domingo, 18 de fevereiro de 2007

Inversão de valores

A morte do garoto João Hélio trouxe a tona medo, revolta, idéias sobre penalidades mais severas, mas não uma discussão sobre o papel do Estado como “Agente Vingador de Deus”.

Hoje o Estado é o que “O Legislador” determinou. Entretanto, “O Legislador” representa quem o elegeu e carrega em si seus valores ao ponto de vermos nas casas legislativas, em escala menor, tanto as mazelas como as qualidades de seus eleitores.

Temos de considerar também que “O legislador” não é um só, e sim a mistura de um número enorme de interesses, desde os mais nobres aos mais escusos, desde os mais sensatos aos mais casuísticos.

Portanto, o que ele produz reflete tanto o que ele é quanto o que seus eleitores são. E na luta para agradar “gregos e goianos”, nada mais normal do que buscar uma legislação mais neutra possível, mais isenta de valores religiosos que se consiga, pois nem todos os eleitores são religiosos e, além do mais, é melhor não ferir religião qualquer.

O problema é que todos os nossos conceitos, mesmo os que pareçam menos religiosos, são frutos de uma sociedade formada dentro de valores religiosos cristãos. E, um dos valores do cristianismo, por exemplo, é a “não vingança”.

Hoje dizemos que esta é uma das marcas de uma sociedade avançada, onde reina a justiça. Porém, é um valor cristão.

Mas infelizmente paramos aí - não vos vingueis - enquanto a instrução total é: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19).

Ou seja: Deus reivindica para si a administração da vingança. Mas, paradoxalmente, a delega ao Estado: “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal”. (Rm 13.1-4).

Esse texto foi escrito quando Nero estava no poder, que conquistou através dos meios mais escusos que se possa imaginar. Porém ele “vinha de Deus”, “foi ordenado por Deus”, “era ministro de Deus” e não trazia a espada por enfeite.

Esta instrução do Novo Testamento é rejeitada porque Nero matou muitos cristãos, que fizeram o bem e não “tiveram louvor dele”. Mas isso não anula o princípio. Como governante mau ele prestou contas a Deus e seus próprios erros serão vingados por Deus em atendimento as orações dos mártires que clamam por vingança, mesmo acolhidos debaixo do trono divino (Veja Ap 6.10).

A aplicação da justiça, pura e simples – para um olho, um olho; para um dente, um dente; e para uma vida, uma vida – não é sinal de barbárie, mas de obediência a Deus. O Estado não pode eximir-se deste papel, pois é sua obrigação.

Hoje, como cidadãos modernos, não falamos mais em vingança, mesmo que Deus tenha estabelecido um vingador. E, refletindo nossa vontade “O legislador” isentou o Estado dessa obrigação: a quem Deus determinou a missão de vingador transformamos em educador.
Resultado: 1) o crime fica impune, 3) a ressocialização não ocorre, e 3) a família, que recebeu a missão de educar, as vezes, age como vingador.

Tenho consciência de que esse assunto é muito mais complexo. Porém, do mesmo modo que Deus proíbe que nos vinguemos, e nos obriga a preparar nossos filhos para viver em sociedade, proíbe ao Estado deixar impune o criminoso.

Essa morte tão bárbara nos alerta a educar melhor nossos filhos e ao Estado a não abrir mão de sua obrigação.

6 comentários:

Josue da Silva! disse...

Caro Rev. Folton,
Ao visitar seu blog, dei de cara com este belíssimo texto, ao qual subscrevo no seu todo sem tirar uma vírgula sequer. Aliás, o senhor deve ter lido há algum tempo atrás meu post sobre o assunto descrevendo um email que enviei a uma advogada amiga minha.
Meus parabéns, excelente testo!
Presb. Josué.

Anônimo disse...

Olá Pastor Fôlton!
Sobre o tema "inversão de valores", ouvi uma declaração lamentável de um político influente (eleito recentemente para Presidente da Câmara dos Deputados, o Sr. Arlindo Chinaglia: "o papel do Estado não é vingar, mas prevenir"
Como se vê, a inversão de valores está institucionalizada... é lamentável.
Pastor, aguardamos uma visita sua aqui em Vila Gerti para o segundop semestre!
Um abraço!
Pres. Daniel Gomes de Oliveira, São Caetano do Sul.

folton disse...

Josué;

Grato. Deus seja louvado.
ab
Fôlton

folton disse...

Daniel;
Você tem razão. Fiquei mais triste com as declarações de nosso presidente, mas as do Deputado também me mostrou como a cosmovisão cristã está longe de nossos governantes.
ab
Fôlton

Anônimo disse...

Caro Reverendo Folton

Confesso que é um assunto controverso.

Faço um esforço mas não consigo ver no texto uma permissão de Deus para o Estado em realizar toda vingança.

Vejo Deus colocando que utilizará o Estado se assim o dejesar como um dos elementos pelos quais trará a vingança divina.

Mas a "iniciativa" sairá de Deus.

Da mesma forma como no texto diz que devemos estar sujeitos às autoridades superiores, isto tem limite, uma vez que estas podem ir contra outros mandamentos da palavra, o que me tornam livre desta sujeição.

Que a impunidade não deve existir, concordo, mas que o Estado deve ter a iniciativa de ser o vingador de Deus, e que lhe foi delegado o direito de vingança, tenho dificuldades em concordar.

Na história quando o Estado se achou o "deus", ou se achou em "nome de Deus" o resultado não foi bom, acabou-se num Estado totalitário, inclusive contra cristãos verdadeiros, invibializando inclusive a não resitência a ele (Estado) que o texto recomenda.

Então vejo que o Estado pode ser "ministro de Deus" pela iniciativa de Deus, mas não será sempre "ministro de Deus" para ser vingador em todos os casos.

Não devemos resistir ao Estado no geral pois ele é "ministro de Deus", mas se o Estado for a favor do aborto (por exemplo), não devemos resistir a ele? Neste caso eu vejo o Estado mais como "ministro de Satanás".

O Estado é uma das ferramentas que Deus pode usar para realizar a sua vingança.

A vingança é do Senhor, que pode usar vários meios para isto, e um deles é a mão do Estado.

Mas estas considerações faço com todo o respeito a sua pessoa e ao seu entendimento a respeito do assunto.

Um abraço

folton disse...

Oliveira;

A falha do Estado em cumprir o mandato de Deus só agrava sua situação e mostra o quanto o ser humano se corrompeu.

ab
Fôlton