sábado, 25 de outubro de 2008

Eclesiastes para hoje

Gosto de pensar que o Livro de Eclesiastes como uma auto-biografia de Salomão. Não estou sendo original, nem sei quem foi o primeiro a ter essa idéia, mas fiquei muito alegre ao vê-la, pois sempre tive problemas para entendê-lo.

Em Eclesiastes a palavra “vaidade” é repetida 28 vezes. A frase “vi que tudo era vaidade e correr atrás do vento” é repetida 7 vezes e parece delimitar seções do texto. Já a frase “debaixo do sol”, repetida 27 vezes, informa o local da ação.

Lendo-o como auto-biografia, escrita em seus últimos anos, fica fácil de ver uma estrutura coesa ao longo do texto. A impressão é de que ele registrou o quanto tentou achar sentido para sua vida “debaixo do sol” e como foi amargo o fim de cada busca: ”era vaidade e correr atrás do vento”.

Já tentei, diversas vezes, usando esta frase como marcador, resumir cada seção, ou pelo menos dizer do que ela se trata. Mas, se algumas, de tão obvias dispensam rótulos (por exemplo: a primeira), outras de tão complexas parece retratar uma profunda crise existencial.

Discordo de quem diz que naqueles dias não havia questionamentos existenciais, pois à luz do Livro de Jó (com todos os seus matizes de dor e questionamento não apenas da existência, mas também de merecimentos e recompensas) e dos Salmos 37 e 73, se não houvesse quem os entendesse, teríamos de admitir que foram preservados para os dias atuais.

Enquanto o Livro de Jó fala-nos de tais problemas à luz do sofrimento ocasionado por “forças espirituais”, Eclesiastes mostra-nos o sofrimento de quem busca sentido na vida material.

Veja a já citada primeira seção. Ela começa declarando que tudo é vaidade e perguntando que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol. Fala da eterna mesmice da vida, e da procura do Pregador em entendê-la. Porém, o que se destaca é que ele passou a examinar a vida “experimentalmente”: “Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade” (2.1).

E segue-se uma lista de experiências: Riso, alegria, bebedice, loucura, posses, feitos, aquisições, acúmulo de riquezas, desfrute de prazeres carnais e estéticos, que é concluída com a declaração seca: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol” (2.11).

E assim, as demais seções. Todas terminam com declaração semelhante.

O livro então ganha uma estrutura em que afirmações claramente contrárias ao Evangelho como: “Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular” (1.15) ou “o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra? Pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” (3.19-22), ganham sentido, pois foram ditas em um contexto determinado e são expressão de determinada época e de determinada busca e não verdades absolutas conflitantes com a “analogia da Fé”.

Outra vantagem é ver Salomão “redimido”. Explico: De 1Reis 11 sou obrigado a admitir que, ao morrer, Salomão levava uma vida de pecado longe de Deus, e morreu sob sua ira. Porém, se Eclesiastes, é sua auto-biografia, ele aproveitou para repassar-nos sua experiência, como que dizendo: “você quer achar sentido para a vida no materialismo? Tente. Eu “fui fundo” e só achei vaidade”.

Finalmente, a maior lição aparece nos últimos versos do livro quando ele diz que não há limites em “perscrutar”, mas “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (12.13).

Não era sem razão que Eclesiastes me fascinava na adolescência. É um guia seguro para a vida. Escrito por quem a viveu intensamente e só encontrou sentido para ela “acima do sol”.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mais doce do que o mel e preciosa do que o ouro

Alguns estudiosos dizem que a maior tentativa que o homem fez, e continua fazendo, para viver sem Deus foi viver em cidades. O raciocínio é simples: quem vive fora das cidades vê com mais clareza as obras de Deus.

Talvez você nunca tenha morado na roça, mas certamente pode imaginar. Na roça é necessário, por exemplo, tirar água da terra – estou me referindo a roça sem os confortos modernos – de tal modo que além de ver que a água é um produto da graça de Deus, se vê claramente quando há água em abundância e quando míngua. Na cidade basta abrir uma torneira e para se sentir falta de água é necessário um grande período de escassez, pois os reservatórios garantem seu fornecimento diariamente.

Talvez isso fique muito mais claro se você pensar em segurança. Quem vive em uma casinha isolada está sempre sobressaltado e dificilmente fica sem, pelo menos, um cão de guarda. Na cidade a maioria dos perigos se origina em seus próprios moradores. Pense nas antigas cidades muradas.

As luzes da cidade escondem os céus onde o poder de Deus se manifesta de modo tão claro, que o salmista chega a afirmar “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo” Sl 19.1-4).

O estilo de vida nas cidades torna nossa percepção da vida tão opaca que só pensamos se o ano foi farto em chuvas quando os preços dos alimentos sobem; e, abrigados das intempéries da vida, nos esquecemos da graça, da bondade e principalmente das repreensões de Deus. Se o clima fica severo, temos os aparelhos aquecedores ou os de ar condicionado.

O estilo de vida nas cidades nos priva das grandes bênçãos de Deus. Você já notou como no Antigo Testamento comer tutano e gordura era uma espécie de prêmio? O salmista chega a dizer “A minha alma se fartará, como de tutano e de gordura; e a minha boca te louvará com alegres lábios” (Sl 63.5 Ed. Corrigida). Você se arriscaria? Seus níveis de colesterol permitem?

O mel, a que a Palavra de Deus é comparada por sua doçura, ainda é tido como um excelente alimento, mas seus níveis de glicose permitem usá-lo sem quaisquer restrições?

Essa crise pela qual o mundo passa mostra-nos também o quão longe ficamos de coisas que o próprio Criador delas usou para mostrar sua generosidade. Logo no começo da narrativa do Genesis, ao descrever a terra onde Deus plantou um jardim, lemos sobre a “... terra de Havilá, onde há ouro. E o ouro dessa terra é bom” (Gn 2.11e2).

O salmista que comparou a doçura da Palavra de Deus ao mel, é o mesmo que compara sua preciosidade ao ouro. Mas você observou que o ouro hoje só é “desejado” quando a montanha de papéis, sobre os quais as riquezas se assentam, entram em crise?

Em parte eu concordo que a cidades, de certa forma, nos afastam de Deus, mas, se nossos primeiros pais tivessem resistido ao inimigo e não caíssem será que nunca viveriam em cidades? Será que não teríamos cidades sem pecado?

Na verdade, tanto as cidades, quanto qualquer outras coisas que viermos a produzir debaixo de uma cultura pecaminosa, visarão sempre nossa própria independência. Independência de Deus. A menos que consagremos a ele nossa vida e o fruto de nosso labor. A menos que as riquezas de “origem injusta” – como são todas as riquezas produzidas longe do Criador – sejam trazidas, juntamente com nosso pensar, cativas aos pés de nosso Senhor e por elas o adoremos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Por uma Reforma Continuada

Desde a época apostólica a Igreja tem sido assolada por uma grande quantidade de inimigos. Inimigos externos e internos, como o apóstolo Paulo ensinou aos presbíteros da Igreja que haveria de esquecer seu primeiro amor.

Não estou falando das perseguições, pois tais começaram antes dela ganhar a estrutura com que foi caracterizada no dia de Pentecostes. O próprio Senhor Jesus era perseguido. Refiro-me aos atentados à sua essência.

Antes do último apóstolo morrer já havia facções que lutavam para impor à Igreja seu modo de pensar e de ver o mundo. O apóstolo João, bem velho, amparado por amigos ditou seu evangelho, preocupado com a Igreja que estava sofrendo as idéias gnósticas.

Após a era apostólica, ou o primeiro século, houve um período de mais de duzentos anos, em que todos os ensinos deixados pelos apóstolos, foram organizados em doutrinas bem definidas e estabelecidas. Dessa época nos veio o Credo Niceno, resultado do terceiro concílio e que até hoje é uma das balizas de nossa fé. A esse período chamamos de patrística, pois os historiadores referem-se aos sucessores dos apóstolos como “pais da igreja”.

O último desses gigantes foi Agostinho, que, com exceção de algumas coisas, é para nós um marco na interpretação da Bíblia e na formulação da cosmovisão cristã.

Após Agostinho, a Igreja entrou em um período estranho, a que muitos historiadores chamam de Era das Trevas. Era a idade média. Houve desenvolvimento no estudo das Escrituras, mas como imperou a clausura e muito do que foi registrado se perdeu em guerras, pouco se pode destacar, além do trabalho de Tomas de Aquino, que sujeitou o pensamento da Igreja aos princípios da filosofia de Aristóteles e a amarrou mais fortemente aos erros que já se manifestavam nos dias de Agostinho.

Nessa época encontramos também os pré-reformadores. Aqueles que viveram antes dos reformadores do século 16 e que já lutavam por um ou mais pontos que vieram caracterizar a Reforma Protestante. De um modo geral há algum acordo em torno dos nomes de John Wycliff na Inglaterra no século 14, John Huss na Boêmia, no começo do século 15 e Jerônimo Savanarola na Itália, no fim do século 15.

Porém, o movimento mais consistente aconteceu no século 16 e seu início é atribuído a Martin Luther na Alemanha.

Dizer que o ambiente cultural e político não contribuiu para a Reforma Protestante ou para os atos de Lutero, é o mesmo que negar a ação da providencia divina, mas dizer que a Reforma Protestante foi apenas um movimento político é desconsiderar seu papel destacado na vida espiritual de povos inteiros.

Se Lutero começou, Calvino foi quem deu a forma final. Pouco foi sistematizado depois de Calvino.

Mas, se as doutrinas cristãs já haviam sido sistematizadas no período patrístico, por que foram sistematizadas novamente? A Igreja havia tomado outros trilhos e a luta dos reformadores era para que ela voltasse à pureza apostólica, pois mesmo na era patrística havia sementes dos erros que frutificariam depois.

Além de Calvino, houve muitos outros: Zuínglio, Beza, Knox ... tantos.

E nós, hoje.

Cabe-nos continuar a obra desses homens que seguindo o exemplo apostólico lutaram pela pureza da Igreja. Como cada época tem seu tipo de sujeira, cada época deve ter também seus limpadores adequados.

A maior sujeira do século 16, a que desencadeou a ira de Lutero, foi a venda de indulgências. Qual será a de nossos dias?

Cabe-nos discernir e lutar contra ela, daí a necessidade de uma Reforma Continuada. Daí a necessidade de voltarmos sempre, não ao tempo de nossos pais ou avós, mas ao tempo dos Apóstolos. E o único caminho para isso é a Bíblia.