sábado, 2 de fevereiro de 2013

A Bíblia em Português (parte 3)

Passando ao texto que serviu de fonte, precisamos falar dos originais escritos principalmente em Hebraico e Grego. Não vou considerar a Bíblia Viva nem A Mensagem, pois são traduções do inglês.

De início já temos um problema: Não existe um texto só. Não existe o que os técnicos chamam de “autógrafo”: um manuscrito com, por exemplo, a letra de Lucas, ou Mateus, ou Marcos, etc.

Ainda bem! Se existisse... à luz do que fazem com um lençol, que tem tudo para ser produto do artifício humano, imagine o que fariam com um trecho da escrita, de próprio punho, de Moisés, de Isaías ou de João? Em sua sábia providência creio que Deus os recolheu, como fez com a Arca da Aliança. Porém, deixou uma quantidade tão grande de cópias que nos dá um altíssimo nível de certeza do conteúdo dos originais.

O Antigo Testamento. O texto hebraico mais confiável que temos foi escrito entre 900 e 1000 d.C. Entretanto, partes desse texto podem ser comparadas com diversas fontes mais antigas:

a. Septuaginta. Antiga tradução para o grego feita ente 300 e 200 a.C. frequentemente citada pelo Senhor, por seus apóstolos e pelo escritor de Hebreus.

b. Textos de Qumram. Partes de todos os livros da Bíblia, menos Ester, escritos entre 200 e 100 a.C. encontrados em cavernas às margens do Mar Morto. Digitalizados e na internet. Em http://dss.collections.imj.org.il/isaiah você vê o livro do profeta Isaías quase completo (e links para as porções dos demais livros) com a respectiva tradução direta para o inglês.

c. O Pentateuco Samaritano. Composto entre 200 e 100 a.C. Escrito pelos sacerdotes do culto misto das onze tribos do norte e portanto com suas influências.

d. O Texto Massorético (de massora = tradição). Composto por volta de 100 d.C. Escrito com o objetivo de colocar vogais, a fim de que os judeus, que se espalhavam mundo afora, não se esquecessem de como se deveria pronunciar as palavras de sua língua natal, que já estava sendo substituída pela língua das nações em que moravam.

e. Muitíssimos fragmentos de diversas partes do AT, escritos em diversas datas, achados em diversos locais.

Então por que não se traduz pelo texto mais velho? O texto mais velho tem sido usado como subsidiário para corrigir, no que é necessário, o mais recente.

Daqui já surgem duas questões. Se o próprio Jesus citou a Septuaginta, e ela é mais antiga, não deveríamos usá-la? Creio que só podemos usá-la naquilo que está citada na Bíblia, pois ela é uma tradução. Moisés escreveu a Lei em Hebraico. Os profetas e os poetas também. O que foi inspirado por Deus não foi a septuaginta ou qualquer tradução.

Em que esses outros textos influenciaram o nosso? 1) Em fatos periféricos, algumas vezes importantes para a história de Israel, mas que não são essenciais para a História da Redenção. Por exemplo: Em Gn 47.21 a Atualizada, a Século XXI, a NVI e a Linguagem de Hoje seguem o Pentateuco Samaritano e a Septuaginta, dizendo que José escravizou os egípcios. Já a Corrigida e a Corrigida Fiel traduzem o texto tradicional afirmando que José os mudou de cidades (Agradeço ao Emerson Eduardo a lembrança). 2) Nos nomes próprios: em 2Sm 23.8: nas versões que seguem o texto tradicional temos um guerreiro de Davi chamado de Josebe-Bassebete. Influenciado pela septuaginta, a NVI alterou-lhe o nome para Jabesão. 3) Em passagens que aclaram o sentido do AT, pois foram usadas por autores do Novo. Por exemplo: Hebreus 2.7 lança luz sobre o significado do Salmo 8.5.

O Novo Testamento. Até 1880, por assim dizer, não havia grandes disputas a respeito do texto grego que servia de fonte para as traduções protestantes do Novo Testamento (a igreja de Roma, quando traduzia, sempre o fazia a partir do Latim). Em 1881, dois professores de Ingleses: Brooke F. Westcott e seu ex-aluno Fenton J. A. Hort (Westcott-Hort) publicaram o The New Testament in the Original Greek (O Novo Testamento no Grego Original). Suas ideias, aparentemente simples, tiveram grande impacto. Algumas são: 1) O texto do Novo Testamento deve ser tratado como um texto qualquer; 2) Não há sinal de falsificação do texto com propósito doutrinário; 3) A menor leitura deve ser a correta; 4) A leitura mais difícil deve ser a correta. Etc.

Daqui já surgem algumas questões: Primeira: A Bíblia é apenas um texto qualquer e está imune a ataques? A História da Redenção não está manchada de ataques do próprio inimigo de nossas almas à Palavra de Deus? O primeiro pecado não resultou exatamente disso?

Segunda: A própria existência do Pentateuco Samaritano não é uma refutação da segunda premissa? Hoje, a tradução das Testemunhas de Jeová não é uma prova palpável e atual disso, que qualquer estudioso, mesmo ateu, pode testificar?

Terceira: Deriva-se da pressuposição de que o copista sempre aumentava o que copiava para ficar mais claro o sentido. Porém, tradutores, como Jerônimo reclamam deles por fazerem exatamente o contrário: por preguiça.

Quarto: Para ser breve, pois há outros argumentos bem mais fortes que demandam mais espaço do que tenho, até que ponto isso não contradiz o terceiro ponto?

Voltando à história. O que se usava, inicialmente o Textus Receptus e depois o chamado Texto Majoritário (que difere principalmente pelo acréscimo de At 8.37 e parte de 1Jo 5.7-8) foi substituído por diversos textos (mais de 4 mil) descobertos em escavações. Datados como mais antigos, que submetidos às leis de Westcott-Hort formaram o conhecido Texto Crítico. E hoje temos: o The Greek New Testament (publicado pela United Bible Societies, em sua 4ª edição) e o texto de Nestle-Alland (publicado pelo Deutsche Bibelstiftung, na 27ª Edição) ambos baseados nesse procedimento.

Portanto, em Português, no que concerne aos textos fonte, temos dois tipos de tradução, sendo que as maiores diferenças entre elas estão no Novo Testamento: As versões que usam o Texto Majoritário (Corrigida, Corrigida Fiel e Contemporânea) e as que usam o Texto Crítico (Atualizada, Século XXI, NVI e Linguagem de Hoje).

Como ter certeza da Bíblia que temos hoje? Não é pra causar susto, pois as diferenças não afetam as verdades básicas do Evangelho. As maiores são: 1) O “Final longo de Marcos” (Mc 16.9-20), que mesmo ausente é amplamente suprido pelo que aconteceu na Igreja Primitiva conforme está registrado em Atos; 2) A mulher flagrada em adultério (Jo 7.53 - 8.11), cujo estilo é mais semelhante ao de Lucas, entretanto em nada acrescenta ou subtrai os ensinos do Senhor Jesus; e 3) o Comma Johanneum (1Jo 5.7b-8a) que não faz falta diante da grande quantidade de textos usados para provar a doutrina da Trindade.

Há diversas outras diferenças menores, mas que igualmente não afetam em nada a mensagem central do NT.

Pessoalmente eu creio que essa série de dúvidas foram uma bênção de Deus, pois hoje as Escrituras Sagradas estão sendo mais e mais estudadas. Hoje se estuda letra por letra fazendo-se verdadeiros recenseamentos, livro a livro, e todos os pontos em que há dúvidas são conhecidos e examinados.

Ou seja: Não me assusto com o uso de ambos os textos fonte, pois as diferenças são bem conhecidas. E o que tenho visto, na hora de se escolher uma Bíblia, é a preferência pela facilidade de manusear, pelo conforto da leitura que vem de uma boa apresentação gráfica e, cá entre nós, por um vocabulário mais acessível.

Finalizando, dou graças a Deus por que estamos vendo o cumprimento das palavras que o anjo disse a Daniel: “encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará” (Dn 12.4). Nunca se soube tanto sobre a Bíblia como sabemos hoje.

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