenas imitam a conduta dos pecadores como isolam quem não segue a moda que eles mesmos ditam. E com prazer assentam-se em roda para rir e contar como com esperteza saíram ganhando.


Sua satisfação é contemplar a riqueza da lei do Senhor e deleitar-se em sua doçura. À cada acontecimento, seja de dia, seja de noite, ele a compara, e dela aprende como agir em cada caso.

Mas os ímpios não são assim: Geralmente não querem saber de leis. Menos ainda da lei do Senhor. E se à cada acontecimento comparam algum tipo de lei o fazem procurando um meio de contorná-la e tirar proveito do acontecido.


Como a uma árvore plantada junto a um rio - que se mantém frondosa e na ocasião própria fica carregada de frutos - a ele todos procuram. E os que o procuram são revigorados pelo sabor de suas palavras e pelo frescor de sua companhia. Sempre há proveito naquilo em que se empenha.

Mas os ímpios não são assim: São como palha que o vento leva. Sempre inconstantes, levados por todas as dicas, imitam todos os modismos. E tão logo ouvem um falastrão gabando-se e escarnecendo de algo, mudam de opinião e seguem aquele novo vento. Nunca se pode aproveitar o que deles sai. Pelo contrário eles é que se aproveitam dos incautos que se aproximam.

Por serem como palha, os ímpios jamais resistirão ao julgamento daquele que é “fogo consumidor”. Porém finalmente compreenderão sua lei. Por serem como palha, os ímpios também não resistem as dificuldades inerentes ao ajuntamento dos justos: daqueles que se preocupam em como viver a lei do Senhor.

E, por todas essas razões o Senhor envolve-se com os justos em todos os seus caminhos ao ponto de conhecer intimamente seus passos. Mas o caminho dos ímpios não é assim: É como trilha que se perde no varrer do vento e desaparece no desprezo do Senhor.

sábado, 6 de outubro de 2007

Mães que jogam seus filhos no lixo

Em um período de mais ou menos um ano fomos estarrecidos pela notícia de duas mães que jogaram seus filhos na água. Uma em uma lagoa e outra em um verdadeiro esgoto.

Eventualmente poderíamos compará-las a Joquebede que, às águas confiou seu pequeno Moisés. Mas teríamos dificuldade em manter a comparação, pois esta além de colocá-lo em um pequeno cesto que flutuava, confiou na vigilância atenta de sua filha Miriam visando a salvação do pequeno. Mas aquelas além de colocá-los em sacos de lixo esperavam ficar livres de um incômodo.

Talvez, como a aversão que Amnon sentiu por Tamar (maior do que o desejo que o levou a forçá-la), a aversão que elas sentiram pelo fruto de seus ventres passou a ser maior do que o desejo que as levara a concebê-lo.

Doença, dizem alguns. Talvez. Porém podemos dizer com certeza? Quantas doentes sentiram vontade de matar o filho que deram à luz e não o fizeram?

Há alguns anos uma jovem mãe insistiu que eu orasse com ela: “Estou endemoninhada pastor”. Insistia mais. “Não tenho paciência com minha filha, e, de vez enquanto, me pego pensando em como matar meu bebê”. E concluiu: “Tem de ser demônio”.

De nada adiantaram minhas tentativas de explicar o que era depressão pós-parto e quais seus efeitos. Ela insistia em dizer-se endemoninhada. Chegou a contar a todos da Igreja os terríveis sentimentos que escondia desde o primeiro parto, só para avisá-los que eu tinha recusado “exorcizá-la”.

A loucura dessas duas, que jogaram seus filhos no lixo, não é característica exclusiva de nossos dias. Sabemos disso pela própria Bíblia. Você está lembrado do que aconteceu quando a Síria cercou a Samaria? Releia:

Algum tempo depois, Ben-Hadade, rei da Síria, mobilizou todo o seu exército e cercou Samaria. O cerco durou tanto e causou tamanha fome que uma cabeça de jumento chegou a valer oitenta peças de prata, e uma caneca de esterco de pomba, cinco peças de prata.

Um dia, quando o rei de Israel inspecionava os muros da cidade, uma mulher gritou para ele: “Socorro, majestade!” O rei respondeu: “Se o SENHOR não a socorrer, como poderei ajudá-la?

Acaso há trigo na eira ou vinho no tanque de prensar uvas?” Contudo ele perguntou: “Qual é o problema?”

Ela respondeu: “Esta mulher me disse: ‘Vamos comer o seu filho hoje, e amanhã comeremos o meu’. Então cozinhamos o meu filho e o comemos. No dia seguinte eu disse a ela que era a vez de comermos o seu filho, mas ela o havia escondido”. Quando o rei ouviu as palavras da mulher, rasgou as próprias vestes. 2Re 6.24-30

Entretanto, esse tipo de coisa é tão desnatural que o SENHOR através do profeta Isaías pergunta: “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Pode uma mulher não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? Mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria jamais” Is 49.15.

Deus não se esquece de nós!

Mas repare bem: Se nos indignamos com o que aconteceu não é o caso de nos indignarmos também contra quem faz a mesma coisa a filhos mais novos? Qual é a diferença entre matá-los depois que saem do útero e de matá-los dentro dele? Não estão igualmente vivos? Não terão por destino as águas poluídas de algum esgoto?

Pensando um pouco mais: Quem comete maior pecado? Quem, abortando, priva seu filho do “nascimento”? Quem provoca um parto e depois joga seu filho nas águas sujas de um esgoto?

Ou, ainda, quem, depois de um parto abençoado por Deus, e acompanhado com alegria pela família, expõe seu filho a um ambiente cuja poluição não é para se comparar à poluição das águas do mais pútrido esgoto, já que infecta não apenas o corpo mas o espírito da criança?

Por colostro essas crianças tiveram as águas imundas dos esgotos. Quantas por “colostro espiritual” recebem as influências mais infames do pecado?

“... se meu pai e minha mãe me desampararem, o SENHOR me acolherá” (Sl 27.10). O SENHOR não se esquece de nós!

Afinal, além de nos ter feito, nos chamou à luz com dores superiores às de uma mãe. Nosso nascimento custou-lhe a separação de seu amado Filho. Nossa vida custou-lhe amaldiçoar aquele a quem eternamente gerou.

Mesmo que vivamos em uma época em que se torne comum as mães jogarem seus filhos no lixo, o SENHOR jamais nos abandonará.

sábado, 22 de setembro de 2007

O papel dos porcos na vida de oração

Enquanto olhava os porcos comendo aquelas vagens sem sabor ele se lembrava de quando podia comer os pratos mais saborosos acompanhado das melhores companhias que o dinheiro podia atrair ou comprar.

A fome sentida era tão intensa que as alfarrobas pareciam apetitosas, ou pelo menos a voracidade com que os porcos as comiam dava essa impressão. Mas ele não podia come-las também. O patrão pagava muito por uma porção delas.
Provavelmente a algazarra do chiqueiro lhe tenha lembrado a algazarra que os servos de seu pai faziam no galpão em que ele raramente ia.

- Que qu’eu to fazendo aqui? Na casa de meu pai até os servos tem pão com fartura e eu aqui não posso comer a comida dos porcos? Vou-me embora! Vou pedir perdão a meu pai e me vender como escravo. Pelo menos a fome eu mato.

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Geralmente, como desculpa, ouço argumentos assim: “Se Deus sabe de todas as coisas para que orar?”

Adianta muito pouco dizer: oramos porque Deus nos manda orar e pronto. Embora isso seja verdade, essa resposta nos priva de uma grande lição sobre Deus e sobre nós mesmos.

Você já parou para pensar por que razão o pai deixou seu filho sair de casa? Está lembrado? Não há sequer uma tentativa de dissuadi-lo. O filho pede sua parte na herança e, sem discutir, o pai reparte seus bens. O filho transforma tudo em dinheiro e vai para uma terra distante e o pai permaneceu calado.

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Pelo caminho de volta o filho vem ensaiando a desculpa que daria ao pai. Tinha de ser boa. Precisava prometer algo que pudesse cumprir, pois o que ele havia feito era o mesmo que considerar morto seu pai.

A distância era tão grande que ele teve tempo de preparar mais do que uma desculpa. Ele preparou uma súplica: Pequei. Não sou digno. Aceita-me como um escravo.
Se o pai não o tivesse deixado na situação de desejar comer a comida dos porcos, ele jamais faria essa oração.

Essa oração demonstra que ele aprendeu a se conhecer. Nela ele confessa que havia afrontado o pai, que havia se tornado indigno de ser seu filho e que valia menos do que um escravo.

Essa oração demonstra também que ele aprendeu a conhecer o pai, pois apesar de tê-lo afrontado ele sabia que seu pai era misericordioso. Misericordioso até com os escravos.

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O maior beneficiado com nossas orações não é Deus. Ele não precisa nem gosta de bajulação. E ao contrário do que esses doidos de plantão afirmam, ele não está carente e sequer precisa de elogios.

Nós mesmos somos os maiores beneficiados com nossas próprias orações. Uma oração sincera é produto de um coração aberto. Uma oração verdadeira só é dita por quem conhece seu próprio estado e ao mesmo tempo confia na misericórdia de Deus: o pai.

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Resta-nos pensar: “será que Deus terá de permitir que eu, na minha insensatez, chegue a situação de desejar a comida dos chiqueiros para então aprender a orar”?

Não seja esse nosso destino.

sábado, 15 de setembro de 2007

No vale da sombra da morte

Ao referir-se ao vale da sombra da morte, Davi poderia estar falando de um lugar qualquer, famoso por sua periculosidade. Há quem pense que ele falava da estrada que liga Jerusalém a Jericó.

Conhecida como "Ladeira do Sangue", essa estrada era um caminho sinuoso e íngreme, que descia 1200 metros em apenas 27 quilômetros, com muitos vales estreitos de cujos lados, em cavernas escavadas, malfeitores espreitavam e emboscavam os viajantes. Foi o cenário que o Senhor usou na Parábola do Bom Samaritano.

Hoje, distante do deserto da Judéia, o vale da sombra da morte pode representar nossas aflições mais graves. Quantas vezes já passamos por esse vale ou vimos um de nossos queridos passar? Tantas vezes quantas a morte nos fez sombra.

Ao nos aproximamos desse vale, nosso primeiro sentimento ainda continua sendo o medo. Porém a visão do cajado - com que o Bom Pastor nos puxa para junto de si - e a visão de seu bordão - com que ele coloca os agressores em fuga - nos acalma.

No vale da sombra da morte é que aprendemos de fato a conhecer o Bom Pastor e o que ele pode fazer. Ele nunca fica longe de nós. Mas, apenas o terror que aquele lugar nos infunde, faz com que sintamos mais vividamente sua presença protetora. Dificilmente poderíamos dizer "não temerei mal algum, porque tu estás comigo" se já não tivéssemos alguma vez em nossa vida passado por esse vale.

O vale da sombra da morte fica antes dos pastos verdes e das águas tranqüilas às quais o Bom Pastor nos leva. Ele até poderia usar outro caminho, mas o que passa por esse vale terrível faz com que valorizemos mais o destino a que somos levados.

O vale da sombra da morte torna a maior bênção que uma ovelha recebe do Bom Pastor se, como Jó, ao sair dele, ela possa dizer: “...meus olhos agora te vêem”. E, tenha certeza: o vale da sombra da morte é uma passagem obrigatória para toda ovelha do Bom Pastor. Às vezes, a passos curtos, ele nos parece longo. Às vezes o vencemos correndo. Porém, dificilmente passamos por ele apenas uma vez. Ele é o caminho rotineiro dos que precisam aprender a permanecer bem juntos do Bom Pastor.

Não nos assustemos com o vale da sombra da morte se estivermos nele agora. Ao contrário, extraiamos dele todos as lições possíveis - mesmo que fiquemos exaustos - pois, ao sairmos, encontraremos refrigério para nossas almas e uma mesa posta.

sábado, 8 de setembro de 2007

Simplicidade

Caim estava abatido. O texto bíblico diz que suas feições estavam deformadas: caídas. Afinal ele tinha se esforçado: Havia preparado o terreno. Plantara. Cuidara. Colhera. Separara e levara as primícias de seu suor. Mas sua oferta fora rejeitada! Por quê?

Por que a de seu irmão foi aceita. Ele pouco fez. Sequer teve o trabalho de carregá-la!

*

Naamã estava furioso. Havia retirado seus exércitos de Israel devido a um acordo vantajoso para a Síria e agora voltava humilde, guiado pela informação de uma menina escrava, esperando ser curado de sua lepra. Trouxera consigo uma carta de seu rei endereçada ao rei de Israel, 350 quilos de prata, 700 quilos de ouro, 10 roupas de festa e Eliseu sequer o recebeu. Enviou um mensageiro dizendo que se banhasse no Jordão.

*

Esses dois exemplos bíblicos, de muitos que poderiam ser dados, ilustram bem um sentimento comum a todos os homens: só valorizamos o que nos custa.

Pouco nos adianta hoje o ajuntamento de 2 ou 3 – ao qual o Senhor garantiu estar presente – pois nossa atenção estará sempre no ajuntamento de 3 mil.

Não nos interessa mais a oração feita no silêncio. Ela será melhor e “mais poderosa” se for feita aos berros, de preferência amplificada por enormes caixas de som.

Não nos interessa mais a oração simples. Ela terá de ser repetida, se possível muitas vezes – como elos de uma corrente – formando uma versão evangélica da novena romana. Melhor se for feita em uma língua que ninguém entenda – nem mesmo quem a falar – e melhor ainda se for muito comprida.

Não nos interessa mais as ordens claras do Senhor: “quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” Mt 6.6-7.

Não nos interessa mais a prescrição de sua Palavra: “Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras. Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias” Ec 5.1-3.

Correntes, línguas, repetições, gritaria ... o que mais? Rolar no chão? Já é feito há muito tempo!

*

Em sua fúria Naamã ameaçou voltar leproso para casa. Seus oficiais então lhe perguntaram: se fosse algo mais difícil o senhor não faria?

Acho que é isso. Agora só nos interessamos pelo o que é difícil.

Agora o que nos interessa são reuniões muito programadas. As vigílias e os jejuns. Os votos embaraçadores. A espoliação dos bens e estelionato disfarçado de piedade.

O abandonar-se nos braços do Pai, como criança nos braços de sua mãe, a confiança, apenas e tão somente, em quem ouve as orações agora consideramos pouca coisa.

É como se precisássemos dar uma ajudinha a Deus, e atrair sua presença às nossas reuniões ou despertar seu interesse em ouvir nossas orações.

Já vi orações serem comparadas a flechas, que quanto mais se estica o arco mais ela sobe, e, portanto quanto maior for o fervor com que a oração for feita maior será sua eficácia diante de Deus.

“E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos” Mt 6.7.

Que Deus tenha misericórdia de nós!

sábado, 1 de setembro de 2007

A Aliança e a família

Sobre mesa estava um cordeiro inteiro, assado no espeto. Uma cesta de pães asmos, uma travessa com ervas amargas, uma tigela com água salgada, outra com uma espécie de geléia de frutas e alguns cálices de vinho.

Ao redor da mesa a família esperava que a criança mais nova perguntasse o que era aquilo, pois sua pergunta iniciaria um ritual familiar em que a recordação do que celebravam era tão importante quanto a confraternização em si.

Era a celebração da Páscoa.

Feita a pergunta, a mãe tirava tudo o que estava sobre a mesa, e o pai - sem a comida para distrair as atenções - passava a contar a história do povo Judeu de modo que a criança que perguntou pudesse entender.

Textos como o de Êxodo 13 ou de Deuteronômio 26 e alguns salmos, inspiraram tal rito, que visava cumprir a promessa cantada no Salmo 78:3-4: "O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a nossos filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas que fez".

Depois de contada a história - ainda que resumidamente, mas sem esconder nenhum erro cometido pelos antepassados, e sem deixar de mostrar o quanto o Senhor tinha sido misericordioso com seu povo - as comidas eram trazidas de volta.

Com a água salgada relembravam as lágrimas derramadas no Egito e com as ervas amargas, a vida difícil e amarga que levavam lá. A geléia, quase líquida, relembrava a dificuldade da principal ocupação deles: fazer tijolos de uma terra arenosa. E os pães asmos relembravam a pressa com que saíram de lá sem tempo de esperar a fermentação a massa.

Entre uma comida e outra o vinho deveria lembrar que, daquelas dificuldades, o SENHOR os livrou. E, a cada cálice, orações de gratidão eram elevadas a Deus.

Por fim, o cordeiro mostrava que foram salvos porque uma vítima sem culpa ficou no lugar deles.

Eu nunca conseguiria, por mais que tentasse, exagerar a importância dessa celebração familiar para o povo de Deus. A família estava reunida relembrando o que Deus fez por eles desde seus antepassados. Isso os vinculava a muitas gerações anteriores: os vinculava a Moisés. Aliás, uma das frases que o pai deveria usar era: "... o SENHOR me fez, quando saí do Egito" (Ex 13.8).

Desse rito elaborado o Senhor Jesus separou o pão e o vinho e instituiu a Santa Ceia, com valor sacramental, para que a família maior - a Igreja - fosse obrigada a relembrar o passado, em sua morte, mantivesse a esperança do futuro até sua volta.

Deveríamos fazer rememorações semelhantes em nossas famílias menores. E, com esse mesmo sentimento, nossos filhos deveriam ser lembrados de seus antepassados e do que Deus lhes fez.

Porém, se já não recordamos mais do que Deus fez a nossos avós ou a nossos pais, e, até mesmo, o que ele nos fez há 10 anos atrás, como ensinaremos a nossos filhos os privilégios que eles têm como filhos da aliança?

Não é de admirar que seu ponto de referência seja o futuro. Um futuro incerto e mutável. Tão mutável quanto a moda ou as tecnologias que hoje nascem e amanhã desaparecem.

É natural esperar da geração vindoura um passo a frente da nossa. Sempre foi assim. Se dissermos que a aliança que temos com Deus é importante, mas não ligarmos para as conseqüências de desrespeitá-la, acaso nossos filhos a respeitarão também?

Uma refeição comum. Entretanto, recheada de memórias do que o SENHOR fez, e coberta por promessas daquilo que ele fará.

Não precisa ter o valor sacramental - aliás não deve pois isto é prerrogativa da refeição que tomamos na Igreja - mas precisa ser feita.

Por amor a nossas famílias precisa ser feita.

sábado, 25 de agosto de 2007

Quadro de referências

Nenhum de nós está isento de um quadro de referências. Nenhum de nós pensa ou fala qualquer coisa que já não tenha sido pensada ou falada. Os estudiosos desse fenômeno dizem que nenhum de nós possui a “fala de Adão”. Ou seja: a primeira fala. Porém, nem Adão falou de si mesmo. Falou do que aprendeu do Criador.

Entretanto esse não é o problema em si. O problema está nas fontes em que bebemos aquilo que repetimos. A isso chamamos de “quadro de referências”.

Quem tem por referência um conceito materialista da vida, dificilmente produzirá algo que supere esse nível. Quem foi criado em um ambiente torpe dificilmente se expressará com graça e sobriedade.

Não estou desprezando as qualidades inatas com que a Graça Comum nos afeta, muito menos a ação irresistível do Espírito Santo. Mas isso se dá a despeito do quadro de referências a que fomos expostos.

Não foi por acaso que Deus preparou a cultura em que se revelou. Tudo o que ele nos mostrou de si próprio e de seu modo de agir precisa ser compreendido dentro deste quadro de referências. Por exemplo: Ele usa a paternidade para falar de si: Chama-se de Pai. Porém não se referiu a paternidade conhecida pelos romanos, muito menos a que conhecemos hoje, mas a que era conhecida pelos judeus. Especificamente a que é retratada no Pai da parábola do Filho Pródigo.

Recentemente, do púlpito, um pregador exortava uma igreja a ser responsável, com a seguinte frase: “como disse o Homem-aranha: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Seu quadro de referências é uma história altamente ficcional, para não dizer mentira e engodo.

Nossa Confissão de Fé nos ensina logo em seu Primeiro Capítulo: “... para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo.”

Você reparou?

Primeiramente, as razões, pelas quais, Deus serviu-se da escrita: Preservação da verdade e segurança da Igreja. Em segundo lugar: os antigos modos de Deus revelar sua vontade cessaram.

Será que todos concordamos com isso? Não acredito. Minha experiência diz que poucos concordam (embora muitos tenham jurado diante de Deus e da Igreja defender esta Confissão).

Queremos ouvir, tocar e ver. Porém nunca através de um livro. Como Tomé preferimos perder a bem-aventurança de crer sem ver, mas queremos ver e pegar. E achamos que isso é nobre!

Infelizmente, o quadro de referências em que a maioria de nós foi criado e no qual vive e se expressa, privilegia tais experiências – mesmo que possam ser fraude ou engano – em detrimento da verdadeira Palavra de Deus da qual temos a segurança de ser verdadeira.

Preferimos o risco de um “cipoal de revelações” – na maioria das vezes completamente estapafúrdias, sem sentido, e até contrárias umas às outras – em detrimento da segurança do que Deus mesmo fez escrever com a promessa de ser capaz de dividir nossos pensamentos das nossas intenções e nos ensinar tanto sobre sua vontade quanto sobre nós mesmos.

Tão profunda e atual é sua Palavra que, mais do que a lermos, nós podemos nos ler através dela, mas preferimos receber as coisas prontas e simplesmente engolir, pois outra característica de nosso quadro de referências é não pensar muito. Apenas ver e ouvir.

De todas as coisas vivas se espera algum progresso com o passar do tempo. Dos cristãos hebreus era esperado que, atendendo ao tempo decorrido, fossem mestres. Mas eles ainda se ocupavam com princípios tão básicos que se pareceriam hoje com vestibulandos que não sabem a tabuada.

O quadro de referência deles não era muito diferente do nosso.

Deus tenha misericórdia de nós.

sábado, 18 de agosto de 2007

Presumir

Presumindo que a promessa de Deus demorava, Sara tomou sua escrava e a deu a Abraão, para que, por meio dela, Abraão tivesse seu descendente. Porém, a promessa de Deus tinha sido feita à família verdadeira.

Presumindo que Moisés não voltaria do Monte Sinai, o povo convenceu Arão a fazer um bezerro de ouro ao redor do qual passaram a celebrar a saída do Egito, embora o Senhor tenha deixado claro que fora ele quem os libertou e determinado que esperassem o retorno de Moisés.

Presumindo que, aceitando o holocausto oferecido por seu pai, Deus aceitaria também o que fizessem, Nadabe e Abiú, se atreveram a chegar perante Deus e com outro fogo diferente do que Deus havia acendido no altar ao aceitar o holocausto, embora Deus tivesse deixado claras suas tarefas.

Presumindo que Samuel não chegaria antes que o povo fosse embora – pois já o esperavam há dias – Saul tomou a iniciativa de oferecer holocausto, embora Deus tivesse deixado claro que isso era função exclusiva de seus sacerdotes.

Presumindo-se dono de seu destino, o homem rico da Parábola que o Senhor disse, depois de uma boa safra, decidiu fazer novos celeiros e tranqüilizou sua alma dizendo-lhe: “tens muito em depósito: come, bebe, regala-te”, sem saber que naquela noite sua alma seria pedida.

Presumindo que o pai demoraria a morrer, e sua parte na herança não seria bem aproveitada, o irmão caçula pediu-lhe o adiantamento da partilha, sem considerar que ao gastá-la viria a desejar comer a comida dos porcos e não o permitiriam.

Presumindo que seu Senhor demoraria o “servo infiel” passou a espancar seus companheiros e a comer e a beber com ébrios, embora o Senhor lhe tivesse ordenado que vigiasse.

*

De quantos exemplos ainda precisaremos? Será que não fazemos coisas semelhantes?

Qual Sara, nunca presumimos que as promessas do Senhor carecem de nossa ajuda? Você já reparou como já chegamos a inventar novos textos bíblicos para justificar esse tipo de atitude. Você já deve ter ouvido “faça a tua parte e eu te ajudarei” ou “a bênção dá a quem pede” (sic).

Porventura, nunca adoramos bezerros de ouro ou acendemos fogo estranho diante do Senhor para agradar um povo impaciente de novidades?

Ou nunca decidimos que é melhor contribuir em outro lugar, pois “aqui, meu dinheiro está sendo mal empregado”?

Quantas vezes encontramos mais paz no saldo do extrato bancário do que na Bíblia?

Quantas vezes planejamos nossa vida como se o Senhor nunca fosse nos pedir contas de como administramos aquilo que ele nos confiou?

Dentre as muitas origens dos pecados de cada dia aqui está uma delas: Presumir.

*

Tomamos em nossas mãos as rédeas de nossas vidas, da Igreja e até do culto ao Senhor.

Curiosamente, este pecado, cada dia, é menos notado e odiado – algumas vezes chega a ser considerado virtude – por uma sociedade ávida de resultados.

Hoje, Sara seria elogiada como esposa abnegada. Já escutei sermões elogiando o amor de Sara por Abraão.

Hoje, Saul seria visto como herói. E se você examinar o caso sob a ótica moderna concluirá que ele é um bom modelo de líder: não perdeu a oportunidade ao ver o povo reunido.

Hoje, Arão seria visto como atento às necessidades do povo e preocupado com um culto relevante às massas sedentas.

Entre nós não deve ser assim, Ao contrário “portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” 1Pe 1.17-19.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Em nossos dias

Um dos grandes malefícios que o chamado “Evangelho da Prosperidade” trouxe às verdadeiras Igrejas foi a vergonha ou, pelo menos, o escrúpulo em se falar de questões financeiras.

Eu mesmo tenho grande cuidado em abordar o assunto, pois, via de regra, ele é mal entendido e, especialmente, mal praticado.

Por mal entendido, quero dizer que a Igreja muitas vezes vê a prosperidade como atestado de boa conduta. Ou seja: fulano é próspero porque ele é temente a Deus. Entretanto conheço muitos tementes a Deus que não são prósperos (materialmente falando).

Por mal praticado, quero dizer que muitos membros ainda crêem que a prosperidade é conseqüência de uma relação comercial com Deus. Ou seja: fulano é próspero porque é fiel na entrega de seus dízimos e ofertas. Entretanto conheço muitas pessoas que são fiéis na entrega de seus dízimos e ofertas e não são prósperos (materialmente falando).

Como resolver, ou entender isso?

Não podemos esquecer que a prosperidade, ou o sucesso material, é objeto dos ensinamentos bíblicos, e destaca-se na história do Povo de Deus.

Deus serviu-se da pobreza, ou da riqueza, para conduzir seu povo. Por que razão Jacó e seus filhos, os patriarcas da Antiga Aliança, foram para no Egito? Pela pobreza.

Por que razão Salomão esqueceu-se de Deus? Pela riqueza que possibilitou-lhe levar uma vida dissoluta.

Nos dias antigos era comum, e até incentivado, pedir-se a Deus prosperidade.

Se você observar a oração que Salomão faz quando o templo é dedicado, verá que grande parte dela refere-se a prosperidade. Ele fala de más colheitas, de pragas nas lavouras, de climas adversos, e pede a Deus que abençoe a todo aquele que, premido por tal situação, recorra ao Senhor desde o templo que lhe estava sendo consagrado.

Em um Salmo (144), Davi ora assim:

“Que nossos filhos sejam, na sua mocidade, como plantas viçosas, e nossas filhas, como pedras angulares, lavradas como colunas de palácio;

Que transbordem os nossos celeiros, atulhados de toda sorte de provisões;

Que os nossos rebanhos produzam a milhares e a dezenas de milhares, em nossos campos;

Que as nossas vacas andem pejadas, não lhes haja rotura, nem mau sucesso;

Nem haja gritos de lamento em nossas praças”.

Em nossos dias, embora todos dependam do fruto da terra, poucos trabalham diretamente com ele. A maioria de nós recebe o que a terra produz através do salário que ganha.

Os celeiros de nossos antepassados, são as poupanças e as “previdências” de hoje. Seus rebanhos são as mercadorias que os comerciantes vendem, ou o serviço que os profissionais liberais prestam, ou, ainda, o tempo pelo qual os operários braçais são contratados.

Mas a súplica permanece a mesma: que nada disso seja fonte de lamento. Ao contrário: fonte de bênção para nosso progresso e progresso de nossos filhos e filhas.

Portanto não é errado pedir a Deus prosperidade. Ao contrário: devemos pedir que ele abençoe as obras de nossas mãos. Errado é lutar por ela mais do que o Senhor nos permite. Errado é trocar a prosperidade da alma pela prosperidade do bolso.

Entendendo isso poderemos dizer como João disse a Gaio: “Amado, acima de tudo, faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma” (3Jo 1.2).

sábado, 4 de agosto de 2007

Idolatria e culto


Eu tinha 9 ou 10 anos quando vi, pela primeira vez, esta figura. Fiquei chocado. As feições destes homens me impressionaram, mas especialmente a de Moisés, que, tomado pela ira, castigava o povo pela idolatria.

Neste desenho Gustave Doré tenta representar Ex 32.19 quando Moisés recebeu de Deus as primeiras tábuas de pedra com os 10 mandamentos, e encontrou o povo dançando ao redor do bezerro de ouro.

Eu não sabia como combinar este tipo de atitude irada, com o que me ensinavam sobre a conduta de alguém temente a Deus. Mas o texto era claro. Moisés estava irado ao ponto de quebrar o único exemplar de algo escrito diretamente por Deus e depois determinar a morte de cerca de 3 mil homens.

Quando eu perguntava a alguém as explicações eram semelhantes: “isso era próprio do Antigo Testamento, mas agora é diferente”.

No Seminário, com melhores ferramentas de interpretação, foi que percebi a falácia dessas explicações, pois há um evento semelhante no Novo Testamento: Cristo purificando o templo.
Tal qual Moisés, Jesus irou-se também. Veja o relato de João: Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os seus discípulos de que está escrito: O zelo da tua casa me consumirá. (Jo 2.13-17 )

O que há de comum entre os dois casos é a idolatria associada ao culto. No Sinai, impacientes com a demora de Moisés fizeram um Deus segundo bem entendiam e de acordo com sua própria idéia do que Deus era. No templo aproveitavam-se do culto estabelecido por Deus para lucrar.

São duas das muitas faces que a idolatria tem. E são as mais visíveis hoje: os que inventam cultos à seu bel-prazer e os que se aproveitam da credulidade dos que pensam adorar a Deus.
Moisés não tolerou no Sinai, nem Cristo no templo. Nos dois casos a ira santa do Senhor puniu os idolatras, ele mesmo diz: “não tolero iniqüidade associada a ajuntamento solene”

Que tal nunca nos aconteça.

sábado, 28 de julho de 2007

Atendendo ao tempo decorrido

De todas as coisas vivas se espera algum progresso com o passar do tempo. De uma planta se espera crescimento, folhagem e frutos. De um bebê se espera desenvolvimento físico e intelectual, crescimento, maturidade. Dos cristãos hebreus era esperado que, atendendo ao tempo decorrido, fossem mestres.

Curiosamente era esperado que fossem mestres nos assuntos concernentes ao sacerdócio de Jesus. Afinal tudo indica que eles tinham sido, no passado, sacerdotes no templo que tipificava o próprio Jesus. Mas eles ainda se ocupavam com princípios tão básicos que hoje se pareceriam com universitários que não sabem a tabuada.

O diagnóstico do escritor da Carta aos Hebreus era: tardios em ouvir. Mas afinal, o que é exatamente alguém tardio em ouvir?

Quando se traduz a Bíblia para qualquer idioma é necessário levar em conta que: 1) Uma só palavra pode ter muitos sentidos. 2) Muitas palavras podem ser nuances de um mesmo sentido.

1. A palavra grega “phroneō” pode ser traduzida por “pensar”, “julgar”, “prestar atenção a”, “fixar a mente em”, ou por “ter opinião”. O núcleo de significado é o mesmo, mas as nuances de significação podem nos levar longe.

2. As palavras gregas “dogma”, “entolē”, “parangelō”, possuem o significado básico de ordem. Porém a primeira significa “ordem escrita”, “decreto” ou “decisão que deve ser cumprida”. A segunda significa primariamente um “mandamento recebido” e a última o “ato de dar ordens”, “mandar”.

A palavra grega traduzida por tardios (disermeneutos) e só ocorre esta única vez em todo o Novo Testamento. Aliás, não só no Novo Testamento, como também na Septuaginta (o Velho testamento traduzido para o grego), nem nos escritos da época. É uma palavra solitária.

Entretanto, nós conhecemos suas partes: dis+hermenêutica. O prefixo “dis” fala de algo que “não acontece” e a palavra “hermenêutica” já é conhecida em nossa língua como a capacidade de entender e interpretar algo. Ou seja eles “desentendiam”.

Então, por conta de uma certa idéia de intensificação presente no texto, traduz-se por “lerdos”, “lentos”, “negligentes”, “difíceis”, “duros”, “tardios”, etc.

Não há paralelo com 2Tm 3.7 (...que aprendem sempre e jamais podem chegar ao conhecimento da verdade), pois os Hebreus já haviam entendido algo. Mas, desidiosos, estavam tão acomodados que, se tivessem aproveitado o tempo, já seriam mestres naquele assunto.

Duas coisas, entretanto, devem ser destacadas:

1) A dificuldade de expor o assunto perdido não estava no escritor, mas em seus leitores que não tinham capacidade de entendê-lo por terem se tornados “disermeneuticos”.

2) O mais triste é que, por essa irresponsabilidade, não apenas eles ficaram privados desse ensino, mas nós também.

Ora, qual não deve ser nossa responsabilidade hoje?

Se naqueles dias, em que o saber era mais estimado, aconteceu essa tragédia, o que está acontecendo hoje? O que será que nossos filhos receberão de nós?

Ávidos por diversão, entretenimento, passa-tempos, besteirol, “non sense”, o que teremos para legar a nossos filhos?

Desesperados atrás de tudo que se auto-proclama revelação divina, que tipo de “bíblia” passaremos a eles?

Voltemos ao bom senso: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes. Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa.” 1Co 15.33-34

domingo, 22 de julho de 2007

Chegou uma carta de Paulo! (Parte 2)

Ainda era cedo, mas a escola de Tirano já estava cheia. Era comum que no Dia do Senhor, o ambiente ficasse repleto, mas hoje estava mais cheio. A notícia da carta se espalhou e desde mais cedo havia um grupo esperando pela leitura dela.

Os presbíteros, juntamente com Tíquico, já a haviam lido durante a semana, e alguns assuntos já eram conhecidos. Dizia-se que ele falava bastante sobre família. A expectativa era grande.

Não me lembro de tudo, é claro, mas fiquei com algumas impressões muito fortes sobre o que ouvi.

A carta parecia mais uma oração.

Cada assunto que era abordado por ele, era concluído com uma oração. A própria carta já começava com uma oração em que ele agradecia por termos sido eleitos por Deus Pai, redimidos pelo Senhor Jesus e selados pelo Espírito Santo. Só então pede pela Igreja. Mas, ainda não entendi bem o que ele quis dizer com: “iluminados os olhos do coração”.

Seu primeiro assunto é garantir que fomos reconciliados com Deus e com o povo dele mediante a obra do Senhor Jesus e nos tornamos portadores dos mistérios de Deus – eu nunca havia pensado que a Igreja era tão importante assim – e em seguida faz outra oração.

Mas acho que o assunto que mais chamou a atenção de todos foi o que ele mesmo chamou de “andar de modo digno do chamado de Deus”.

Primeiro ele expôs a importância de nossos presbíteros: eles são obrigados por Deus a lutar para que deixemos de ser crianças levados de um lado para outro por todo vento de doutrina.

Depois ele disse que devemos lutar para evitar uma vida errada e para ao mesmo tempo nos enchermos do Espírito Santo.

Achei curioso ele ensinar que ficamos cheios do Espírito Santo à medida que nos lembramos sempre das Escrituras, (nem que para isso tenhamos de cantá-las de cor) e que aprendemos a nos submeter uns aos outros.

Achei que algumas coisas que ele exige de nós, só mesmo com ajuda divina, pois é muito difícil.
Por exemplo, uma série de proibições: não furte mais; não diga coisas torpes; não entristeça o Espírito de Deus; não se ache entre vocês nem cobiça, nem pornografia, nem histórias sujas; nem conversas indecentes, brincadeiras maliciosas, não desperdicem o tempo de Deus com futilidades.

Pra falar a verdade, acho que não é apenas aqui em Éfeso que isto é difícil de ser cumprido, mas em todos os lugares.

Mas ele termina de modo incentivador: diz que está a nossa disposição uma verdadeira armadura que podemos usar para fazer frente a esses desafios e outros mais.

Que Deus nos ajude a usá-la bem.

sábado, 14 de julho de 2007

Chegou uma carta de Paulo!

Essa deve ter sido a notícia mais repetida na Igreja de Éfeso naqueles dias.

O último contato que tiveram com Paulo foi quando, voltando para Jerusalém, chamou os presbíteros a se encontrarem na praia de Mileto.

Naquela ocasião ele se despedira certo de que não se encontrariam mais. Exortou a que zelassem pelo rebanho do Senhor que estava naquela cidade e apressado partiu para Jerusalém a fim de comemorar o Pentecostes lá.

Logo depois souberam que ele estava preso em Cesaréia onde aguardava julgamento e dois anos mais tarde que ele tinha sido levado Roma pois apelara para César.

Uma carta agora deveria trazer novidades interessantes.

Paulo era muito querido naquela Igreja. A primeira vez que o viram fora há mais de quinze anos, quando ele voltava apressado de uma viagem à distante Macedônia.

Cerca de três anos depois, voltando de Jerusalém, encontrou em Éfeso seus queridos Priscila e Áquila e um grupo de judeus que pouco sabiam do Evangelho além dos ensinos de João, por quem haviam sido batizados. Então deteve-se por uma estação freqüentando a sinagoga.

Procurando persuadi-los de que o Messias que esperavam já viera não chegaram a bom termo, e Paulo alugou uma escola onde a Igreja firmou-se.

Permaneceu ali por mais de dois anos, e o Evangelho chegou a diversas cidades vizinhas.

A Igreja de Éfeso se desenvolveu muito, chegando a influenciar os costumes da cidade. Os artesãos que viviam da fabricação de miniaturas do templo de Diana – a deusa da cidade – sentiram uma queda nas vendas e revoltaram-se. Houve protestos e gritaria.

Quando foram dispersos pelas autoridade Paulo achou melhor partir: diminuiria os atritos e aproveitaria para visitar as Igrejas que fundara na Macedônia.

Agora chegava uma carta dele trazida por um de seus amigos mais próximos: Tíquico. Que novidades ela traria?

Reunida a Igreja a carta foi lida. A leitura foi rápida, afinal parecia o próprio Paulo falando, mas, os ensinos, as recomendações e as ordens demandariam bastante tempo de reflexão.

Na carta notava-se a preocupação dele com os judeus que insistem em mostrar a Igreja como se fosse uma nova fase do que eles ensinam.

Pelo contrário, Paulo explica como Deus chama, por sua graça a cada um e constitui a Igreja que é o que ele chama de “Noiva de Cristo”.

Sendo a Noiva de Cristo, a família altamente valorizada por Paulo, é algo que deve ser objeto de consideração e estima.

Mas a ele não poderia esquecer de como isso acontece na prática. Então dá ordens aos esposos, aos filhos aos servos e até os líderes da Igreja recebem incumbências específicas de como devem se portar e do que devem fazer.

Termina a carta exortando todos a que levem uma vida mais conforme essa realidade tão impressionante, e que reflita de modo mais claro as implicações do chamado de Deus em Cristo.

Ainda bem que Tíquico ia ficar por uns tempos. Vamos ter muito o que conversar.

sábado, 7 de julho de 2007

Cartas

Você já observou que o Novo Testamento é composto de cartas?

Geralmente o dividimos em Evangelhos, Livro histórico (Atos), Cartas paulinas, Cartas gerais, e Livro profético (Apocalipse). Mas, se você reparar bem, verá que com exceção de Mateus e Marcos todos os demais livros são cartas.

O Evangelho de Lucas e o Livro dos Atos dos Apóstolos formam uma unidade e a introdução de ambos revela tratar-se de cartas de Lucas à Teófilo.

O Evangelho de João, em seu final, revela ter sido escrito, após seleção de sinais, com o propósito de que o leitor venha crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que crendo tenha vida em seu nome. Ou seja: no fundo é uma espécie de carta dirigida a quem a ler.

Quando ao Apocalipse basta se lembrar de que, de início, já é dirigido, como se fosse uma “carta circular”, às Sete Igrejas da então Ásia Menor que hoje é a Turquia.

Há cartas que tratam de um assunto só, e outras que tratam de diversos assuntos. Há cartas pessoais e outras tão gerais que sequer pressupõem um determinado tipo de leitor. Porém todas foram escritas com o propósito de resolver um ou mais problemas de alguém ou de uma Igreja.

Aliás, seria mais correto dizer que todas, sem exceção, objetivam a ensinar a Igreja e a seus membros, os desdobramentos e a aplicação da Lei na dispensação do Evangelho.

Mas me chama mais atenção é o fato de que são cartas. Foram escritas.

Explico melhor.

Quando João percebeu a ameaça do Gnosticismo sobre a Igreja escreveu seu Evangelho mostrando que Jesus era tanto homem quanto Deus.

Quando Judas pensava sobre nossa comum salvação percebeu que deveria escrever algo exortando os salvos a batalharem pela fé que, de uma vez por todas, lhes havia sido dada.

Quando o Concílio de Jerusalém chegou à solução do problema que lhe foi trazido escreveu uma carta que causou conforto e crescimento às Igrejas que a receberam.

Quando Paulo ficou inteirado do que estava acontecendo na Igreja de Corinto escreveu uma carta e ao saber das reações escreveu outra.

Podemos pensar que as distâncias de então é que exigiam essa prática. Concordo. Entretanto, chamo a sua atenção para o fato de que o Cristianismo pauta-se por atribuir o significado “sim” à palavra sim e “não” à palavra não. Ou seja: não há nada que o cristão fale ou a Igreja creia que não possa ser escrito.

Não somos um grupo secreto. Somos o que modernamente chama-se de “transparente”. Ou, pelo menos deveríamos ser. Afinal este é o exemplo (e a ordem) que temos da Palavra de Deus.

Valorizemos mais nossa herança de clareza e sinceridade e não abandonemos nossa riqueza cultural característica de quem escreve e conseqüentemente lê.