sábado, 13 de março de 2010

O cavalo de Saulo

Desde seminarista observo um fenômeno que, por falta de um nome melhor, chamo de “O cavalo de Saulo”.

Conhecemos o relato da conversão de Saulo. Como ele encontrou Jesus no caminho de Damasco. Apesar de ser uma narrativa simples a maioria vê nela um cavalo. Provavelmente Paulo estivesse montado, porém o texto não diz.

O mesmo ocorre com o beijo de Judas. Garanto que em todos os filme, peças, ou apresentações de classe de crianças que você já viu, Judas, ao trair Jesus, beija seu rosto. Entretanto é mais provável que, como discípulo, ele tenha beijado a mão. Veja os Evangelhos. Nenhum diz que ele beijou o rosto.

Esse fenômeno está presente também - com pequenas variações - em outros textos. Veja o caso da fé que move montanhas.

Marcos nos informa que Pedro admirou-se da figueira ter secado e Jesus disse: “Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que, se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele” (Mc 11.22-23).

Pois bem. O que é que faz alguém entender que esta promessa (de mover montanhas pela fé) foi dada a todas as pessoas de todas as épocas? Acaso o texto não é claro? Jesus está falando com quem? Não é com seus discípulos? Com que direito posso me apropriar hoje de uma promessa feita a outros, há dois mil anos, em uma circunstância completamente diferente?

E assim, muitos textos podem ser mal interpretados. Fui pastor de uma senhora que ficou zangada comigo ao ponto de sair da Igreja por eu ter dito que o Salmo 91.7 (Caiam mil ao teu lado, e dez mil, à tua direita; tu não serás atingido) era uma promessa feita a Jesus. Ela cria que o versículo lhe dava um “salvo conduto” contra balas perdidas.

Porém, o texto em que este fenômeno tem se mostrado mais danoso é o capítulo dezesseis do Evangelho de Marcos: a promessa de acompanhamento de sinais aos que cressem.

Uma leitura dos versículos 17 e 18 isoladamente, dá a impressão de que foi prometido a todos os crentes a capacidade de, em nome de Jesus, expelir demônios, falar novas línguas, pegar em serpentes, imunidade a venenos e poder para curar doentes com a imposição das mãos.

Os três primeiros versículos narram como Maria Madalena avisou aos discípulos da ressurreição de Jesus e como eles não creram. Os dois versículos seguintes contam como os que iam para Emaús avisaram também que Jesus lhes aparecera ressuscitado e novamente eles não creram.

Finalmente os versículos 14 a 18, narram como Jesus apareceu-lhes pessoalmente. Censurou-lhes por não terem acreditado em Madalena e nos outros, e mandou-lhes ir pelo mundo afora pregando o Evangelho a toda criatura. E garantiu que, aqueles que cressem, seriam credenciados pelos os sinais acima.

Minha pergunta: Como foi que uma promessa dada a um grupo de onze pessoas acabou sendo apropriada pela maioria dos cristãos de hoje? Não sei. Talvez do mesmo modo que a promessa de mover montanhas - dada ao mesmo grupo - tornou-se propriedade de quase todos os cristãos.

Realmente não sei. Mas desconfio que foi por um motivo semelhante ao que levou todos a verem Judas beijar o rosto de Jesus ou Saulo cair de um cavalo.

4 comentários:

Unknown disse...

Caríssimo Rev. Folton
Talvez o que faça os crentes reproduzirem esses e outros conceitos equivicados seja o hábito de interpretar as Escrituras pelo senso comum, e não pelas regras elementares da hermenêutica. Obrigado pelo texto.
Rev. Agnaldo Silva Mariano

Danyel Belmont disse...

Querido Pastor,
Sou grato por ser constantemente abençoado pelos seus excelentes posts.
Realmente achei muito pertinente a chamada à atenção para o problema em acrescentar detalhes inexistentes à narrativa bíblica.
Mas quanto a pontos deste post, gostaria que pudesse me ajudar em algumas dúvidas:
Quanto a mover montanhas pela fé. Penso que Jesus estava ensinando aos discípulos que a FÉ genuina em concordância com a vontade executiva de DEUS pode gerar sinais e milagres que desafiam todos os limites da possibilidade humana e até mesmo as leis estabelecidas da natureza.
Deste modo, esta era mesmo uma promessa aos discípulos ou um princípio geral da Fé e portanto aplicável a todos os crentes de todas as épocas? Pondero sobre a promessa, pois não vemos um discípulo posteriormente lançando montes ao mar, mas vemos homens de Deus de todas as épocas participando pela Fé de sinais naturalmente improváveis ou impossíveis operado s por Deus.
Quanto a Marcos 16, quando Jesus fala dos sinais que acompanham os que creram, Jesus também não ensinava aqui um princípio à Igreja? Ou seja, que este sinais estariam presentes no meio daqueles que creem. Não digo necessariamente presente, mas eventualmente a Igreja não expele demônios? De vez enquando missionários não são preservados mesmo em contato com perigos extremos? (Ronaldo Lidório envenenado no livro Konkombas), Não contemplamos curas operadas por Deus após a intercesssão daqueles que creem?
Acho que entendi claramente quando o sr. chama à atenção para o perigo de se enquadrar automaticamente em palavras ditas especificamente para certas pessoas em certas épocas. Mas nos exemplos citados o proncípio geral do ensinamento não nos alcança ainda hoje?
Desculpe o longo comentário.
Com todo respeito e admiração,
Seu Irmão Danyel.

folton disse...

Caro Agnaldo;

Obrigado pelas boas palavras. COntinue orando por mim.
ab
Fôlton

folton disse...

Caro Daniel;

Desculpe-me a demora em responder. Eu estava de viagem e cheguei apenas onte à noite.

Eu entendo teu argumento. Já pensei assim também e fui um pouco mais longe. Porém me rendi a outra abordagem. Explico.

Somente os apóstolos do Senhor tiveram "poderes delegados" pelo próprio Senhor. Lembra da resposta de Pedro e João ao mendigo da porta formosa (Não TENHO prata nem ouro, mas o que TENHO te dou...)? Some isso às "delegações de poderes" feitas pelo próprio Jesus.

Note: não duvido de milagres. Aliás já os vi acontecer em minha casa. Porém, não tenho autoridade para determinar sua ocorrência. Só posso bater os joelhos no chão e pedir a Deus que cure minha filha à morte e ele curou!

Percebeu? Os apóstolos detinham tal poder que um deles entregou alguém a Satanás. Como não há mais apóstolos hoje (no sentido estrito da palavra) o que nos ficou foi a poderosa arma chamada oração.

ab
Fôlton