sábado, 1 de dezembro de 2012

Um cego que guia outro

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Quando os discípulos do Senhor Jesus vieram alertar-lhe de que os fariseus haviam se escandalizado com suas palavras, ele disse: “Deixai-os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15.14).

Pieter Bruegel, o velho, (1526 – 1569), nascido em Brogel, na Bélgica, pintou, em 1568 o quadro acima, a fim de tornar visível esta parábola. Uma versão pode ser vista com detalhes em www.artbible.info/art/large/556.html

Em 1568 os principais reformadores protestantes já estavam mortos e haviam deixado muita coisa escrita sobre esta parábola. Calvino já havia desenvolvido seus princípios éticos sobre o escândalo dado e o escândalo tomado. E embora Bruegel habitasse a parte católica dos Países Baixos, sua formação nos leva a crer que ele conhecia pelo menos um pouco do pensamento protestante.

Seu quadro é revelador e nos mostra um pouco do que falei na semana passada. Os estudiosos classificam Bruegel como um renascentista. Alguém que estava deixando a confusa Idade Média e aderindo a organização da Idade Moderna.

Confusões próprias da Idade Média: Jesus disse esta parábola mais de uma vez. Uma contra os fariseus: Mateus (15.14). Outra faz parte de uma coleção de diversas parábolas: Lucas (6.39). De qualquer forma, isso deveria ser entendido em um ambiente judaico. Entretanto, Bruegel o pinta em seu meio social: Observe as roupas dos cegos: são roupas de sua época. Repare nas casas ao fundo e especialmente na Igreja que se destaca, e observe que a fila se afasta dela. O quadro diz: Os cegos guiam outros cegos para longe da Igreja em direção ao barranco.

Poderia se argumentar que ele está aplicando a mensagem bíblica a seus dias. De fato, parece que esta é sua intenção. Porém, este tipo de interpretação do texto, é a alegoria tão prezada pela hermenêutica da Idade Média.

Traços do pensamento moderno: Há uma espécie de respeito exegético no quadro: Apesar de Jesus ter usado a palavra “ambos”, transmitindo a ideia de dois cegos, Bruegel pinta seis, mas mantém a organização deles em duplas. Exegeticamente também, ele pinta o barranco ameaçador próximo de todos.

O quadro foi extremamente organizado. Certamente foi esboçado previamente. Os cegos estão pintados na mesma ordem que se lê. E seus rostos apresentam uma feição mais carregada, à medida que se aproximam da direita do quadro onde está o primeiro que já caiu. Na realidade vai do cego aparvalhado ao aterrorizado pelo tombo. Das apalpadelas à queda. Do menor ao maior perigo.

O estilo das roupas, para mim, indica a posição social e provavelmente a riqueza de cada cego, sendo que eles estão misturados. O de maior posição social (melhores trajes), terceiro da esquerda para a direita, está sento conduzido por um mendigo (andrajoso e sujo), que por sua vez é levado por um com cara de esperto, que está tropeçando no que carregava um instrumento musical e que parecia ser o líder da trupe.

Olhando em detalhes, da esquerda para direita, parece que o grau de cegueira aumenta, pois o cego mais a esquerda tem apenas os olhos fechados, enquanto o cego que tropeça no que caiu (do qual sequer vemos os olhos) está com as órbitas vazias, desprovidas de olhos.

A ausência de adornos na Igreja, apesar de a parte sul dos Países Baixos, a Bélgica de hoje, ter permanecido católica, para mim indica que ele se referia a uma igreja protestante.

Eu desconheço algum quadro ou gravura da Idade Média que tente ilustrar esta parábola. Porém, não creio que pudesse ir além do óbvio: dois cegos um guiando o outro, sem qualquer outra preocupação.

Já uma simples pesquisa de imagens na internet sob o título “blind leads another blind” retorna uma quantidade enorme de tirinhas, charges, pastiches, grafites, fotos de peças de teatro, montagens cênicas e “performances”, desde engraçadas até grosseiras e chulas. E embora algumas pretendam ser originais, todas carregam o ônus de refletir as palavras do Senhor, que a grande maioria despreza.

Porém, todas estas que aparecem na pesquisa, refletem muito mais um pensamento ainda moderno, que critica, mesmo acintosamente, pois o homem pós-moderno não tem a menor intenção de perder tempo com isso. “Pensar? Gastar tempo com crítica? Cada um faz o que quer”. O homem pós-moderno quer sentir. Tanto faz se ele é guiado por um cego ou por uma máquina, desde que alguém assuma a tarefa de decidir por ele, e ele tenha em quem por a culpa se algo der errado.

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