sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Sermão do Monte

O Sermão do Monte sempre me deixou, no mínimo, desconfortável. Quando criança eu não concordava em não poder chamar de tolo o besta do meu colega que sempre me metia em confusão na escola. Já adolescente, não conseguia entender por que Jesus exigia que sequer eu pensasse em uma mulher bonita. E depois de adulto ainda não digeria a exigência de dar a outra face.

Quando cheguei ao seminário, sempre que verificava com meu professor de grego a tradução de determinada palavra. E no último ano, estudando Ética Cristã, devorei os livros de nossa biblioteca sobre o Sermão do Monte, só para descobrir que os estudiosos tinham as mesmas inquietações. Por exemplo:

Joaquim Jeremias sintetizou três correntes que mostram o Sermão do Monte como uma Legislação Judaica: 1ª) A que ele chama de Concepção Perfeccionista, em que Jesus exige que seus discípulos sejam melhores do que os judeus de então; 2ª) a que Lutero, chamou de Præparatio Evangelica, em que o objetivo era desesperar o discípulo para se entregar pela fé nas mãos do legislador, e 3ª) a “Ética Emergencial”, em que a gravidade das exigências é justificada pela proximidade do fim.

Bertolaso Stella, tão incensado na época, me decepcionou muito com seu enorme pedantismo intelectual e ecumênico, que em um opúsculo vil, já no prefácio defende a ideia de que o Sermão do Monte é um reflexo do que Jesus aprendeu do Livro de Enoque e o conclui declarando que no Sermão do Monte Jesus reforma não só o VT, mas a religião e a própria ideia “de um Deus cruel, vingativo, que faz guerra e manda matar homens mulheres e crianças, mas apresenta um Deus Pai, Deus de amor”.

John Stott, escreveu um excelente comentário, mas embora tenha me influenciado, hoje não posso concordar com sua ideia de que o Sermão do Monte é uma espécie de Manifesto de Jesus e expressa uma “contracultura cristã” (seja lá o que isso signifique).

De modo geral, os demais comentadores dividem-se em dois grupos: 1º) os muitos - tantos que é difícil listar - que veem o Sermão do Monte como a Lei do Reino Porvir (seja o Reino Eterno ou Milenar) e, 2º) os poucos - como Lloyd-Jones - que assumem que o Sermão do Monte, por mais absurdo que seja, é exatamente o que Cristo exige de todos os seus discípulos em todas as épocas, lugares e culturas.

Joaquim Jeremias observa entretanto que há uma estrutura maior que divide o Sermão do Monte em três partes, que ele chama de: 1ª) a Justiça dos teólogos (não matar, não adulterar...), 2ª) a Justiça do judeu piedoso (Dar esmolas, orar e jejuar), e 3ª) a Justiça dos discípulos de Jesus, que obriga a todo o seguidor do Mestre: Não andar ansioso pela vida, não dar o que santo aos cães, acautelar-se dos falsos profetas, entrar pela porta estreita e construir sobre a rocha.

Há méritos em ver o Sermão do Monte como uma unidade e creio que os maiores problemas ao estuda-lo vem de examinar suas partes fora do contexto do sermão. Por exemplo: Jesus compara seus discípulos ao sal e à luz ao mesmo tempo, dentro de um mesmo contexto. Ora, o que há de comum entre sal e luz? Apenas uma coisa: Eles influenciam o meio sem serem influenciados. Já ouvi belos sermões que discorrem até sobre a sede que o sal provoca. E o pregador acrescenta: Sede de água viva! Pergunto: Estaria de acordo com a significado do Sermão ou é apenas uma alegoria?

Eu também vejo uma estrutura. Porém menos espetacular. Vejo uma introdução, quatro partes e uma conclusão: A Introdução identifica os cidadãos do Reino (os bem-aventurados que são sal e luz). A 1ª parte mostra que a lei de Moisés é apenas uma sombra da lei do Reino, que é cumprida no coração. A 2ª parte mostra como as devoções do Reino são feitas em espírito e em verdade, apenas diante de Deus. A 3ª parte resume as proibições no Reino de Deus (Acumular tesouros, Andar ansioso, Julgar e Dar o que santo aos cães). E a 4ª parte resume as obrigações (Orar, Entrar pela porta estreita e Acautelar-se dos falsos profetas). E como conclusão, Jesus compara quem constrói sobre a areia a quem constrói sobre a rocha sendo que este último simboliza quem coloca em prática as palavras deste sermão.

Algo entretanto precisa ser levado em conta: O Sermão do Monte NÃO É UMA LEGISLAÇÃO que tem como prêmio a salvação. Ao contrário é uma legislação para os discípulos do Mestre e portanto para os que já são salvos. Aliás só pode cumpri-lo que tem o auxílio do Espírito Santo de Deus.

Um comentário:

Ashbel Simonton Vasconcelos disse...

Caro Rev Folton,
Excelente texto, brilhante fechamento, pois nos leva a buscar cumprir o que o Senhor Jesus nos ordenou, mas sem perder de vista que a salvação é somente pela graça.
O texto de Lc 10.25-37 (parábola do bom samaritano) também tem este poder de nos deixar a pensar: quem de nós será capaz de fazer igual?
Mas graças a Deus porque também naquele texto o objetivo de Jesus era mostra justamente que a salvação é somente por graça, pois o texto mostra o tamanho da dificuldade, ou seja, a total impossibilidade de alguém fazer o que pretendia o intérprete da lei que estava ali para ridicularizar Jesus. Entendo então que a ordem "vai tu e procede de igual modo" é dirigida aos judeus legalistas como aquele que o interrogava. Se eles pudessem fazer assim teriam cumprido a Lei e não precisariam de um Redentor. Creio que isto foi para que eles percebessem esta impossibilidade.
Creio que a ordem dada ao jovem rico tem também este mesmo sentido.

Obrigado pela excelente reflexão sobre o sermão do monte.
ab
Simonton