sábado, 28 de março de 2009

Dias atípicos

Por vezes os dias passam rotineiramente lentos. Por vezes parecem tão velozes, entre sucessos e infortúnios, que assustam. Como as três últimas semanas.

Alegria foi a tônica do casamento da Maressa em Lajinha. Não poderia ser diferente: Igreja cheia. Aliás, cidade cheia: todos os hotéis lotados e muitos convidados de longe. Adornada pela simplicidade a cerimônia não poderia ser mais bela.

Cheguei de volta pouco depois do meio dia de Domingo e uma hora depois ouvi que o Lairton falecera. Descanso nos pastos verdes e águas tranqüilas do Bom Pastor, dor e saudade no meio dos queridos que com ele sofreram as angústias dos últimos dias.

Uma família já grande foi aumentada pela família da fé, que se despediu com hinos de louvor àquele que o chamou e chamará a cada um de nós no devido tempo.

Durante a semana, enquanto o Misael convalescia, uma verdadeira têmpera de emoções se sucedia: a alegria de um aniversário contrapunha-se a uma visita no hospital, o prazer de receber amigos não vistos há mais de 4 anos contrastava com a dor de ver outros em dificuldades.

Tudo isso sob um mormaço inclemente que inutilizava os ventiladores fazendo-os circular ar quente. A sexta-feira, que já amanheceu quente, trouxe outro tipo de calor: o susto do acidente com o Waguinho.

“Basta a cada dia seu próprio mal”, disse nosso Mestre e Senhor, trazendo a impressão de que para cada dia há um mal determinado. E parecia haver.

No sábado pela manhã chegou a notícia de que D. Margarida caíra. No hospital, à hora do almoço, falava-se de algo mais grave. Mais grave para nós, pois para ela era a voz do Bom Pastor, aos pés de quem ela intercedia por todos nós diariamente. No domingo ela finalmente repousou em seus santos braços.

Quando cheguei do hospital no sábado senti febre. Era sinal de uma dengue que me acompanhou por dez dias e, algumas vezes, me fez pensar em encontrar o Lairton e D. Margarida à mesa do Senhor.

Voltamos ao normal.

Normal? Não estava tudo normal antes da doença do Lairton? Não estava tudo normal antes da queda de D. Margarida?

Falta-nos uma expressão adequada: desde quando ouvir o chamado do Bom Pastor é anormal? Mas, você dirá: “tantos insucessos seguidos é algo anormal, ou, pelo menos, atípico como o título do artigo”.

Pode ser. Pelo nosso ponto de vista pode ser. Mas nunca pelo ponto de vista daquele que nos espera e continuará nos chamando.

A quem ele chamará agora? Alguns anseiam por ouvir sua voz e ficarem livres de suas dores. Outros tremem e acham que ainda não é a hora. E outros apavoram-se fascinados com o presente século. Ele, porém, continuará chamando. Sejam dias atípicos ou não.

Não é melhor estar preparado?

O Mestre era a própria Palavra

Já vimos que a prioridade do Senhor Jesus era ensinar. Ele fazia outras coisas, porque era necessário fazê-las, mas sua missão básica era ensinar e pregar o evangelho. Na realidade seu ensino era a própria pregação do evangelho.

Parece que ele preferia ensinar pessoalmente, mas também ensinava às multidões. Via as multidões como “ovelhas sem pastor” (Essa frase foi repetida diversas vezes no Antigo Testamento quando morria um rei de Israel).

Ele cercava-se de cuidados. Uma vez ordenou a seus discípulos que tivessem sempre pronto um barquinho, pois as multidões, chegando cada vez mais perto, o “empurravam” em direção a água. Outra vez entrou num barco e, de dentro dele, afastado da margem, ensinou aos que estavam à beira da água.

Outra vez – pelo menos duas – ele colocou-se em terreno mais alto do que as multidões. Foi de um lugar assim que ele proferiu o que conhecemos hoje como Sermão da Monte.

Nunca deixou de discutir, nem de ensinar nos alpendres do templo. Aliás, já aos 12 anos seus pais o encontraram lá discutindo com os doutores da lei.

Nunca deixou de atender aos que o procuravam a sós. Atendeu ao velho Nicodemos que o procurou coberto pelo manto da noite e atendeu ao jovem rico que parecia buscar um elogio. Porém, foi sempre implacável com o erro: expôs a Nicodemos sua ignorância apesar de reconhecê-lo “mestre em Israel” e foi duro com o jovem rico, que ausentou-se triste. Encontrou a Deus. Falou com ele. Recebeu orientação e afastou-se triste. Como dizemos: Saiu pior do que chegou.

Enquanto não transigia com o erro não deixava de atender carinhosamente aos sofridos. Perdoou a mulher flagrada em adultério, mas ordenou-lhe a não pecar mais e desafiou aos hipócritas que não trouxeram também o homem a jogar nela a primeira pedra.

Não creio que tenha havido um lugar especial, mas, sem dúvida, houve um método especial: as parábolas. Com elas ele se fazia entendido daqueles a quem o Espírito Santo adrede preparara o coração. E com elas se fazia incompreensível aos que não lhe foram dados pelo Pai. Aos primeiros não lançou fora e não deixou que fossem arrebatados de suas mãos. Aos outros, suas parábolas, cegavam os olhos, tapavam os ouvidos e endureciam o coração.

O Senhor ensinava!

Como devem ter sido doces suas repreensões e claras suas explicações. Os dois de Emaús se referiram a tais momentos como momentos em que “lhes ardia o coração”, e Pedro lhes chamou de “palavras de vida eterna”. Até quem não as entendia, aos quais seu sentido era vedado, concordava que ele ensinava como quem tem autoridade; diferentemente do que faziam os escribas.

O Senhor ainda ensina! Suas palavras registradas, ainda hoje afetam o coração dos que foram preparados pelo seu Espírito. Ainda provocam transformações e ainda iluminam mentes.

O Senhor ensinava e ensina: apascentava (lembre-se de que o sentido primário do verbo pascir – de onde vem ‘apascentar’ – é alimentar). Ele alimentou com as palavras que não voltam vazias para o Pai. Aliás ele mesmo era a palavra da qual todas as outras se derivam e ganham significados.

É a palavra que mudou vidas e muda até hoje. É a palavra que jamais deixou de fazer o que é da vontade do Pai. Quando necessitou criar a luz, disse “haja luz”. E, se hoje é necessário vivificar mortos, nada lhe é impossível. Qual Lázaro, ao ouvir sua voz, todos nós saímos de nossos túmulos em que, mortos em nossos delitos e pecados, nos putrefazíamos.

O Mestre ensinava porque era o próprio ensino. Era, e é, a Palavra.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Evangelizar

Já vimos que o Mestre mandou seus discípulos prepararem as cidades nas quais ele iria passar. Preparar como? Divulgando publicitariamente? Fazendo palanques? Não! Curando os doentes e libertando os endemoninhados.

O Senhor os comissionou para fazerem isso antecipadamente para que, quando ele chegasse naquela cidade, pudesse gastar seu tempo ensinando.

Que diferença do que se faz hoje: as cidades são preparadas para que o "grande servo de Deus" possa mostrar seus dons de cura e seu poder de expulsar demônios (não sem antes obrigá-los a confessar seus nomes, castas, e depravações preferidas). Nosso Senhor preferia ensinar.

*-*

Mas, até mesmo no ato de ensinar, havia diferença. Ele jamais se preocupou em ensinar como ter sucesso profissional ou social. Sua preocupação era ensinar como amar a Deus e como amar o próximo. Hoje a maior preocupação é ensinar como obter os favores de Deus e principalmente como superar as dificuldades.

“Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas ... vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias” era a pregação de João Batista, e foi assim que os discípulos prepararam as cidades antes dele as visitar. Mas hoje se enche os muros de cartazes e a mídia eletrônica de mensagens do tipo: “grande show da fé: Milagres, curas, libertações e muita música com o Conjunto Fulano e adoração com o Grupo de Coreografia Sicrano.

*-*

Mas, como anunciar o Evangelho sem outros atrativos? Só o “Evangelho seco”? Ou como me aconselhava Seu Pedro: - Pastor; tem de ter um chamarisco!

Creio que é exatamente aí que está a diferença entre o anúncio correto e anúncio errado do Evangelho. Mas, antes de falar sobre isso quero deixar bem claro que Deus usa até o anúncio errado, como ele usou a jumenta de Balaão. Entretanto, cabe a nós usar o modo correto.

Seu Pedro, me exortando a usar um chamarisco, tinha em mente uma pescaria em que, durante certo tempo, se alimenta os peixes em determinado lugar (e hora), para depois vir com o anzol. Observe que isso pressupõe “segundas intenções” e é muito semelhante à preparação antecipada a que me referi.

Anunciar o Evangelho pressupõe entregar boas novas, boas notícias; comunicar algo pelo qual o ouvinte espera. Por essa razão Jesus mandou adiante de si quem resolvesse os problemas materiais (doenças) e os espirituais (demônios), para que, quando ele chegasse, pudesse anunciar claramente o Evangelho, as boas novas, as boas notícias. Ou seja: a dívida de vocês, para com Deus, está paga. Eu paguei. (Obviamente, hoje temos de dizer: a dívida de vocês, para com Deus, está paga. Jesus pagou).

Quando eu falava isso, Seu Pedro me respondia: - Mas Pastor, ninguém sabe que deve a Deus, não!

Quase concordo com Seu Pedro. Porém alguns sabem que devem a Deus: os que ele mesmo chamou. Esses tem certa de que são devedores, porque são aquela terra preparada na qual, caindo a semente, nasce, cresce e “frutifica a trinta, a sessenta e a cem por um”.

Percebeu? Quando o Evangelho é anunciado do modo errado - com chamariscos - há resultados numericamente maiores, mas junto com os preparados por Deus virão também os que estão interessados no chamarisco. Quando o Evangelho é anunciado corretamente, somente aqueles a quem Deus preparou o recebem. Por esta razão o Senhor Jesus pregava usando parábolas.

domingo, 1 de março de 2009

Condoído e indignado

O Evangelista Marcos usou essa expressão para descrever o que nosso Senhor sentiu ao ver um grupo de líderes religiosos ansiosos para saber se ele curaria, no sábado, a mão aleijada de um homem.

Marcos destaca em seu Evangelho os atos de Jesus, e, logo no início, relata como a prisão de João Batista influenciou nosso Senhor a iniciar seu ministério na Galiléia. Veja:

“Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.14).

Chamada de Galiléia dos Gentios, por sua população miscigenada à força desde a invasão dos Assírios, a Galiléia era uma terra desprezada por todos. Para os judeus fazia parte do antigo e rebelde Reino do Norte e para os Romanos era onde regularmente cobravam impostos e esporadicamente sufocavam rebeliões.

Grande baixio ao norte das montanhas de Judá e às margens do lago de Tiberíades, que, de grande, era chamado de Mar da Galliléia. Vivia da agricultura e principalmente da pesca, que chegava a demandar pequenos grupos pesqueiros - como as famílias de Pedro e de João - devido a venda de uma espécie de molho de peixes, muito apreciado pelos romanos. Era lembrada tanto pelo fedor de suas cidades pesqueiras, quanto pelo atraso cultural de seus habitantes.

Lugar proverbial: Nicodemos ouviu de seus colegas “Examina e verás que da Galiléia não se levanta profeta”. E Natanael perguntou a seu irmão Felipe: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?”.

Nessa terra desprezada nosso Mestre começou seu ministério terreno. Ele já a conhecia bem. Afinal fora criado em uma de suas cidades: Nazaré. Aquela, da qual se dizia não produzir nada de bom.

Mal tomou a tarefa de João três empecilhos se levantaram. Necessidades materiais, espirituais e perseguição religiosa.

Não eram poucos aqueles a quem as enfermidades falavam mais alto do que o Evangelho; a esses ele curou. Também libertou aos que o inimigo possuía. Mas, tenho a impressão de que, o que mais aborrecia o Senhor era o comportamento vil daqueles que deveriam justamente cuidar de seus interesses.

Quando leio o Novo Testamento sempre tenho a impressão de que os judeus até toleravam certa pluralidade de pensamento - veja o nome das sinagogas que se juntaram contra Estêvão e a alusão a seitas judaicas no livro de Atos - desde que o sábado e a circuncisão fossem observados e as autoridades do templo acatadas. Entretanto, como o Senhor mesmo disse: Coavam mosquitos e engoliam camelos.

A estratégia do Senhor para enfrentar tais obstáculos foi simples: Além dos 12 que chamou para estarem juntos de si, comissionou 70, deu-lhes autoridade sobre doenças e demônios e determinou que fossem à frente preparando cada cidade em que ele ia passar.

Obviamente sua intenção era ter mais tempo para pregar o evangelho e ensinar. Porém, nem os 70, nem os 12, detiveram os líderes religiosos. A dureza de coração deles, e o “desconhecimento das Escrituras e do poder de Deus” não apenas os mantiveram “laborando em grande erro”, mas foram os instrumentos que Deus usou para levaram seu Filho ao último altar da Antiga Aliança: a cruz.

Condoído com a natureza humana e indignado com a incredulidade dos que, devendo conhecê-la, e levá-la aos pés do Redentor se aproveitavam dela para manter seus próprios privilégios: Obreiros da iniqüidade.

Não há muita diferença do que ocorre hoje. Entretanto, como naqueles dias, o evangelho não está amordaçado.