sábado, 23 de fevereiro de 2013

Algoritmo cristão

Dia desses recebi, com alegria, um quadro muito interessante que mostra a evolução dos algoritmos ao longo da história. Desde aquele velho método – que acabava com nossa paciência no ginásio – de achar o Máximo Divisor Comum (provavelmente o primeiro algoritmo já elaborado) até os poderosos algoritmos de busca na internet que usamos sem nos dar conta.

Enquanto lia esse quadro outras lembranças paralelas passaram a invadir minha mente. Hoje, olhando pra trás, estou convencido de que muito de minha juventude (e de alguns amigos) foi vivida em uma espécie de “algoritmo cristão”.

Concordo, com quem disser que eram tempos difíceis e que tínhamos de nos agarrar a alguma coisa, como náufragos se agarram à primeira corda que alcançam, e graças a isso sobrevivemos, mas o que me entristece é ver sobreviventes, ainda hoje, agarrados a tal corda.

Vou explicar melhor.

Um algoritmo é um conjunto de operações matemáticas que se faz visando chegar a um resultado. Lembra-se de como se fazia para descobrir o Máximo Divisor Comum (MDC)? Daquela grade que desenhávamos (me disseram que hoje se usa outro meio mais fácil). Assim encarávamos também a vida cristã.

Veja um exemplo:

O apóstolo Pedro disse: “por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pe 1.5-8). Observe a sequência de instruções (que as vezes eram até representadas como se fosse um algoritmo): {diligência U Fé U Virtude U Conhecimento U Domínio próprio U Perseverança U Piedade U Fraternidade U Amor} = {Atividade + Frutificação}.

Ora, tal lista de virtudes, era mostrada como como etapas de um algoritmo (como degraus numa escada de santificação, que deveríamos nos esforçar para subir) em que se acumulam processos até chegar a seu fim. De tal modo que, quanto mais degraus se subia mais maduro estava, ou quanto mais processos se acumulava, maior era o resultado.

Porém, não é exatamente isso o que texto ensina. Ou, pelo menos, ele não foi escrito com essa intenção!

Seu objetivo primário é ensinar que os cristãos que praticam essas virtudes, e as acumulam, além de não ficarem inativos nem infrutuosos, não se esquecem do perdão que receberam e, dessa forma, veem confirmado o chamado de Deus.

Pois é: encarávamos a vida cristã como um conjunto de regras a ser cumprido, nos assemelhávamos aos judeus de quem Isaías fala: “Assim, pois, a palavra do SENHOR lhes será preceito sobre preceito, preceito e mais preceito; regra sobre regra, regra e mais regra; um pouco aqui, um pouco ali; para que vão, e caiam para trás, e se quebrantem, se enlacem, e sejam presos” (Is 28.13). Entretanto, deveríamos nos deleitar nela como filhos que se alegram quando descobrem qual é a intenção do pai e correm na frente a surpreendê-lo fazendo-a com alegria. Isso é louvor!

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Jesus. Loucura e escândalo!

Ainda em nossos dias, fora dos círculos genuinamente cristãos, ao se falar sobre Jesus, as opiniões se dividem entre os que negam absolutamente que ele tenha sequer existido até os que admitem, porém com as ressalvas de que ele tenha sido apenas alguém além de seu tempo: um filósofo, um professor, ou qualquer coisa semelhante.

Essa foi uma das primeiras lutas dos cristãos. Eles resumiam sua resposta na frase latina aut Deus aut homo malus (ou era Deus, ou era um homem mau). Para os apóstolos e seus discípulos, aos quais hoje chamamos de pais da igreja (daí o nome Patrística para designar o período em que viveram, que vai pouco depois da morte do último apóstolo, antes do ano 100, até a morte de Agostinho em 430), isso era muito claro, uma vez que os grandes homens jamais ousaram dizer “eu e o Pai somos um” (Jo.10.30) ou se passar por Deus fazendo coisas próprias da divindade como perdoar pecados.

Veja como o próprio Jesus enfrentou esse problema: “E eis que lhe trouxeram um paralítico deitado num leito. Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Tem bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados. Mas alguns escribas diziam consigo: Este blasfema. Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que cogitais o mal no vosso coração? Pois qual é mais fácil? Dizer: Estão perdoados os teus pecados, ou dizer: Levanta-te e anda? Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados - disse, então, ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. E, levantando-se, partiu para sua casa” (Mt 9.2-7). Percebeu? Para provar que podia perdoar pecados Jesus curou um paralítico. Afinal, perdoar pecados é imponderável, fazer com que um paralítico ande não!

Ou se aceita que Jesus era (e nesse caso, continua sendo) Deus, ou se deve estar pronto para dizer que ele era o maior mentiroso, impostor, ou doido que já existiu. Pois o lugar de quem se faz passar por Deus é o hospício. Pra dizer pouco.

Quando escreveu que Cristo crucificado é “escândalo para os judeus e loucura para os não judeus” (1Co 1.18), o apóstolo Paulo estava também se referindo a este problema.

Para os judeus era um verdadeiro escândalo que alguém tão simples como Jesus almejasse tal posição, jamais pretendida por algum deles, mesmo com melhores candidatos.

Você já parou pra pensar no episódio da transfiguração? Já o fez como se fosse um judeu? Que personagens apareceram? Moisés e Elias. Como os Judeus de então os viam?

Ambos fizeram milagres maiores do que Jesus. Moisés os alimentou com maná durante anos (em João 6.30-31 esse argumento é contrastado pelos judeus descrentes com a multiplicação de pães feita por Jesus). Porém, antes disso, submeteu todo o Egito com pragas, dividiu o Mar Vermelho, e o fechou sobre o exército egípcio, fez jorrar água da rocha, etc.

Quanto a Elias, o viam quase como nossos adolescentes vem os super-heróis: Controlou o clima durante 3 anos e meio provocando seca, foi alimentado por corvos, perenizou óleo e farinha na cozinha de uma viúva, ressuscitou seu filho, fez descer fogo do céu sobre o holocausto diante dos profetas de Baal aos quais matou, ordenou que viesse chuva, correu mais de 25 quilômetros adiante e mais rápido do que a carruagem do rei Acabe, por duas vezes fez descer fogo do céu a consumir 50 soldados com seu capitão, dividiu o Rio Jordão com sua capa e subiu ao céu numa carruagem de fogo.

Não é de admirar que os discípulos ficassem assombrados com a visão, nem que Pedro quisesse fazer tendas para os três. Foi necessária a intervenção de Deus: “Este é o meu Filho amado; a ele ouvi” (Mc 9.7).

Ou seja, para os Judeus, Jesus era pequeno diante de heróis como Moisés e Elias e eles esperavam que o messias fosse um herói que os libertasse da opressão romana, nunca uma vítima de holocausto.

Mas, e diante de não judeus? É absurdo! Loucura! Eis algumas reações de não judeus registradas nas Escrituras:

Sobre Jesus: “Todavia, tinham contra ele algumas questões acerca da sua religião e de um tal Jesus, que, embora morto, Paulo alega estar vivo” (At 25.19 Sec. 21).

Sobre Paulo e sobre o cristianismo: “Cremos que este homem é uma peste, promovendo rebeliões entre todos os judeus por todo o mundo, sendo o chefe da seita dos nazarenos” (At 24.5 Sec. 21).

E assim prossegue até hoje. Fica pior quando consideramos que os cristãos atuais cada dia mais desdizem os ensinamentos do Mestre, usando-os como fonte de lucro ou de poder atraem o que o apóstolo Paulo dizia dos judeus em sua época: “Pois, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa” (Rm 2.24).

Que nós não estejamos entre os que fazem isto.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

A Bíblia em Português (parte 3)

Passando ao texto que serviu de fonte, precisamos falar dos originais escritos principalmente em Hebraico e Grego. Não vou considerar a Bíblia Viva nem A Mensagem, pois são traduções do inglês.

De início já temos um problema: Não existe um texto só. Não existe o que os técnicos chamam de “autógrafo”: um manuscrito com, por exemplo, a letra de Lucas, ou Mateus, ou Marcos, etc.

Ainda bem! Se existisse... à luz do que fazem com um lençol, que tem tudo para ser produto do artifício humano, imagine o que fariam com um trecho da escrita, de próprio punho, de Moisés, de Isaías ou de João? Em sua sábia providência creio que Deus os recolheu, como fez com a Arca da Aliança. Porém, deixou uma quantidade tão grande de cópias que nos dá um altíssimo nível de certeza do conteúdo dos originais.

O Antigo Testamento. O texto hebraico mais confiável que temos foi escrito entre 900 e 1000 d.C. Entretanto, partes desse texto podem ser comparadas com diversas fontes mais antigas:

a. Septuaginta. Antiga tradução para o grego feita ente 300 e 200 a.C. frequentemente citada pelo Senhor, por seus apóstolos e pelo escritor de Hebreus.

b. Textos de Qumram. Partes de todos os livros da Bíblia, menos Ester, escritos entre 200 e 100 a.C. encontrados em cavernas às margens do Mar Morto. Digitalizados e na internet. Em http://dss.collections.imj.org.il/isaiah você vê o livro do profeta Isaías quase completo (e links para as porções dos demais livros) com a respectiva tradução direta para o inglês.

c. O Pentateuco Samaritano. Composto entre 200 e 100 a.C. Escrito pelos sacerdotes do culto misto das onze tribos do norte e portanto com suas influências.

d. O Texto Massorético (de massora = tradição). Composto por volta de 100 d.C. Escrito com o objetivo de colocar vogais, a fim de que os judeus, que se espalhavam mundo afora, não se esquecessem de como se deveria pronunciar as palavras de sua língua natal, que já estava sendo substituída pela língua das nações em que moravam.

e. Muitíssimos fragmentos de diversas partes do AT, escritos em diversas datas, achados em diversos locais.

Então por que não se traduz pelo texto mais velho? O texto mais velho tem sido usado como subsidiário para corrigir, no que é necessário, o mais recente.

Daqui já surgem duas questões. Se o próprio Jesus citou a Septuaginta, e ela é mais antiga, não deveríamos usá-la? Creio que só podemos usá-la naquilo que está citada na Bíblia, pois ela é uma tradução. Moisés escreveu a Lei em Hebraico. Os profetas e os poetas também. O que foi inspirado por Deus não foi a septuaginta ou qualquer tradução.

Em que esses outros textos influenciaram o nosso? 1) Em fatos periféricos, algumas vezes importantes para a história de Israel, mas que não são essenciais para a História da Redenção. Por exemplo: Em Gn 47.21 a Atualizada, a Século XXI, a NVI e a Linguagem de Hoje seguem o Pentateuco Samaritano e a Septuaginta, dizendo que José escravizou os egípcios. Já a Corrigida e a Corrigida Fiel traduzem o texto tradicional afirmando que José os mudou de cidades (Agradeço ao Emerson Eduardo a lembrança). 2) Nos nomes próprios: em 2Sm 23.8: nas versões que seguem o texto tradicional temos um guerreiro de Davi chamado de Josebe-Bassebete. Influenciado pela septuaginta, a NVI alterou-lhe o nome para Jabesão. 3) Em passagens que aclaram o sentido do AT, pois foram usadas por autores do Novo. Por exemplo: Hebreus 2.7 lança luz sobre o significado do Salmo 8.5.

O Novo Testamento. Até 1880, por assim dizer, não havia grandes disputas a respeito do texto grego que servia de fonte para as traduções protestantes do Novo Testamento (a igreja de Roma, quando traduzia, sempre o fazia a partir do Latim). Em 1881, dois professores de Ingleses: Brooke F. Westcott e seu ex-aluno Fenton J. A. Hort (Westcott-Hort) publicaram o The New Testament in the Original Greek (O Novo Testamento no Grego Original). Suas ideias, aparentemente simples, tiveram grande impacto. Algumas são: 1) O texto do Novo Testamento deve ser tratado como um texto qualquer; 2) Não há sinal de falsificação do texto com propósito doutrinário; 3) A menor leitura deve ser a correta; 4) A leitura mais difícil deve ser a correta. Etc.

Daqui já surgem algumas questões: Primeira: A Bíblia é apenas um texto qualquer e está imune a ataques? A História da Redenção não está manchada de ataques do próprio inimigo de nossas almas à Palavra de Deus? O primeiro pecado não resultou exatamente disso?

Segunda: A própria existência do Pentateuco Samaritano não é uma refutação da segunda premissa? Hoje, a tradução das Testemunhas de Jeová não é uma prova palpável e atual disso, que qualquer estudioso, mesmo ateu, pode testificar?

Terceira: Deriva-se da pressuposição de que o copista sempre aumentava o que copiava para ficar mais claro o sentido. Porém, tradutores, como Jerônimo reclamam deles por fazerem exatamente o contrário: por preguiça.

Quarto: Para ser breve, pois há outros argumentos bem mais fortes que demandam mais espaço do que tenho, até que ponto isso não contradiz o terceiro ponto?

Voltando à história. O que se usava, inicialmente o Textus Receptus e depois o chamado Texto Majoritário (que difere principalmente pelo acréscimo de At 8.37 e parte de 1Jo 5.7-8) foi substituído por diversos textos (mais de 4 mil) descobertos em escavações. Datados como mais antigos, que submetidos às leis de Westcott-Hort formaram o conhecido Texto Crítico. E hoje temos: o The Greek New Testament (publicado pela United Bible Societies, em sua 4ª edição) e o texto de Nestle-Alland (publicado pelo Deutsche Bibelstiftung, na 27ª Edição) ambos baseados nesse procedimento.

Portanto, em Português, no que concerne aos textos fonte, temos dois tipos de tradução, sendo que as maiores diferenças entre elas estão no Novo Testamento: As versões que usam o Texto Majoritário (Corrigida, Corrigida Fiel e Contemporânea) e as que usam o Texto Crítico (Atualizada, Século XXI, NVI e Linguagem de Hoje).

Como ter certeza da Bíblia que temos hoje? Não é pra causar susto, pois as diferenças não afetam as verdades básicas do Evangelho. As maiores são: 1) O “Final longo de Marcos” (Mc 16.9-20), que mesmo ausente é amplamente suprido pelo que aconteceu na Igreja Primitiva conforme está registrado em Atos; 2) A mulher flagrada em adultério (Jo 7.53 - 8.11), cujo estilo é mais semelhante ao de Lucas, entretanto em nada acrescenta ou subtrai os ensinos do Senhor Jesus; e 3) o Comma Johanneum (1Jo 5.7b-8a) que não faz falta diante da grande quantidade de textos usados para provar a doutrina da Trindade.

Há diversas outras diferenças menores, mas que igualmente não afetam em nada a mensagem central do NT.

Pessoalmente eu creio que essa série de dúvidas foram uma bênção de Deus, pois hoje as Escrituras Sagradas estão sendo mais e mais estudadas. Hoje se estuda letra por letra fazendo-se verdadeiros recenseamentos, livro a livro, e todos os pontos em que há dúvidas são conhecidos e examinados.

Ou seja: Não me assusto com o uso de ambos os textos fonte, pois as diferenças são bem conhecidas. E o que tenho visto, na hora de se escolher uma Bíblia, é a preferência pela facilidade de manusear, pelo conforto da leitura que vem de uma boa apresentação gráfica e, cá entre nós, por um vocabulário mais acessível.

Finalizando, dou graças a Deus por que estamos vendo o cumprimento das palavras que o anjo disse a Daniel: “encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará” (Dn 12.4). Nunca se soube tanto sobre a Bíblia como sabemos hoje.