A mesma razão - nossa principal diferença dos animais, que, aliás, chamamos de irracionais, por serem desprovidos de razão - pode ser exercida de dois modos diferentes se considerarmos parte das informações que recebemos ou a totalidade delas.
Quando consideramos parte, nos limitamos àquilo que atinge nossos sentidos, ou que possa ser repetido, deliberadamente sob condições controladas, de qual repetição possamos extrair conclusões mesmo que não atinjam nossos sentidos.
Quando consideramos o total, levamos em conta que o mundo em que vivemos foi criado e quem o criou não está sujeito a ele. Além dos processos repetitivos, dos quais extraímos conhecimento, há possibilidades infinitas de intervenção do Criador em qualquer coisa que ele tenha criado.
Tais intervenções, como fogem da rotina de causa e efeito, são vulgarmente chamadas de milagres. Entretanto, se chamamos de milagre algo que ocorre esporadicamente, mas foi feito pelo Criador, por que não chamamos de milagres ao que ocorre dia-a-dia, e que igualmente foi feito por ele?
Semeamos três grãos. Deles nascem várias espigas com muitos grãos dos quais podemos fazer muitos pães. A essa multiplicação, que se repete, chamamos de ação natural.
Nosso Senhor, o Criador habitando conosco, tomou 5 pães e os multiplicou. Ele queimou etapas. Não semeou. Não colheu. Não os panificou. Porém os multiplicou como sempre faz. Não devemos ver a presença do Criador apenas no segundo evento. Ele está presente também no primeiro. É por causa dele que há germinação de tudo o que é plantado.
Repare bem que sobre os dois processos, podemos igualmente arrazoar, e apenas quando consideramos os dois sob uma mesma perspectiva é que aprendemos mais. Do primeiro podemos aprender o mecanismo mediante o qual as sementes se multiplicam. Do segundo podemos aprender o porque delas se multiplicarem.
Este é o limite de quem usa a razão apenas sobre parte das informações de que dispõe: jamais fica sabendo o porque!
Nosso Senhor e Mestre sempre usou a razão. Há muitos contextos em que ela aparece nitidamente. Porém, um contexto surpreendente ocorre quando ele quis incentivar seus discípulos a terem fé.
Você se lembra? Ele mandou que arrazoassem como o Criador cuida de coisas insignificantes e concluiu: se o Pai cuida dos pássaros e das flores, não cuidaria deles também?
Isaías, no Antigo Testamento, já convidava: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã.” (Is 1.18)
Paulo, no Novo Testamento, pregava o evangelho assim: “Tendo passado por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras, expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio.” (At 17.1-3)
Assim também somos obrigados cultivar a fé daqueles que ainda estão se iniciando nela: “Quanto aos moços, de igual modo, exorta-os para que, em todas as coisas, sejam criteriosos.” (Tt 2.6).
De igual modo devemos tratar os que são maduros na fé: “Ora, o fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações.” (1Pe 4.7).
Essa abordagem da fé, via razão, parece hoje em dia algo fora de propósito, pois para muitos a fé se opõe a razão. Isso não é verdade. A fé vem do entender (raciocinar, exercer a razão) as Promessas e o Poder do Criador. É impossível uma fé sadia sem o exercício da razão naquilo que o Criador revelou sobre si mesmo.
“Não pense! Creia!” É o que mais se ouve a título de Evangelho. É o que menos respeita a mensagem do Evangelho, que hoje pode ser ouvida em poucos lugares.
Necessitamos viver mais comprometidamente com os valores cristãos. Necessitamos falar cada vez mais que “Deus não é Deus de confusão”. Ou como já disse a muito tempo John Stott: Crer é também pensar.
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