quinta-feira, 10 de novembro de 2005

Doenças da alma

Por dever de ofício visito pessoas com diversos tipos de enfermidades. Algumas graves - às vezes terminais - outras nem tanto. Algumas contagiosas, outras não. Umas, fruto de descuido, outras de acidentes.

Por dever de ofício encontro almas doentes. Já vi almas em estado terminal e já vi almas que passam apenas por um período: como se fosse um resfriado.

Se há uma variedade muito grande de doenças do corpo - e parece que a cada dia surge uma nova - há também grande diversidade de doenças da alma. Como há níveis de gravidade em um caso, há também no outro.

Há doenças crônicas tanto no corpo quanto na alma, como também há casos agudos. E, já percebi que do mesmo modo que algumas doenças ficam incubadas no corpo, algumas demoram a aparecer na alma apesar de já estarem lá.

Há doenças que só se manifestam no corpo e outras que só se manifestam na alma, embora sempre que o corpo sofra, a alma fique abatida e vice-versa. Mas algumas atuam em ambos e às vezes não se pode dizer qual deles sofre mais.

Meu contato maior é com as doenças da alma. Essas desfilam diante de mim e as vejo em crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos. Seus sintomas, sempre físicos, são secreções verbais purulentas, olhares dissimulados e inquietos, curiosidade exarcebada, irritações superficiais, ou até estados febris com agitações histéricas.

Como ocorre com as doenças físicas há também a transmissão pelo contágio. Já vi crianças terem suas almas contaminadas por seus próprios pais. Já vi adolescentes e jovens expondo-se aos agentes transmissores mais virulentos como se nadassem em rios poluídos de esgoto. Já vi adultos e velhos, que, carcomidos, deixam cair pedaços necrosados da alma enquanto passam.

O contágio nunca se dá pela ingestão. Pelo contrário ele acontece através dos sentidos - as janelas da alma - e especialmente através da palavra.

Às vezes é apenas o doente quem as sofre, às vezes atingem a família e os amigos. Outras vezes alastram-se pela Igreja e contaminam quem está mais debilitado.

Fazer um catálogo das doenças da alma não é uma tarefa fácil, mas diferentemente das físicas, que parecem não ter limite em sua etiologia, elas, que podem aparentar muitos aspectos, originam-se sempre em dez princípios bem conhecidos agrupáveis em dois grandes tipos.

Há três fatos que surpreendem a quem estuda as doenças da alma. Primeiro, poucos doentes admitem que o são, e, muitas vezes, só procuram tratamento quando, de alguma forma, as doenças da alma passam a prejudicar seus interesses materiais: seja a saúde financeira, familiar ou física (quase sempre nessa ordem).

O segundo é que poucos têm o mesmo apreço pela saúde da alma como têm pela saúde do corpo. Muitos pagam prontamente convênios, ou até mantêm alguma importância reservada para eventualidades. Escolhem casas, escolas, academias, restaurantes, e outras coisas, levando em conta a salubridade do corpo. Entretanto, quase ninguém se preocupa com a salubridade da alma. Nunca vi ninguém procurar vacinas para as doenças da alma e quando tento aplicá-las sou mais repudiado do que os agentes do Dr. Oswaldo Cruz.

E o terceiro, é que geralmente se busca cura em outros doentes. Via de regra nos doentes mais graves que não apenas podem fazer muito pouco como contaminam ainda mais a alma doente.

Por dever de ofício trato tais doentes - antigamente chamavam meu ofício de Cura d'Almas - que na maioria das vezes demandam, como condição básica, uma alimentação saudável, balanceada e rica em nutrientes para a alma debilitada e os remédios adequados a cada caso. Porém, diferentemente do que ocorre com a maioria das doenças físicas, os remédios não agem por si. Não fazem efeito sozinhos. Eles exigem a participação do doente, que quase sempre se julga sadio, não nota o perigo que corre, nem o perigo que oferece aos demais.

Como está sua alma? Já fez um check-up? Já a examinou à luz do “manual” de quem fabricou você?

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom... faz a gente pensar...