domingo, 28 de novembro de 2010

Chuvas abençoadas

A chuva que caiu à noitinha espantou o calor e trouxe uma aragem fresca do rio, que além de prometer uma noite sem o ruído monótono do ventilador, embalaria o sono com o chiado agradável das corredeiras.

Naquele dia o sol ardido da manhã já havia sido substituído pelo mormaço sufocante da tarde. E, de repente, chuva. Não a que se anuncia com respingos, mas a que cai de uma vez.

Que bom! Apenas uma chuva mudou o dia. As ruas foram lavadas, a grama encharcada, o ar ficou mais leve e a temperatura muito mais baixa.

Agradeci a Deus. E enquanto o sono arredio não chegava, lembrei-me novamente do Estudo Bíblico comparando as duas cartas escritas a Timóteo.

Na primeira, exuberante, Paulo o instrui a respeito de como enfrentar os problemas que viriam sobre a igreja de Éfeso, onde fora deixado. Minuciosamente detalha até como cumprimentar as mulheres idosas e as moças.

Na segunda, vendo o final de sua vida, escreve: “...o tempo da minha partida é chegado” (2Tm 4.6).

Ao contrário do dia, que começou abrasante e terminou fresco, o ministério do apóstolo Paulo, concluído com seu martírio, gradualmente tornou-se pesado e sufocante. Veja:

Procura vir ter comigo depressa. Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica; Crescente foi para a Galácia, Tito, para a Dalmácia. Somente Lucas está comigo.

Toma contigo Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério. Quanto a Tíquico, mandei-o até Éfeso.

Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, bem como os livros, especialmente os pergaminhos.

Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe dará a paga segundo as suas obras. ...

Na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram. Que isto não lhes seja posto em conta! Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem; e fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino celestial. A ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém! ...

Apressa-te a vir antes do inverno (2Tm 4.9-21).

Percebeu? Paulo esperava por mudanças maiores do que as que são trazidas por uma chuva: “o Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu reino celestial”.

Essa é nossa esperança também. Nisso pomos nossa confiança e por isso vivemos.

Nessa vida, os dias quentes se tornam suportáveis pelas benditas chuvas de verão. Mas, e a vida como um todo, que apesar de ser a maior dádiva de Deus, é uma verdadeira coleção dos desacertos que cometemos e das expectativas frustradas?

Chuva nenhuma resolve. Aragem alguma suaviza, sono nenhum ameniza. Somente a graça do Senhor que a redime da sombra da morte é capaz de torná-la em verdadeira vida. A vida para a qual fomos criados.

domingo, 21 de novembro de 2010

Figuras da proteção divina

As Sagradas Escrituras usam formas humanas para falar de Deus. Em um só lugar o profeta Isaías fala de suas mãos e ouvidos: “Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir” (Is 59.1).

As Sagradas Escrituras também usam sentimentos humanos com o mesmo objetivo: “A zelos me provocaram com aquilo que não é Deus; com seus ídolos me provocaram à ira; portanto, eu os provocarei a zelos com aquele que não é povo; com louca nação os despertarei à ira” (Dt 32.21). Neste texto Deus, através de Moisés, diz sentir zelo - ciúmes - e ira.

E assim, muitos outros textos em que, tanto formas, quanto sentimentos humanos são atribuídos a Deus permeiam as páginas da Bíblia.

E não poderia ser diferente. Afinal como poderíamos entender o que Deus é sem comparar com o que somos? Certamente ele não possui mãos, mas que figura evocaria mais o Senhor abençoando seu povo do que a figura de um pai colocando as mãos sobre seu filho? Como entenderíamos o que ele sente ao ver seu povo em plena idolatria se não compararmos ao que sente um marido ao flagrar sua mulher em pleno adultério?

Além desses textos diretos há outros também, que, embora indiretos, revelam, de forma preciosa e profunda, relacionamentos mais intensos e de difícil descrição.

Você já leu com calma o Salmo 131? Aquele em que Davi diz que fez calar e sossegar sua alma como uma criança desmamada (literalmente, que acabou de mamar) se aquieta nos braços de sua mãe? A figura que está em destaque é a da criança aquietada nos braços maternos depois de ter sido saciada por seu leite. E essa é a lição que o salmista quis nos transmitir: nossa alma deve se aquietar nos braços de Deus.

Entretanto você já reparou que tal figura só se sustenta se admitirmos que Deus é representado pela mãe que agasalha o bebê que recém-alimentou?

De fato. Em muitos lugares, sob muitas formas, o Senhor mostra que alimenta seu povo. E, de fato, o alimentou. No deserto, na multiplicação dos pães, depois de uma noite de pesca infrutífera e especialmente quando tomou o pão e o cálice e o partiu e mandou que isso fosse feito até sua volta.

Não há para o cristão maior consolo do que este: o Senhor o alimenta e o sustenta. Isso deve ser a base de nossa tranqüilidade, do sossego de nossa alma. E, qual crianças saciadas pelo Senhor, devemos descansar em seus braços.

Certamente você há de concordar comigo que esta é uma das maiores necessidade que temos em nossos dias atribulados.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Carta Pastoral à Igreja Presbiteriana da Ilha dos Araújos

Novamente sobre a "Lei da Homofobia"

Irmãos;

No boletim de 6 de junho de 2007, publiquei uma Carta Pastoral (que pode ser lida aqui), sobre o que ocorria então em conseqüência do Projeto de Lei 122.

Nela fiz alusão à carta que do Rev. Roberto Brasileiro, Presidente do Supremo Concílio de nossa Igreja, que foi encartada em nosso Boletim Dominical e postei diversos links: para o referido Projeto de Lei no Senado Federal e para algumas análises dele feitas por autoridades em diversas áreas do saber.

Pois bem. Em 2007, decorrente da carta do Rev. Roberto, a Universidade Mackenzie, também se pronunciou, mutatis mutandi, à semelhança do que fizemos aqui.

Somente agora, em 2010, aproveitando comemorações afins, grupos gays resolveram se servir dessa carta para usar aquela universidade como exemplo. Não houve um dia nesta semana que não se repetisse em algum meio de comunicação de massa algum tipo de notícia difamatória e caluniosa contra aquela instituição e/ou contra seus dirigentes.

A posição da Igreja Presbiteriana do Brasil, conseqüentemente a nossa e a de todas as Igrejas por ela federadas, bem como a de suas instituições ainda é a mesma: somos contra o PL122.

Que seja mais uma vez repetido: o verdadeiro cristão não discrimina, muito menos agride, por quaisquer meios, um homossexual. Mas do mesmo modo que respeita a opção feita por ele e, no máximo se reserva o direito de criticá-la e dizer que é pecado, também demanda que os grupos homossexuais respeitem e não exijam que sigamos seus valores e sua agenda. Podem continuar nos chamado de retrógrados, ultrapassados e até mesmo de errados, mas nos não igualem a assassinos e a espancadores, nem nos imponham seus valores ou cultura, como querem fazer com o PL122.

Exorto, portanto a Igreja à qual sirvo como pastor, que coloque os joelhos no chão em oração a favor dos que estão sendo perseguidos por manterem-se fiéis aos preceitos bíblicos. Orem também para que, os que presos a conceitos e comportamentos homossexuais, recebam de Deus a graça de se livrarem como os crentes de Corinto se livraram (1º Coríntios 1.9-11). Finalmente, orem também pelo grande grupo de simpatizantes, que muitas vezes, por solidariedade e amor genuínos, fazem muito mais mal do que bem, não confrontando algo que é contrário a própria natureza com que Deus criou o ser humano: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou” (Gênesis 1.27 - Edição Revista e Corrigida).

sábado, 13 de novembro de 2010

Politicamente correto

Nas últimas semanas acompanhamos o debate sobre a proibição nas escolas públicas de um clássico da literatura infantil, que descreve a Tia Anastácia com termos que foram considerados racistas.

Nem quero entrar no mérito da questão, mas não deixei de rir quando um repórter reclamou que, desse jeito, ele teria de se referir ao Negrinho do Pastoreio como o Afro-descendente do Pastoreio.

Não há dúvida de que o racismo é algo deplorável contra o qual devemos estar alertas. Afinal o racista quebra o nono mandamento. Mas não creio que uma instituição governamental possa extingui-lo, pois ele está intimamente ligado à constituição da personalidade de cada um.

Entretanto há que se fazer diferença entre o racismo, condenável em todos os seus aspectos, e o modismo do politicamente correto, que, em minha opinião, foi o que mais pesou na tal proibição.

Em nossos dias não é politicamente correto chamar um cego de cego. Deve-se dizer que ele é deficiente visual. Como se deve chamar um aleijado de deficiente físico, ou (contra todas as normas de derivação da língua portuguesa) de cadeirante.

Um surdo deve ser chamado de deficiente auditivo e um gordo de obeso (ainda prefiro gordo). Um velho deve ser chamado de idoso ainda que muitos respondam: “idoso é seu avô”.

Estes melindres aparecem, geração após geração. Causam muitas situações embaraçosas, cômicas e, algumas vezes, trágicas. E curiosamente aparecem até na Igreja.

Temos em nosso hinário uma bela composição que exorta os jovens, os homens (no sentido de adultos), e os velhos a trabalhar. Cada uma de suas três estrofes destaca as peculiaridades de cada faixa etária. Dos jovens destaca a força, dos adultos o vigor e aos velhos exorta a considerar que “breve chega o fim”. A última edição que encontrei dedicada aos velhos foi a de 1975 (ainda Salmos e Hinos). Desde então se dirige a “todos”.

Precisamos ser gentis na hora de falar. Precisamos ser polidos e corteses. Porém, há um limite entre a cortesia e o eufemismo. Especialmente o eufemismo que tira a substância da comunicação autêntica. Corremos o perigo de, por não denominar corretamente as coisas, deixarmos de enquadrar os pecados nos respectivos mandamentos que ferem.

Por exemplo: até que ponto “um apropriador indébito” está quebrando o mandamento “não furtarás”? Ou, como cumpriremos a ordem bíblica de nos levantar diante das cãs se elas já não são nominadas, ou, por vergonha, são até escondidas?

Do mesmo modo que pecamos quando dizemos sim ao querermos dizer não, pecamos ao chamar de luz as trevas. Isaías já nos alertou sobre isso: Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo! (5.20).

Percebeu? Uma coisa é pecar por racismo ou por falta de cortesia. Outra é arriscar-se a pecar por perverter o significado das palavras.

sábado, 6 de novembro de 2010

O efêmero e o eterno

Após 30 anos, os inventores pararam de fabricar os pequenos walkmans. Gravei muitas coisas neles. Desde minhas aulas de grego e hebraico, que ouvia no ônibus em que ia para o seminário, até o maior número de músicas possíveis a fim de tornar mais confortável uma viagem longa.

Eu vi essa tecnologia nascer e morrer. E essa é uma das características de nossos dias: ver o nascimento e a morte das tecnologias. Nossos pais raramente viam isso.

Quantas gerações conviveram com relógios de sol? A Bíblia faz menção de um nos dias de Ezequias (2Re 20.11). Não se sabe ao certo quando, mas depois vieram os relógios de areia (ampulhetas) e de água (clepsidras) e só na idade média apareceram os relógios mecânicos a corda. Finalmente, no século XX apareceram os relógios automáticos e os digitais. Todos possuíam a mesma função: medir o tempo. Mas faziam isso usando tecnologias diferentes. E apenas nossa geração viu o relógio de corda, o relógio automático e o digital. Os demais relógios sobreviveram muitas gerações.

Após a escrita o homem conseguiu armazenar mais eficientemente o conhecimento, de modo a não precisar passar por todos os erros de seus pais. Ele já encontrava a fórmula pronta. Bastava segui-la.
Quem dominava uma técnica nova, especialmente que garantisse vantagem sobre seus adversários, tentava escondê-la, lucrar com ela, ou impor, através dela, seu domínio.

Observe como dominar a tecnologia do ferro foi importante: “Esteve o SENHOR com Judá, e este despovoou as montanhas; porém não expulsou os moradores do vale, porquanto tinham carros de ferro” (Jz 1.19). E: “Clamaram os filhos de Israel ao SENHOR, porquanto Jabim tinha novecentos carros de ferro e, por vinte anos, oprimia duramente os filhos de Israel” (Jz 4.3).


Assim age o mundo moderno. Os países detentores de tecnologia de ponta impõem sua agenda aos demais, pois o conhecimento de como fazer vale mais do que o material do qual o produto em questão é feito. Entretanto isto não é novo. Veja: “Importava-se, do Egito, um carro por seiscentos siclos de prata ... nas mesmas condições, as caravanas os traziam e os exportavam para todos os reis dos heteus e para os reis da Síria” (1Re 10.29).


Devemos ter, pelo menos, dois cuidados para que isso não envolva nosso modo de viver:

1º Não devemos permitir que nossos valores morais se tornem tão descartáveis quanto nossas tecnologias (note que sequer falei de objetos descartáveis que nos rodeiam como lenços, fraldas, giletes, canetas, etc.), pois infelizmente essa tendência está presente. Veja as estatísticas crescentes de divórcio que mostram como o casamento está ficando descartável.

2º Devemos sempre nos lembrar de que, apesar do possuidor de uma nova tecnologia ter grande poder, isso não o torna onipotente. O inimigo oprimia o povo de Deus com 900 carros de ferro, mas não dominava o clima. Deus atolou seus carros na lama depois de chuva torrencial.

A tecnologia é de grande ajuda. Apenas isso. Ela muda. Passa. Sempre mudou e sempre mudará. Sempre passou e sempre passará. Aliás, “o mundo passa, com tudo o que as pessoas cobiçam; porém aquele que faz a vontade de Deus vive para sempre” (1Jo 2.17 NTLH).