sábado, 11 de janeiro de 2014

Primogenitura

Nos tempos antigos o primeiro filho era muito importante. Era chamado de “as primícias da virilidade” (Sl 78.51) e “as primícias do vigor” (Sl 105.36). Recebia o dobro da herança dos demais filhos (Dt 21.17) e nas famílias reais era o sucessor natural. A filha primogênita deveria se casar antes das demais.

A importância do primogênito foi totalmente incorporada pela legislação levítica ao ponto de Moisés alertar para que o direito deles não fosse preterido em favor dos filhos mais novos, mesmo que ele fosse filho “da aborrecida” (Dt 21.15-17).

A lei chegava ao ponto de determinar que se um primogênito morresse antes de ser pai, o próximo irmão se casasse com a viúva e lhe formasse descendência (Dt 25.5-6).

Aos olhos de Deus, Israel era seu primogênito: “Dirás a Faraó: Assim diz o SENHOR: Israel é meu filho, meu primogênito. Digo-te, pois: deixa ir meu filho, para que me sirva; mas, se recusares deixá-lo ir, eis que eu matarei teu filho, teu primogênito” (Ex 4.22-23).

Todo o primogênito (tanto de homens como de animais) pertencia ao SENHOR (Nm 3.13) e deveria ser resgatado (Ex 34.20). Os primogênitos durante o êxodo foram resgatados em troca dos levitas. Deus determinou a contagem de todos eles (contaram 22.273) e, como havia 273 primogênitos a mais que levitas, cada um foi resgatado por cinco siclos (Nm 3.45-51).

Jesus, também primogênito, foi resgatado, pelo valor dos pobres (duas rolinhas), quando foi levado ao Templo, na mesma ocasião em que Maria cumpriu os ritos de sua purificação (Lc 2.7 e 22-24).

Entretanto, a história antiga mostra que esse direito foi violado diversas vezes: Já na primeira família Caim foi preterido por Deus em favor de Abel. Abraão, cumprindo ordem de Deus, preteriu Ismael em favor de Isaque. Isaque abençoou Jacó, que tinha comprado de Esaú seu direito de primogenitura. E José, apesar de ser o penúltimo filho é quem fica com o direito de ser o primogênito de Israel (1Cr 5.2). Ao abençoar os filhos de José, Jacó o fez de tal modo que foi o mais novo, Efraim, quem recebeu o direito de primogenitura (Gn 48.14 e 18-19). Peres, o segundo filho de Judá com Tamar (Gn 38.27-30), foi quem tomou parte na linhagem do Senhor Jesus (Mt 1.1-6). Salomão foi escolhido sucessor de Davi no lugar de Adonias, que acabou sendo morto por reivindicar o trono. E, na parábola de Jesus, apesar de uma vida torta, é o filho mais novo quem recebe o bezerro cevado, ao passo que o primogênito, que não saiu da casa do Pai, continuava distante.

O Senhor Jesus é chamado primogênito de toda a criação (Cl 1.15-18), e seu sangue estava prefigurado naquele que foi aspergido nas portas salvando assim os primogênitos de Israel.

Na realidade a primogenitura era uma figura da salvação. Os verdadeiros primogênitos não são - como se dizia - os que “abrem a madre”, mas os que Deus chama.

O apóstolo Paulo usou este costume para explicar as escolhas de Deus (Rm 9.6-16): Seu argumento básico foi “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos”. E sua conclusão é: “não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”.

Para chegar a esta conclusão Paulo citou dois casos: Primeiro o de Isaque, que, apesar de ser o mais novo, herdou a primogenitura do Pai, por determinação divina: “Em Isaque será chamada a tua descendência”. Segundo, dos filhos de Isaque, Esaú e Jacó, que, apesar de serem gêmeos, antes mesmo que nascessem e praticassem o mal ou o bem, Deus já havia dito: “O mais velho será servo do mais moço” e “amei Jacó e odiei a Esaú.

Portanto, acima do direito de primogenitura de um filho mais velho, estava a vontade de Deus. Ele fez primogênito a quem quis, apenas por  misericórdia.

O escritor da Carta aos Hebreus exorta aos que foram feitos primogênitos de Deus a não se portarem como Esaú, que por um reles prato de comida, vendeu seu direito de primogenitura, mas se espelharem nos heróis da fé (cita 18 deles) que sofreram perseguições, escárnios, açoites, algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, e mortos a fio de espada, mas não abandonaram suas primogenituras, mesmo não vendo o cumprimento das promessas.

Isso é uma figura eloquente para nós hoje. A Igreja, pela graça, foi elevada à condição de filho primogênito. É propriamente chamada de Igreja dos Primogênitos arrolados nos céus (Hb 12.23) exatamente por ser constituida de todos aqueles que a misericórdia de Deus transformou em primogênitos. Desistir desse chamado é ser impuro e profano.

 

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